domingo, 31 de maio de 2009

SINÉDOQUE, NOVA YORK

Philip Seymour é um ator que dá o aval para qualquer filme em que participa. Sinédoque Nova York, de Charlie Kaufman é uma exceção. É um filme cansativo, angustiante e longo. Não sei como alguém o classificou como comédia. Não ouvi nenhum riso na platéia.

Charlie Kaufman é o diretor do belo filme Os eleitos e de filmes como Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Confissões de uma mente perigosa e Quero ser John Malcovich.

Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) é o diretor de teatro, casado com a artista plástica Adele Lack (Catherine Keener). O casal tem uma filha, uma menina linda chamada Olive (Sadie Goldstein). O teatrólogo tem grandes problemas, o casamento está em crise.

Philip apesar de ser um grande ator tem interpretado papéis onde parece mais ele, do que o personagem. Assim, quando o filme inicia Caden Cotard está deitado com aquela cara de preguiça, gordo e desleixado, mais parece o próprio Philip do que Caden. Ou Philip para mim é inseparável dos personagens que interpreta.

Sinédoque significa substituição do todo pelas partes, do plural pelo singular. Assim Kaufman faz um filme onde o personagem de Caden é substituído pela sua própria projeção. O teatrólogo cria inúmeros personagens. Ele é todos os seus personagens e todos os personagens são ele mesmo. Charlie Kaufman brinca com essa idéia.

A sinédoque poderia se estender ao diretor. Assim, Caden poderia ser o próprio Kaufman, seu outro eu, ou seja, a pessoa na qual ele poderia confiar como em si mesmo.

Caden se vê envolvido em tragédias pessoais. A mulher é lésbica, foge com outra mulher e com a filha para tentar a vida artística em Berlim. O teatrólogo não vê a menina por mais de dez anos.

Charlie descreve os personagens com bastante dureza. A mulher, Adele, não inspira a menor simpatia. Banho ou pente no cabelo é coisa que nunca viu. Caden também é tristonho e ensebado. Seu casaco nunca foi numa lavanderia. A lésbica que o enfrenta e diz que Olive é sua musa, não é menos repulsiva. Tem uns tetões enormes, que Deus me livre!

Doce e angelical só Olive. Assim, quando sabemos que a namorada de Adele e sua mãe a levaram e destruíram sua vida nos revoltamos tanto quanto Caden. A cena em que o teatrólogo bate no vidro da casa onde Olive (Robin Weigert), já adulta se apresentava, toda tatuada, dançando somente para ser observada através de um vidro, nos causa tanta raiva e revolta quanto causou em seu pai – Caden - que esmurrava o vidro descontrolado. Foi retirado à força pelos cães de guarda. Lembrou-me o filme Paris Texas, de Wim Wenders, em que o personagem, perdido no deserto, deparava com a mulher amada fazendo uma cena semelhante e degradante, dessas que provocam aquele mal estar terrível, nos sentimos revoltados e impotentes.

Hazel (Samantha Morton) é o único personagem cheio de vida, que se sente atraído por Caden. O diretor, mergulhado em tantos problemas pessoais não consegue retribuir, nem transar.

A vida de Cotard era tão vazia quanto a do estrangeiro de Camus, tudo era problema, solidão e tristeza. A salvação era o teatro, onde ganhou o prêmio Mc Arthur e pôde propor a peça que nunca terminava, onde a representação substituía a realidade.

Caden transforma-se numa criatura infeliz e solitária, só pensa na morte e em doenças, mas estranhamente, não morre. Tinha mania de doença e de limpeza, embora seu visual nunca fosse limpo. Era o paradoxo. Tudo tinha uma duplicidade. No meio do grande vazio os personagens diziam que estavam imersos no próprio sangue menstrual. O diretor preocupava-se com temas relacionados a doenças infecto contagiosas, gripe aviária, pústulas, inflamação nas gengivas, doenças infecciosas do gado, etc. Teve ataques e ninguém sabe como sobreviveu. Preocupavam-se com os cheiros, Adele sentia o cheiro de menstruação no marido.

O filme pode ser interpretado pelo seu lado psicológico, o personagem sentia-se sujo em um sentido mais amplo, pois assumia a personalidade de Ellen, a faxineira. Limpava o apartamento da ex-mulher, sem ninguém dentro. Apenas uma voz gravada, e um chuveiro escorrendo água, para simbolicamente limpar a sujeira de suas vidas. E Caden - quer dizer Ellen - esfregava que esfregava.
No início, o casal frequentava o sofá da terapeuta, sem resultados; depois, somente Caden. O que a psicóloga fazia era expor suas belas pernas para o diretor e tentar vender-lhe seu livro, “Getting Better”.

Caden preocupa-se em revelar os segredos de cada um de nós. Ele afirmava que existiam 13 milhões de pessoas - nas cidades?- ninguém era figurante, cada um de nós tinha sua própria vida. E, era dessas vidas que ele queria se apropriar e desvelar... Queria descobrir a essência de cada ser.

O mais interessante é quando os personagens criados por Cotard passam a assumir a vida real dos personagens do filme. Muitas vezes não sabemos se é a peça de teatro que o diretor deseja criar ou é a realidade, tudo se misturava. O sinédoque de Caden há vinte anos o acompanhava, era a sua ovelha Dolly, o seu clone. A projeção de si mesmo, agora vai conquistar a sexy Hezel - porque, na cena de sexo ela está com aquele barrigão e aqueles seios gigantescos? depois emagrece, não entendi.

Os personagens adquirem vida própria e se separam do autor, que não tem mais o controle da vida de suas criaturas.

Essa mistura entre criador e criatura poderia acontecer com o Veríssimo, não poderia? Os personagens adquirindo vida própria e se vingando do autor.

Mas acontece o imprevisto, o outro eu que imita o eu, não fica mais ao lado eu, se arrisca, cumpre um destino infeliz e se mata! Mas Caden não tinha cometido o suicídio, tinha sido impedido pelo amigo! Porque a separação entre a vida - na imaginação - e a vida real? É a vingança do autor contra os personagens que o traem e querem transar com a sua mulher! Então o autor os mata sem piedade!
A cada um que morre o diretor diz: “Agora sim, sei como vou contar a história”. Veja esta autocrítica da vida de um criador de criaturas e tire suas próprias conclusões. A obra é aberta, como diz Umberto Eco.

Afinal, para o autor, a vida real não importava, importava sim a vida que imitava a própria vida..., nem que fosse a sua própria.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

SIMPLESMENTE FELIZ

Sally Hawkins ganhou o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim 2008 por sua atuação em Simplesmente Feliz. O diretor Mike Leigh é responsável por filmes como Segredos e Mentiras e Vera Drake.

Simplesmente Feliz conta a história de Poppy, uma professora que está “sempre feliz”, sempre rindo e encarando tudo pelo lado positivo. Será? Recebeu uma indicação ao Oscar. Poppy (Sally Hawkins) é a professora que trabalha em uma escola primária em Londres. O espectador se pergunta as razões que levaram o diretor a contar a história da professorinha. Para mostrar que existem pessoas que usam o otimismo como forma de viver, para viver melhor? Para enfrentar melhor os problemas do dia a dia?

Pensando bem, acho que não. Poppy tinha 30 anos, por sua maneira de agir parecia ter bem menos. A professora há 10 anos dividia o apartamento com sua amiga Zoe (Mike Alexis Zegerman). Dez anos é muito tempo para alguém viver uma primeira fase de sua vida. Entre os 20-30 as jovens em geral terminam seus estudos de graduação, procuram uma colocação no mercado trabalho, conseguem o famoso emprego e tentam resolver suas vidas. Quando dividem o apartamento com amigas vivem uma situação provisória, não ficam 10 anos na mesma situação. Acho que isso dá um indicativo da personalidade da professora, que não conseguia esconder os seus problemas.

O visual de Poppy, de sua irmã e da amiga era engraçado. A explicação talvez esteja no fato de serem londrinas. O gosto, a moda, a maneira de falar - carregando no sotaque afetado do inglês londrino - era compreensível, mas não era simpático. A moda de Poppy era exótica. Não era bonita, ficava engraçadinha, com as botas de cano alto, as meias de arrastão, com bordados e os vestidinhos cafonas. Nada combinava com nada, ela misturava flores verdes com vermelho, estampado com estampado, vestidinhos esvoaçantes com casacões largos, bermudas com blusões enormes e listrados.

Em determinado momento Poppy usa um vestidinho branco com pequenas flores estampadas, e debruns vermelhos. Muito feio mesmo, lembrava um “chambre”, ou um “robe de chambre”, logo eu que nunca gostei de “chambres”. “’Chambre” é uma francesice que minha mãe usava, queria dizer roupão.

Mike Leigh deveria querer caracterizar a personagem. Acho que tem tudo a ver com cultura e moda na Inglaterra. Outro detalhe que chama muito a atenção são os closes. O filme é feito de closes. A pele, a boca, o sorriso dos personagens, o cabelo, tudo é mostrado de uma forma tão próxima e natural como um cinema verdade. A explicação pode estar no baixo orçamento que o diretor dispunha. É possível ver em detalhe, o brilho, a cor dos olhos do namorado de Poppy, um azul esverdeado e brilhante. Parece que ninguém usava maquilagem. Se a gengiva da personagem poderia subir um pouco no futuro, se seus dentes eram desalinhados tudo estava escancarado para a platéia. A pele de Poppy era muito branca, ela era magrinha e desajeitada, mas conseguiu a simpatia do público.

Poppy está sempre rindo e fazendo piadinhas. Eu não diria que ela é uma otimista incorrigível. Era muito solta e leve, ninguém é assim! A maneira de relacionar-se com todos se baseava na brincadeira e na aparente falta de modos. Ela sempre estava rindo de si mesma e dos outros. A mim pareceu que esse tipo de comportamento era uma forma de se defender, de não revelar quem ela era verdadeiramente. E de conseguir levar a vida adiante.

Mas uma coisa deve ser dita, em sua profissão ela era séria e competente. Poppy amava seus alunos e os protegia. E isso é muito na vida de uma pessoa. De resto não conseguia expressar-se, nem demonstrar aos outros seu verdadeiro eu. Não sabia o que queria da vida.

O espectador sente que Poppy não está satisfeita, quer aventura e se arrisca. Porque Poppy sai a caminhar sozinha pelas ruas de Londres? Porque se mete em becos escuros? Porque fica dando confiança para um morador de rua bastante desmiolado e louquinho? Seria esquizofrenia o que ele tinha? Ela fica paradinha, fica muito perto do homem mal encarado. Um invade a área de privacidade do outro. Mas o mendigo não era seu namorado. Isso não deveria acontecer. Poppy sentia-se atraída por ele? Ou era que nem a Viridiana do Buñuel, que se sentia tão inferior, que para ela somente sobravam os mendigos? A interpretação é livre para cada um de nós.

O relacionamento com o professor Scott (Eddie Marsan) da autoescola chegou a ser hilário. Mike Leigh continua nos closets, e vemos o professor de cabelo muito cortado, com um brinquinho que depunha contra ele (será preconceito meu?) e os dentes! Alguém observou os dentes? No início não acreditei, um professor, em um país de primeiro mundo, com os dentes da frente cariados? Bem, nem tanto, os dentes eram muito manchados e ficavam para trás. A cor era entre amarelo e marron. Ele era muito descontrolado e babava de fúria. Scott dizia impropérios, e Poppy agüentava, aceitava e tentava tirar alguma coisa para rir daquela loucura. Poppy era destratada pelo professor. Mas não devemos aceitar que ninguém nos trate mal. Ninguém tem o direto de fazer isso. Muito menos um desequilibrado professor de autoescola! Porque Poppy aceitava a situação? Ela queria ser maltratada?

Finalmente constatamos que Scott não entendeu nada. Em sua cabecinha perturbada apaixonou-se por Poppy. Pensou que ela zombava dele, que se insinuava com sensualidade e que depois ía encontrar o namorado! Finalmente Poppy toma uma decisão louvável e acaba com aquelas aulas de autoescola.
E assim continua a vida de nossa heroína.

Na vida de Poppy vemos um episódio feliz, ela transa com o sociólogo grandão e de olhos muito claros (Samuel Roukin). É um bom sinal, encontrar o amor e um final feliz é maravilhoso. Poppy brinca ao tirar a camisa do moço. Os dois se escondem sob a camisa, é divertido. Será que esse relacionamento vingará? Tudo é uma incógnita na vida de Poppy e continuará sendo....

sábado, 23 de maio de 2009

KATYN

Katyn é imperdível. O filme do diretor polonês Andrzej Wajda finalmente estréia em Porto Alegre, depois que o resto do Brasil o viu há bastante tempo.

O espetáculo é tenso, dramático e belíssimo. Wajda conta a história do massacre dos oficiais poloneses na floresta de Katyn. É baseado no livro Post Mortem – The Story of Katyn, de Andrzej Mulbarcyk.

Em 1939, a Polônia foi invadida por alemães e soviéticos. Hitler concedeu uma parte do território para a ocupação soviética. Alguns meses depois, por ordem de Stalin a polícia secreta soviética massacrou entre 15.000 e 25.000 prisioneiros. Alguns anos depois foi descoberto um ossário coletivo dos mais impressionantes, na floresta de Katyn. A esses crimes bárbaros foi acrescentado o massacre coletivo de 15.000 prisioneiros afogados no Mar Branco. O plano era assassinar em massa os poloneses vencidos, oficiais e soldados.

Wajda tinha uma dívida de honra para com seu pai, morto nos campos de Katyn. Reuniu muita documentação e fez um grande filme contando esse verdadeiro crime contra a humanidade.

O material reunido sobre o massacre impressiona. Os despojos dos soldados foram reunidos e catalogados. Ao folhearmos o livro de Andrzej Wajda, vemos fileiras de botões, medalhas e pequenos objetos dos soldados. Antes de assistirmos ao filme sentimos a brutalidade e a tristeza desmedida do massacre. O diretor não dá um segundo de trégua ao espectador.

Desde o início o filme se destaca, não é uma película qualquer. Observe a fotografia impecável, a recriação dos anos 30, da Polônia em guerra. Ouça a música dramática de Penderecki, que martela nossos ouvidos com insistência. Observe as cores entre esverdeados, marrons e ocres. A roupa das mulheres que buscam seus entes queridos, como o tailleur de Róza (Danuta Stenka) - a mulher do General (Jan Englert) -, azul, com a saia comprida, os olhos verdes, a boca pintada de vermelho, fazem uma recriação perfeita de época. Ou o penteado da irmã de Piotr, Agnieszka, (Magdalena Cielecka) com sua trança loira, saia quadriculada, grossas meias, botas, casaco bege e bolsa a tiracolo. Estes detalhes sutis valorizam extremamente o filme. As casas antigas com o tom bege claro, esverdeado, a pintura gasta, e o estilo eclético parecem coisas familiares. Não vivemos na Polônia, não a conhecemos, mas tudo nos parece tão familiar!

O inverno, as ruas tristonhas, o tom acinzentado da atmosfera, o céu de nuvens carregadas, o frio, a neve, a neblina, as árvores esgalhadas. Uma paisagem que chora por antecipação.

Antes do filme iniciar vemos um céu tormentoso, de nuvens escuras que se movimentam rápido. É um presságio do horror que irá acontecer.

No início vemos Anna (Maja Ostaszewska) e sua filha Weronica, “Nika” (
Wiktoria Gaziewska) procurando pelo marido Andrzej (Artur Zmijewski), um oficial do exército polonês, que é preso pelos soviéticos, juntamente com outros companheiros. Quando o encontram pedem que ele volte para casa, mas Andrzej responde que tem um dever perante sua pátria e o exército. Ela insiste, diz que ele tem um dever para com a família, inútil, Andrzej não foge ao seu destino.

A farsa vem à tona em 1943, quando os alemães descobrem o massacre, que tinha acontecido em uma floresta de abetos, a Floresta de Katyn, perto do Rio Dnieper, próximo à Smolensk, na Rússia. Wajda mostra a montagem da farsa, como aconteceu em muitos regimes totalitários. Os familiares não tinham acesso aos pertences de seus mortos, não recebiam cartas dos parentes desde 1940. Ou, quando recebiam notícias, as missivas passavam pela censura e eram alteradas.

O filme de Wajda pode parecer um documentário. Cenas verdadeiras, em preto e branco, dos corpos amontoados, na floresta fria, na paisagem branca pela neve entremeiam as cenas coloridas.

Quando a grande vala comum foi descoberta e os corpos desenterrados surgiram os documentos que faltavam. Centenas de cartas, cartões e diários, com data posterior a 1940 foram resgatados. Andrzej fazia anotações diárias. Nem os oficias poloneses compreendiam aquela situação absurda. Não tinham a menor idéia para onde eram levados e qual seria o seu destino.

Vemos, Andrzej e seu amigo, o Tenente Jersy (Andrzej Chyra), conversarem preocupados. O amigo lhe presenteia com um pulôver com seu nome. Quando Andrzej é assassinado vestia o pulôver, é confundido com Jersy, que retorna à Polônia. Para sobreviver é obrigado a colaborar com os soviéticos. É Jersy que afirma, precisamos perdoar, precisamos viver... Mas a dor de saber que seus companheiros tinham sido assassinados e que ele, um oficial polonês que amava a pátria, tinha que colaborar com o inimigo, faz com que não suporte a pressão. Um tiro na cabeça, e termina com a própria vida. Nessa hora tudo é rápido, o corpo desaparece em segundos, recolhido pela polícia.

Se existem dois minutos de felicidade estes são curtos e o resultado é rápido e brutal. Wajda o senhor lúcido de 83 anos sabe o que precisa mostrar para o mundo.

A história é contada através da visão de muitas mulheres que perderam seus entes queridos. Repentinamente Anna vê seu sobrinho, Tadeusz, “Tadzio”, (Antoni Pawlicki). O jovem é lindo e tem um sorriso cativante. O elenco foi escolhido a dedo pelo sábio diretor, cada um é mais bonito que o outro. Tadzio quer se inscrever na Academia de Belas Artes, onde encontra a diretora, mais uma polonesa colaboracionista. Coloca em seu currículo o nome de seu pai, um oficial morto em Katyn. A diretora deseja aceitá-lo como aluno, mas ele deverá retificar seu currículo. Tadzio afirma que currículo é um só. Cheio de ódio rasga o cartaz de propaganda soviética. É perseguido pela polícia. Ewa (Agnieszka Kawiorska), a jovem estudante o salva. No terraço da cobertura os dois se sentem protegidos e ficam juntos alguns minutos. Isso é tudo, as promessas dos jovens e seus sonhos são destruídos no minuto seguinte. Tadeusz é atropelado pelo jipe da polícia. Sangue, dor e lágrimas são tudo o resta. A jovem não vê o assassinato e acalenta sonhos de amor...

Agnieszka, a irmã de Piotr, insiste em colocar uma lápide na igreja, com o nome do irmão assassinado. É espionada. Teima em colocar a lápide no cemitério, é levada para interrogatório. Não se intimida com o opressor, é presa e a lápide com o nome do irmão é destruída.

Mas o soco no estômago ainda está por vir. Aliás, não assistam ao filme depois do almoço, não comam demais e não bebam antes de ver este filme. Ficarão mal se fizerem isso.

Andrzej Wajda costura a sua história e não termina sem mostrar o que realmente aconteceu. Os oficias são levados em camburões para a floresta. As valas já estão abertas. Alguns pressentem o que acontecerá. Outros rezam incrédulos. Os oficiais são abatidos um a um, o General, Andrzej, Piotr e seus companheiros. O vento vira as folhas amarelas do diário, interrompido no dia da execução de Andrzej.

Os carrascos se reúnem em turmas de três. Dois apertam o prisioneiro e dobram seus braços para trás, enquanto o terceiro, de costas passa uma fina corda em seu pescoço, que terminará amarrando junto os pulsos. O terceiro só faz dar o tiro certeiro na nuca. É como uma matança de gado em matadouro, onde corre muito sangue. Pinga muito sangue no chão. As botas dos carrascos ficam encharcadas com o líquido espesso e vermelho. Jogam água no piso para clarear o sangue vermelho. Os corpos são atirados em uma calha, jogados para cima e dali caem na grande vala. É um horror o som deles, batendo no fundo, uns contra os outros..

Uma tombadeira cobre com terra e lama o crime contra a humanidade. Só vemos o rosário, que pende da mão do Tenente Piotr. A terra some com tudo, vem rolando, vem enchendo, vem encobrindo a vergonha das vergonhas.

O tiro na cabeça é a moda nazista, como já falei outro dia. Não precisa ter vivido nos anos 40 na Polônia para conhecê-lo. É rápido, é brutal e nos horroriza sempre. Em algumas execuções a parede ao fundo fica suja, o sangue esguicha e escorre pela parede.

Wajda encerra tudo com o silêncio, um silêncio que dilata o tempo e dura uma eternidade. Ouvimos um canto de réquiem. Nada na tela, apenas o silêncio de uma dor que é compartilhada por todos.

Saímos da sala de cinema em um silêncio mortal, a dor na garganta vem muito devagar. Vejo o sr. Jacob Wajda abraçando o filho, Andrzej.

- Sr. Wajda não se preocupe em sonhar com o abraço do pai, ele está em paz.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

ANJOS E DEMÔNIOS

Anjos e Demônios é um verdadeiro thriller, o filme envolve crime, espionagem e suspense. O diretor Ron Howard é responsável por filmes famosos e recentes, como uma Mente Brilhante, Código da Vinci e Frost Nixon. Apolo 13, Willow e Cocoon são mais antigos. A filmografia do diretor é impecável. Sempre lembro o rosto dele como o daquele diretor com cara de criança. Mas Howard já completou cinqüenta e cinco anos. É, cinqüenta e cinco e ainda com jeito de menino.

A associação com Tom Hanks só poderia resultar no sucesso que está acontecendo, milhões de dólares. As pessoas fazem filas e filas para assistir ao filme. Tom Hanks é um ator tão bom, que inspira confiança em todos. Ele já trabalhou com diretores famosos como Spielberg. Quanto aos espectadores, pelo menos para mim, a sua presença é garantia de um bom espetáculo. Se o filme é com Tom Hanks, vou correndo assistir às primeiras sessões e fico nas primeiras filas, ninguém na minha frente a não ser a telona.

Nunca vou esquecer o Forrest Gamp comendo bombons, sentado num banco, contando suas histórias. Sempre que estou sentada na rodoviária de Santa Cruz, sozinha comigo mesma, comendo algum bombom e esperando o ônibus, lembro-me dele. Também não esqueceremos o comandante sério de Apollo 13, ou ainda O Náufrago que emagreceu na ilha solitária e venceu. Ou o filme de 1986, que amei e me diverti muito, Quando a casa cai. Como não emocionar-se com O terminal em que o Victor Navorski mora no aeroporto?

Anjos e Demônios é a sequência de Código da Vinci. Em minha opinião é melhor. Ambos são best sellers escritos por Dan Brown. Achei tola a história da Maria Madalena com Cristo. Ninguém poderia saber?

Anjos e Demônios reúne todas as qualidades de um bom filme. Os problemas se passam no Vaticano. O momento é de crise e de vazio de autoridade para a Igreja Católica. O papa morre e acontece a Sede Vacante.

Na primeira cena em que aparece Patrick McKenna (Ewan Mc Gregor) - o Camerlengo –, ele destrói o anel do pescador, após a morte do papa. A cena causa impacto e mal estar, pois não sabemos quais seriam as razões. Mc Kenna era o padre que assumia a autoridade papal, substituindo-o na vacância do poder. O Camerlengo da Igreja Católica administra a propriedade da Santa Sé.

Paralelamente dois cientistas descobrem a antimatéria, pai e filha, Vittoria Vetra (Ayelet Zuru). Ela acompanha Tom Hanks e explica que a antimatéria é uma matéria da qual todos os nossos corpos são formados. A antimatéria dá a massa a toda matéria, sem ela não existiríamos. Uma gota da antimatéria daria para abastecer de energia uma cidade, pelo período de um mês. Partículas com 99% da luminosidade da luz, em movimento criaram a antimatéria.

Nesse contexto acontece a trama. Em nome dos illuminati - cientistas e artistas perseguidos pela Igreja no século XV -, seus seguidores planejam e iniciam a execução do plano para destruir o Vaticano. Para isso necessitam da antimatéria.

Além de Tom Hanks, Ewan McGregor e da atriz israelense Ayelet Zurer, que estão ótimos, o espectador tem a sua frente, a beleza de Roma. Não é sem razão que os arquitetos franceses do classicismo ambicionavam o Grand Prix de Rome, uma bolsa de estudos para estudar em Roma. No filme, as belezas da cidade estão muito próximas de nós.

Babem e fiquem maravilhados com a Catedral de San Pietro, iluminada à noite, com as pinturas da Capela Sistina, com a passagem à noite pela Ponte Sant’Angelo para entrar no Castelo de Sant’Angelo. Ó Deus, e eles continuam mostrando as belezas de Roma. Vem o Panteon, a Piazza Navona, a Piazza del Popolo. Quase tão genial como conhecer pessoalmente. O problema é que somos tão pequenos, nesses espaços tão grandes que não conseguimos perceber toda a beleza da cidade eterna. Fellini tinha razão ao fazer seu filme Roma. E o que dizer da Piazza de San Pietro? Quando a câmera se aproxima, de frente para o espaço barroco da Praça, intencionalmente, mais larga no fundo para parecer maior, e a Colunata de Bernini, com as colunas também aumentando de tamanho para engrandecer o espaço? É quase tão emocionante como estar lá.

Andamos junto com Hanks pela Catedral de San Pietro, pois no dia a dia, ela não é também uma praça onde o mundo desfila? Cristão ou não, não importa. E circulamos também pelos porões onde os papas estão enterrados. Apreciamos as belíssimas esculturas de Michelangelo. Enfim, o filme tem tudo isso e muito mais.

Tom Hanks é o professor, Robert Langdon, da Universidade de Harvard, Cambridge, especialista em semiologia. Não importa se a história de Dan Brown é verossímil ou não. Quatro cardeais são seqüestrados, os “preferiti” do papa, e paira a ameaça de explodir o Vaticano em luz, o que o aniquilaria em menos de doze horas.

Os sinais que Langdon decifra são narrados de forma eletrizante. Cenas muito rápidas, muito movimento, muitos carros correndo pelas ruas de Roma e os signos, os sinais vão sendo desvendados. A contagem regressiva das horas marca os acontecimentos. Pressiona o espectador que sente o tempo encurtar. Paralelamente o Cardeal Strauss (Armin Mueller-Stahl) tenta ignorar a caçada e, levar adiante o conclave. Os personagens são mostrados para que o espectador desconfie, o diretor nos dá pistas falsas. Não imaginamos o desfecho da história!
Interessante é lembrar os quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Envolto nesse mistério o professor segue as pistas e vai descobrindo um a um os sinais. O quinto elemento seria a purga que no filme equivale ao desejo dos illuminati, de fazer a igreja purgar seus pecados. Pois a purga era a nódoa do cristianismo.

Na sequencia de descobertas, eles buscam o símbolo terra. Dirigem-se para a tumba de Rafael, no Panteon, fundado 27 AQ. C. e verificam que a Cova do Demônio não está no óculo do Panteon. Buscam a Capela de Santi de Rafaela na Capela da Terra, na Piazza del Popolo. Langdon descobre tardiamente o sinal na Capela de Chigi. Como um Sherlock Holmes, decifra que a Capela é de Rafael, mas a escultura é de Bernini. E Bernini era um illuminati. O anjo aponta o dedo para o local seguinte. A perseguição aos sinais é genial. O passo seguinte é buscar o sinal que tenha algo relacionado ao ar, a sudoeste de San Pietro como apontava o anjo do Habacuc.

O terceiro elemento é relacionado ao fogo. O thriller não dá um segundo de descanso ao espectador. O indicativo levava à Igreja de Santa Maria della Vittoria, onde repousa a escultura de Bernini, com o anjo Serafim apontando a lança para Santa Tereza, em fogo, inflamada pelo amor e pelo êxtase. Dá o indicativo do fogo.

O último elemento, a água, leva Langdon à Piazza Navona. E quase no desfecho final o espectador se emociona quando pessoas comuns ajudam Langdon a salvar o cardeal, preso na maca, que afunda na Fontana dei Fiumi.

Assim Langdon descobre todos os signos, desde os ambigramas que poderiam ser lidos da mesma forma dos dois lados.

Entretanto a reviravolta nos acontecimentos que deixa o espectador intrigadíssimo, tem que ser vista pelo olho de cada um de nós. Assim não deixe de assistir a este belíssimo thriller de Dan Howard.

O filme mal estreou e já gerou muita polêmica, desde as que afirmam que o cientista Antonio Zichichi, da Universidade de Bolonha disse em entrevista a Luiz Carlos Merten, que a antimatéria não pode ser guardada em um tubo. Zichichi criou a antimatéria, em 1965. Outras controvérsias atestam que o Vaticano não contribuiu com as filmagens. O diretor parece não importar-se com as especulações. Para nós, acho que não faz mesmo a menor diferença. (Veja o Caderno 2 do Estadão de 15 de maio de 2009).

sexta-feira, 15 de maio de 2009

VITUS

Se você quiser sentir-se feliz assista a Vitus, um filme suíço, dirigido por Fredi M. Murer. O filme foi selecionado no Palm Springs International Festival Film. Foi vencedor no Audience Award, no AFI Film Festival e no Rome Film Festival. Foi apresentado na 33ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, em março de 2009.

Vitus é um menino superdotado, que não suporta a mediocridade do mundo que o rodeia. O menino vive com os pais, Julika Jenkins (Helen von Holzen) e Leo von Holzen (Urs Jucker). O clima de exploração de sua condição de superdotado pelos próprios pais, irrita e cansa o menino. A mãe deixa de trabalhar para dedicar-se ao filho. Ela deseja que Vitus se transforme num grande pianista. O pai pensa demais nos negócios da empresa onde trabalha. Assim, Vitus, diferente de todos e indiferente a todos somente se diverte quando está na casa do avô. No ambiente escolar, as queixas caem sobre o menino. Todos reclamam da insolência de Vitus, tão pequeno e tão desaforado. A professora obesa é chamada por ele, candidamente, de Obelix. A mãe tenta explicar que não é ofensa, pois Vitus ama Obelix. Assim, mesmo conseguindo fazer cálculos estatísticos e percentuais mentais, sem o menor esforço, Victor é odiado pelos professores. Quando surge a polêmica se alunos sabem mais que professores, Vitus pergunta: se James Watt inventou a máquina a vapor, porque a descoberta não foi feita por seu professor? Assim a atitude de Vitus é puro bom humor. Desde muito pequeno ele sabe valorizar e distinguir o que é importante. E importante mesmo é seu relacionamento com o avô. Bruno Ganz faz o avô de Vitus. O ator é excepcional, e para mim que não conheci meu avô materno, nem paterno, esse relacionamento cheio de doçura e amor me emociona e me encanta.

O ator que faz o pequeno Vitus (Fabrizio Borsani) é uma graça de menino, seu olhar esperto me faz lembrar o Luiz Felipe - hoje com 25 anos -, com quatro ou cinco aninhos, que provocava meu cachorro fazendo rhrhrhrhrhrhrh! E quase recebia uma mordida na bunda! Eu pegava o danadinho no colo e o Bolinha mordia o ar.

Vitus ficava impassível quando os pais saíam e o deixavam com a babá. Fechava-se no quarto para ler e só permitia que ela entrasse se ficasse calada. Depois os dois faziam aquela festa de arromba com fantasia e tudo – Isabel vestia as roupas da mãe -, ao som do piano de Vitus. Isabel (aos 12 anos, Kristina Lykowa ) foi a primeira e grande paixão do pequeno herói.

Vitus von Holzen (Teo Gheorghiu), o filme, fala de um menino superdotado que para não ser explorado pelo mundo medíocre que o rodeava, finge que está desaprendendo. Vitus como o avô amava voar. Quando os dois se encontram o avô lhe diz que das nove profissões que gostava, ser piloto estava no topo, escrito em vermelho. Com a perspicácia de sempre Vitus pergunta: “e fazer caixões em que lugar estava?” Os dois divertiam-se construindo planadores.
Os pais falam em paradoxo, e o pequeno Vitus pergunta o que é paradoxo. Os pais não respondem, ele procura na enciclopédia e sai empregando a palavra paradoxo!

A estas alturas, a platéia ama o filme. Das poucas pessoas que estavam no cinema, muitas, na imaginação conversaram e discutiram o filme quando saíram da sala de projeção. Fica meio sem graça sair sozinho do cinema, rindo de um filme tão legal!

As mãozinhas de Vitus voavam no teclado, ele era um gênio no piano. Adorava morcegos e as asas de Ícaro. Queria voar, voou e estatelou-se no chão. Foi parar no hospital, quando ouviu do médico - tinha o ouvido muito aguçado- que as seqüelas poderiam ser sentidas algum tempo depois. Então, o menino que iria cursar o Instituto de Tecnologia aos 12 anos, agora só consegue tocar o Hanon, o cachorro vai cachorro vem que eu também tocava. A mãe se desespera.

Vitus aproveita e intensifica seu relacionamento com o avô. Diverte-se na casa do avô e descobre que a empresa onde seu pai trabalha está a um passo da falência. O relacionamento com o avô é tão puro e sincero que o menino permite que ele saiba a verdade, desde que não a revele a ninguém. Vitus continua um gênio com um QI incalculável.

O filme torna-se realmente divertido quando ambos combinam investir na Bolsa de Valores seguindo os planos mirabolantes do menino. Vitus transforma-se no “Fantasma da Bolsa de Valores” e o dinheiro começa a cair na conta bancária do avô. Genial e super, super mesmo, Vitus esconde sua pequena identidade de menino de 12 anos, agora ele é o Dr. Wolf. Consegue assistentes que o representam em negócios geniais e ultra secretos. As cenas se contrapõem, enquanto o pai se desespera e até é posto para a rua, da empresa, o menino compra a empresa falida. Quando Leo vem pedir seu emprego de volta não sabe que é o novo dono da empresa.

Bonito é ver Vitus no apartamento modernista que compra para o pai. Ele pequenino, tocando piano, na sala enorme e vazia, com pilotis de Niemeyer, sumido atrás do instrumento. Apesar de tão pequeno, Vitus sofre sua primeira grande perda. Quando ele encontra o avô na cama do hospital diz: “ vô, não faz isso comigo, vô....”, e o abraça, termina adormecendo, abraçado aquele a quem mais amava.

O avô morre, não sem antes declarar seu amor incondicional aos filhos e ao neto e não sem incentivar Vitus a voar. Amadurecido aos 12 anos, Vitus pilota o pequeno avião. Agora literalmente Vitus voa em todos os sentidos. Ele tem vontade de tocar piano para todos e exibir seus dotes de menino prodígio.



UM ATO DE LIBERDADE

O filme Um Ato de Liberdade conta uma história verdadeira, sobre um grupo de judeus, na Segunda Guerra Mundial, que resolve lutar ao invés de baixar a cabeça e submeter-se ao nazismo.

A história é baseada no livro Defiance, escrito por Nechama Tec. O filme é dirigido por Edward Zwick, responsável por filmes como Diamantes de Sangue, (2006), O Ultimo Samurai ( 2003) e Nova York Sitiada (1998).

Tarek Bielski ( Daniel Craig) e Zus Bielski ( Liev Schreiber) interpretam os dois irmãos. Ambos estrelaram filmes importantes. Craig é o detetive 007, com licença para matar, em 007 Quantum of Solace, que esteve em cartaz há pouco tempo em Porto Alegre. Liev Schreiber é o Victor Creed de Wolverine, que entrou em cartaz na semana passada.

Da mesma forma que em Wolverine, o relacionamento entre os dois irmãos é o fio condutor do filme. A abertura mostra o horror da perseguição aos judeus em 1941, na Bielo- Rússia. Os irmãos Tarek, Asael ( Jamie Bell) e Zus fogem para a floresta após encontrarem os corpos de seus pais, mortos pelos nazistas, na casa de campo onde moram. Assassinatos brutais aconteciam a qualquer hora. Oficiais nazistas obrigavam os judeus a ajoelhar-se. A execução rápida e cruel consistia em um tiro certeiro na nuca da vítima, economizava balas. Fico chocada, cada vez que vejo as imagens na tela.

O cinema sempre nos mostrou este lado desumano e repugnante da Segunda Guerra Mundial. Acho importante que essas cenas sejam mostradas sempre uma vez mais. Reviver o holocausto é uma forma de manter viva a lembrança do mal e da barbárie que ele representou. A humanidade precisa reacender a memória desses acontecimentos para que eles não se repitam.

Os judeus acossados ou tentam fugir ou se submetem à Gestapo. Nas vilas, há muitos colaboracionistas, que delatam as famílias judias ou denunciam seus esconderijos. Mas existem aquelas histórias fantásticas de pessoas que arriscavam tudo para ajudá-los.

Tarek e Zus, no início, pensam somente em fugir. Descobrem o irmão Asael escondido pelos pais, no porão da casa. Esse tipo de sacrifício era comum, os pais davam a vida pelos filhos.

O filme é muito, muito tenso. Os três fogem para a floresta. Cego pelo ódio, Tarek faz justiça com as próprias mãos. Descobre que seus pais foram mortos por Borneki. Sai da floresta, entra na casa do assassino e o mata. Quando seus filhos reagem e tentam se levantar da mesa, ele os mata também. A mulher do assassino grita, desesperadamente, numa cena de emoção insuportável, para que Tarek a mate também. Ele descarrega ao revólver na infeliz.

A vingança, para Tarek e para mim, com certeza, tem um gosto amargo. No momento de tensão em que nos identificamos com ele, sentimo-nos aliviados. É verdade, nos sentimos vingados, com a morte da família do assassino. Ouvimos dentro de nós: morre criatura infame e desditosa! A mulher não merecia a piedade de ninguém. Mereceu morrer! Pensei isso tudo naquele instante. Nessa catarse, descarregamos a violência que trazemos dentro de nós, que não queremos ver ou saber, muito menos mostrar. Como no filme de Jerry Lewis, quando ele espeta a medalha no peito do nazista ao condecorá-lo. Para saber o nome do filme somente perguntando ao Luiz Carlos Merten. Nunca esqueci a cena. Adorei a comédia de Lewis. Mais tarde descobri que o genial tinha sido Chaplin. Ele tinha feito a cena original.

Aos poucos vão aparecendo os vultos na floresta úmida e fria, carregando uma malinha ou poucos pertences. Algum de nós imaginou-se nessa situação? Surgem as donas de casa, os professores, os intelectuais, criaturas que não tinham a menor idéia de como seria viver ao relento, num país de clima gélido.

Tarek e Zus sem perceber, sem planejar nada assumem a liderança do grupo. O filme segue a trajetória desses seres desgarrados, que não se sabe como, prolongaram suas vidas, dizendo para si próprios, que bastaria um dia a mais que vissem a luz do dia, para que se sentissem contentes e realizados.

Tarek transforma-se, lidera o grupo. Muitas e muitas vezes tudo vira uma anarquia geral. Acendem fogo na floresta. Como os nazistas não viam aquela movimentação? A história é verdadeira, os nazistas deviam ser muito desorganizados ou a floresta era muito grande. O jovem consegue dominar a situação e tem o apoio do irmão Zus. São estabelecidas regras, como a de dividir a comida e separar-se em grupos para roubar alimentos no vilarejo. Como conseguiram esse milagre? Havia noites em que não havia o que comer. Cada um servia-se somente de uma, uma colher de sopa!

Os fugitivos aumentam. Zus pergunta ao irmão como ele pretendia alimentar aquele bando de famintos? Tarek discursava e pensava verdadeiramente que cada dia de liberdade era um ato de fé. Nossa vingança é viver, afirmava. Cada dia de vida que tivermos a mais será como um ato de fé. Teremos que viver como seres humanos e não como animais.

A mais bela cena é a sequência do casamento. Com um toldo improvisado, os noivos fazem suas juras de amor. Num contraponto, vemos o tiroteio dos guerrilheiros que se transformaram em partisans. As cenas se completam. Uma é o oposto da outra. Na primeira, a festa, a neve caindo em flocos sobre o grupo de judeus, que terminam festejando a cena seguinte, onde os nazistas caem um a um, abatidos a tiros de submetralhadoras.

Existe rivalidade entre os dois irmãos. Zus critica Tarek afirmando que ele não tinha coragem de fazer o que precisava ser feito. O grupo tinha sido delatado pelo leiteiro que Tarek poupara. O filme conta ainda a história de Asael e Chaja. O jovem é docemente encorajado pelo irmão a namorar Chaja.

Daniel Criag está muito bem no papel de Tarek, consegue encarnar as imperfeições do personagem e sua teimosia em seguir adiante. Liev Schreiber está melhor em Wolverine. Entretanto se lembrarmos o insípido Raymond Shaw, filho da senadora Eleanor Prentis Shaw (Maryl Streep) em Sob o domínio do mal, de John Frankenheimer veremos que Liev mudou, ficou mais bonito. Talvez devido ao personagem, mas é um dos poucos atores que ficou mais atraente com alguns quilos a mais.

Separado do irmão pela rivalidade, Zus parte para lutar junto aos russos. Finalmente o grupo é quase exterminado pelo bombardeio dos aviões alemães. São obrigados a sair da floresta e atravessar o pântano. Quando conseguem vencer o maior obstáculo, os tanques inimigos os surpreendem.

A platéia espera ansiosa que aconteça alguma coisa, e acontece. É a fórmula de contar a história à moda de Hollywood. Zus retorna como um verdadeiro herói e abate um a um os alemães, para gozo da platéia.

Enfim, pode ser uma forma de contar a história, mas o que não se pode ignorar é que ela é verdadeira. Sabe-se que houve realmente um grupo de judeus que pegou em armas e se refugiou em diversas florestas.

A odisséia dos fugitivos é de uma tristeza desmedida. O filme é criticado por estar na esteira de um rico filão de filmes americanos que exploram comercialmente o holocausto. Após a Lista de Schindler, em 1995 surgiram inúmeros filmes sobre o holocausto, pequenos e medíocres. Muitos desonestos como A vida é bela, que deu o Oscar a Roberto Benigni. E Oscar entregue pela bela Sofia Loren. O último deles - O menino do pijama listrado- explorava o improvável.

Se essa leva de filmes comerciais e de gênero comum nos incomoda, o que ninguém pode negar é que de fato o holocausto existiu. Podemos citar filmes belíssimos sobre o tema, como O diário de Anne Frank, O julgamento de Nuremberg, A Lista de Schindler, A escolha de Sofia, Adeus Meninos e tantos outros.

Um ato de liberdade mostra os judeus, como pessoas que se transformaram em agentes da história, não mais como vítimas submissas. Aliás, este era um aspecto que atormentava o diretor que, paradoxalmente, sentia-se envergonhado e fascinado pelo mórbido das cenas de horror.

Um ato de liberdade não mostra a passividade do povo judeu, e se isso pode remeter à atual guerra entre judeus e palestinos é simplificar uma história por demais complexa. O que espero é que um dia filmes como Valsa com Bashir, que explora o complexo de culpa dos judeus que participaram do massacre na Guerra de Líbano, em 1996, torne-se tão importante e seja visto por milhares de pessoas, como aconteceu com a Lista de Schindler.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

X-MEN ORIGINS: WOLVERINE

X-Men Origins: Wolverine” é dirigido por Gavin Hood. O roteiro é de David Benioff (Tróia). Os produtores são Lauren Shuler Donner e Ralph Winter (os mesmos da trilogia X-Men) com a participação de Hugh Jackmann e John Palermo.

Muito já foi dito sobre Wolverine. A série é muito mais conhecida por jovens que por adultos. Hugh Jackmann (Logan) é Wolverine. Um homem mutante, que descobre seus poderes, na infância, em cena traumática, cujo drama irá persegui-lo para sempre.

É a primeira vez que a origem do personagem é mostrada na tela. A solidão, o drama, e a fuga do jovem Logan, lembram um pouco a de outros heróis. As cenas dramáticas que alavancam o filme merecem ser destacadas. No início, o grito, de dor, raiva e ódio explodem dentro do menino Logan, quando ele vê aquele que julga ser seu pai ser assassinado. Guardadas as proporções lembra o grito de dor de Tarzan quando sua mãe-macaca é morta. Para mim, o grito de Christopher Lambert em “Greystoke - A lenda de Tarzan, o rei da selva” é um dos grandes momentos de emoção do cinema. Ele transmite com tanta intensidade a idéia de abandono e de solidão da criança, que chega a dar uma dor na garganta. A cena de Lambert era melhor. Mas a transformação do menino Logan (Troye Sivan) no jovem com garras retráteis tem sua intensidade dramática. Esses gritos de dor no cinema são terríveis, quem não lembra o grito da mulher, quando o carrinho de bebê se solta e desce a escadaria em Encouraçado Potenkim?

Depois de ter sido eleito o homem mais sexy do mundo, Hugh Jackmann conseguiu a unanimidade, transformou-se no alvo dos olhos do mundo. Todos, homens, mulheres e gays olham para ele e confirmam: Wolverine é mesmo o homem mais sexy do mundo. Hugh impressiona no cartaz do filme. Como as pessoas não notaram a sua beleza? Acho que antes ele não era tão lindo. O penteado e a barba de Wolverine não entusiasmam ninguém. A mulher do ator, Deborra-Lee pediu a ele, que tirasse logo a barba e o penteado. Ela concorda conosco. Ontem assisti a algumas cenas de um “X- Men” anterior e vi que Hugh Jackmann não era tão bonito. Ainda não tinha aquele corpo de deus grego, provavelmente conseguido recentemente, a custo de muita malhação. O ator treinava 1,30 h por dia, durante cinco vezes por semana e no sexto dia fazia 45 minutos de exercícios, para preparar-se para o personagem. E aí ele ficou mesmo lindo de morrer. Sem contar, que no “X Men” anterior, Jackmann estava branquelo e o penteado era horrível. Em Wolverine ele tem uma pele dourada, as feições do rosto são harmoniosas, está magro. Neste filme é possível reconhecer o penteado de Wolverine, mas pelo menos o cabelo tem balanço. Garanto que se medíssemos seu rosto, encontraríamos a proporção áurea - a que explica a beleza de uma face. Em “Austrália”, um filme recente, Hugh Kackmann chamava mais a atenção que Nicole Kidmann. Em “O grande truque”, sua beleza passou batida. Não notei.

Desde o início podemos ver o filme através dos olhos do irmão de Logan, Victor Creed, o Dentes-de-Sabre (Liev Schreiber). A rivalidade entre os irmãos está patente em todas as suas relações, e explica muito daquilo que se passa dentro de cada um de nós, quando pensamos o nosso irmão.

Quando James Howlett, o Logan, mata o pai, seu irmão lhe fala que o pai merecia aquela morte, que os dois precisavam fugir, e que deveriam ficar juntos, pois afinal eram irmãos, e irmãos devem proteger um ao outro.

As cenas seguintes mostram os dois vivendo as maiores aventuras, nunca defendendo o bem, mas inclinando-se fatalmente para guerras e lutas sem nenhum questionamento: Guerra da Secessão, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Vietnã.

Victor é violento, sem a menor consciência. Os irmãos atravessam o tempo. Aliás, o tempo não existe para um mutante imortal. Inúmeras vezes, tal qual um lobo faminto, Victor tem seu braço contido pelo irmão.

Logan, o Wolverine é o mutante com um mínimo de consciência, que vive a contradição de não querer ser sanguinário. Mas quando os dois são presos, é Victor que afirma que os dois têm problemas com autoridade. Eles são viscerais, brincam com ratos sem o menor problema. Que nojo para o mais comum dos mortais!

O grupo liderado pelo coronel William Strykler (Dany Huston) viaja a Lagos, na Nigéria, a procura de adamantium, a pedra misteriosa, o metal mais duro do mundo, presente em muitas das séries da Marvel. Strykler é o mau e ardiloso coronel, que caça os mutantes. Na sequência, os guerreiros se reúnem como um batalhão de mercenários, Wolverine, Victor, Bradley (Dominic Monaghan), Frederick "Fred" J. Dunes/ Blog (Kevin Durand), David North/ Agente Zero (Daniel Henney), Wade Wilson/ Deadpool (Ryan Reynolds) e John Wraith (Will. I. Am). Em algumas cenas, Agente Zero não está presente, o grupo fica com o número cabalístico, sete, para aprontar as maiores violências. De posse do Adamantium, Stryker poderá transformá-los em super-homens invencíveis.

Os mutantes são mostrados com suas especialidades. Cada um dá um show de acrobacias e habilidades no manejo das armas e na luta. Deadpoll (Ryan Reynolds) faz milagres, girando sua arma branca. A espada gira e cai como numa dança de samurai. O malabarismo faz a espada voar e partir uma bala em pelo ar! O estúpido Blog coloca o punho na boca do canhão e explode com tudo.

A relação entre os irmãos é inquieta, quando Wolverine corta o barato de Victor que só queria matar, este retruca: “Quem você pensa que é? É isso o que fazemos!”. Logan não quer mais a violência. O personagem vive o conflito entre sua natureza de criatura bárbara e o desejo de ser um homem normal. Wolverine joga fora a medalha que o identifica como mutante. O irmão saudoso por antecipação o chama: “Jimmy, Jimmy”! Dentes-de-Sabre é o único que chama Logan pelo diminutivo, um apelido carinhoso, de irmão. Victor, o violento, bárbaro e sanguinário quer seu irmão consigo desde o início. Ele não admite que Logan viva a contradição de ser, mas não querer ser um mutante sanguinário.

Como todo filme de ação é preciso uma trégua para não banalizar a violência. As cenas nas montanhas rochosas do Canadá mostram Logan e Wayla no paraíso. Ele é um lenhador e ela uma professora. Muito forte Logan carrega seu machado no ombro. Quando levanta pela manhã, integra-se com perfeição à paisagem da montanha. Está no topo do mundo. Esse momento de felicidade será breve. O coronel Stryker o persegue acompanhado por Agente Zero, que mostra sua habilidade no manejo do gatilho, cortando o charuto que Logan fumava tranquilamente.

Quando o casal se encontra, Kayla lhe conta uma lenda. A lua era solitária porque seu amante tinha descido a terra, para colher flores e oferecer a ela, sem saber que não poderia mais voltar. Keukhuatsu era o espírito do amante e significava Wolverine. Logan se identificava com ele. Achava que Kayla era a lua.
Wolverine quer vingança quando vê que mataram sua amada Kayla. Aceita as experiências de Stryker e é transformado no super Wolverine com garras de adamantium, o metal indestrutível.

Para se vingar da morte de Kayla, Wolverine precisa aceitar o outro lado de sua natureza violenta. Ele quer sangue, quer viver sem lei e sem código de honra. Kayla teria sido morta por Victor.

Para não ter a memória apagada, Wolverine foge nu, da câmara onde lhe injetaram o metal. Refugia-se em uma bucólica casa no meio do campo. Nasce um novo homem e seus pais adotivos são o casal de velhinhos que o acolhe. Coisa semelhante aconteceu quando o superman caiu na terra. No galpão, nu Wolverine é o pensador de Rodin, uma verdadeira escultura. A trégua desta vez não dura mais que um segundo. A senhora que o acolhe leva um tiro pelas costas, do covarde Agente Zero. Recomeça a violência, as cenas têm a maior adrenalina, as mais geniais e violentas causam frisson na platéia, que não aguenta. Wolverine voa na moto Panhead. Dá vontade de fazer aquela barulheira, batendo pé, como faziam as crianças nos antigos cinemas.
O contraditório é que Wolverine, aproveitando a hospitalidade do casal, tem tempo para analisar suas novas garras de adamantium. Mas as garras não saltavam das mãos somente quando ele estava com muita raiva?

Wolverine experimenta suas novas garras poderosas. Faz três sulcos nas grades da prisão e liberta seus amigos. A cena antológica é quando Wolverine, profundamente irritado com Agente Zero, produz faíscas atritando suas garras, o que provocará o grande estouro. Ele sai caminhando lentamente com um mundo incendiando atrás de si. A tela é tomada por inteiro pelo fogo. Wolverine impassível vence mais uma vez. A cena sintetiza o herói, ela é o próprio Wolverine.

Se Kayla faz o acerto de contas com Stryker, os irmãos precisam lutar para que vença o melhor.

Agora resta o enfrentamento com Victor. Mas pode-se notar que, mesmo lutando um contra o outro, é sabido que Victor, a sua maneira, amava o irmão. Na luta a três, os dois irmãos precisam se unir para vencer o novo super mutante, que lança um raio de fogo com os olhos. Durante a luta, Victor salva a vida de Wolverine e afirma que se alguém tiver que matá-lo terá que ser ele.

A tragédia de 11 de setembro inspira a cena em que o mutante cai dentro da torre e vai cortando-a por dentro com o super raio. Da mesma forma que as torres gêmeas, a torre desaba. O irmão sanguinário prefere outra saída, reserva para si o segredo do golpe. Usa da maior violência e prefere se jogar dentro da torre, numa espécie de terrorismo suicida. Ambos alardeavam que um mataria o outro. Victor não matou Wolverine e Wolverine não matou Victor. A disputa entre os dois irmãos ainda está em pé. No fundo, muito no fundo eles até que se amam, mas não sabem disso.

Wolverine é um belo filme que merece ser assistido por jovens e adultos, mesmo que estes estejam na faixa dos 50, 60 ou mais. Não importa, cinema é cultura e diversão.

Tá muito bom mesmo esse filme e o coração dele , bate , bate e para e para e recomeça a bater.

terça-feira, 5 de maio de 2009

RECÉM CHEGADA

"Recém Chegada" é uma comédia romântica com Renée Zellweger e Harry Connick Jr. O filme conta uma historinha, que defende uma tese nossa velha conhecida: a de que a vida no interior vale a pena ser vivida, mesmo que não tenha o glamour da metrópole. A nostalgia da vida no campo, o viver com simplicidade em contato com a natureza se opõe à correria da vida nas grandes cidades e pode nos fazer felizes. Os executivos das grandes empresas se transformam em pessoas distantes, quase robôs, que decidem os investimentos em benefício de suas corporações, sem preocupar-se com o destino de seus empregados - trabalhadores que precisam do salário no final do mês para sobreviver. O diretor, Jonas Elmer, faz a autocrítica dos americanos ao capitalismo selvagem, com suas projeções, nas quais as pessoas são transformadas em simples números.

Harry Connick Jr. já interpretou papéis semelhantes em que é o bom moço, que faz a cabeça das mulheres, como quando contracenou com Sandra Bullock em “Quando o amor acontece”. Vimos o mesmo tipo de história em “Presente de Grego”, quando a executiva Diane Keaton descobre que pode ser bem sucedida, vivendo no campo com seu novo amor, o veterinário Sam Shepard, e sua filha adotiva.

Esse é o tema do filme, que de forma leve e engraçada mostra a transformação da executiva vivida por Renée Zellweger em um ser humano consciente de suas responsabilidades perante a comunidade. Lucy Hill trabalha em uma grande empresa, que precisa decidir o futuro de uma de suas fábricas, localizada em Minnesota. Os investidores, antes de fazer demissões ou fechar a fábrica pretendem lançar um novo produto para jovens, uma barra de cereais. Ela viaja para o interior para tentar desenvolver o produto, mas traz consigo os planos, que não descartam as possibilidades de demissões.

Recém chegada, Lucy está completamente fora dos hábitos e costumes da cidade pequena. Além do que, não teve o menor bom senso em informar-se sobre a temperatura local. Descendo a escada do avião, primeiro enxergamos os sapatinhos de salto muito alto, vermelhos, de verniz. Gradativamente aparecem as belas pernas, a saia estreita, abaixo dos joelhos, o terninho de executiva e a carinha redonda, com cabelos louros, muito lisos e com aquele balanço que toda mulher deseja. A jovem executiva bem sucedida caminha muito reta, de forma tensa e afetada. Inconveniente, carrega excesso de bagagem. Renné Zelwegwer está uma graça no filme, magra, nem lembra a fofa de “O Diário de Bridget Jones”.

Os primeiros contatos na cidadezinha mostram nossa heroína metendo os pés pelas mãos, cometendo gafes e ficando em má situação, como quando vai discursar para os operários. Lá vem ela, toda dondoca, nos trinques. No alto de seus saltinhos, enfia um deles num dos quadros da grade do piso. O mais engraçado é que, quando ela dá seus foras, levanta os ombros, ergue a cabeça, sacode os cabelos, faz biquinho e segue em frente, como se dissesse para si mesma: - “Vamos Lucy, ‘guenta’, vamos em frente!“, e sai caminhando toda durinha, enquanto a sua volta, todos caem no riso.

Ou ainda, quando tripudia em cima dos caminhoneiros, sem saber que o alvo de suas críticas era Ted (Harry Connick Jr.), o sindicalista e o homem que irá mexer com seu coração. Ela briga com Ted, em uma cena de jantar, que é hilária e muito irada mesmo! Como afirmava o menino.

Mais engraçado é quando Ted a convida para uma caçada em plena neve. Lucy precisa fazer xixi, mas o zíper do macacão emperra. Como se fosse uma boneca, Ted lhe dá um apertão e corta o macacão com a faca. O diretor permite que a jovem dê o troco. Inadvertidamente ela dá um tiro na bunda do herói sindicalista.

As trapalhadas continuam até Lucy aprender a importância de reger sua vida por valores, tais como humanidade, agradecimento, fé e religiosidade. Até o momento de humanização e conscientização de nossa pequena personagem, que sofre com o próprio preconceito em relação às pessoas simples e sem sofisticação, que comem tapioca num prato fundo. Pessoas interioranas, que acreditam, falam em Jesus e fazem álbuns de recordação.

A jovem continua a pagar mico até quase morrer com seu carro enterrado na neve. Lógico, Lucy é salva pelo príncipe encantado, Ted, que ”casualmente’’ passava por aquela estrada abandonada.

Lucy aprende valores como amizade, companheirismo e solidariedade. Descobre o verdadeiro amor e a preocupação com o outro. Finalmente a vemos fazendo seu próprio álbum de recordações com legendas e tudo, escrevendo em cada foto: nosso primeiro beijo, nosso primeiro encontro e coisas semelhantes.
Vale à pena conferir a leveza do filme “Recém chegada”.




O VISITANTE

O filme “O Visitante” é um dos melhores de 2009, em Porto Alegre, até o momento. Richard Jenkins foi indicado ao Oscar por sua atuação. Ele interpreta um professor universitário cansado da mesmice da vida acadêmica. Walter Vale (Richard Jenkins) é um professor de meia idade, viúvo, que tem sua vida transformada com a chegada do casal de imigrantes ilegais, que alugou - como? - o apartamento de sua propriedade.

Vale a pena observar a composição do plano cinematográfico, na sequência de cenas. A composição é clássica, e cada plano é elaborado com cuidado e perfeição. Os planos médios, os closes, as composições com a linha diagonal e as composições simétricas são verdadeiras obras de tarde. A fotografia de Oliver Bokelberg possui um tom sombrio, até para revelar o lado triste e solitário da vida do professor. O uso da cor é belíssimo. Destacam-se as cenas com azuis, brancos, amarelos e tons de vermelho que transformam até o prédio da prisão em uma obra de arte. Mouna Khalil (Hiam Abbas) afirma que aquilo não parecia uma prisão. Vale diz que era essa a intenção dos americanos. Mas a prisão não tinha sequer um pátio para os prisioneiros tomarem sol, apenas uma sala sem teto.

O diretor quis valorizar uma nova estética, uma nova beleza feminina, que não é a do modelo veiculado no ocidente. Há uma cena em que as duas mulheres Mouna Khalil e Zainab (Danai Jekesai Gurira) estão sentadas em uma mesa de bar, frente a frente, em uma composição simétrica, com um pôster ao fundo que mostra uma competição à vela. A cena é belíssima, as duas mulheres possuem outro tipo de beleza. Zainab é uma africana, do Senegal, possui os lábios grossos e o cabelo muito curto, revelando o formato da cabeça. Mouna possui um tipo de beleza muito particular. É impressionante a força interior que a atriz transmite a seus personagens. Já nos encantamos com Hiam em “Lemon Tree” e agora. Ela é uma mulher morena, alta com cabelos muito escuros, encaracolados e um pouco despenteados. Seu olhar é extremamente penetrante. O rosto de Mouna possui rugas, coisa que as mulheres ocidentais fazem de tudo para esconder. Não há como não ficar embasbacada perante essa nova mulher. E mais, ela quase não sorri, e quando o faz, revela dentes imperfeitos, mas permanece bela!

O diretor Thomas McCarthy dá as informações sobre o professor, aos poucos. Desta vez não nos preocupamos muito com a forma como o diretor trata a política de imigração nos Estados Unidos. Os aspectos psicológicos se transformam no cerne do filme, e mostram como o professor se abre para uma transformação. Muitos acharam ingênua a forma como MacCharty trata o problema da imigração ilegal após 11 de setembro.

Interessa observar como o professor vive de forma rígida e solitária, e como está em busca de um novo sentido para sua vida. A universidade não lhe provoca mais nenhum frisson. Há vinte anos repete as mesmas aulas e muda apenas o último dígito da data, em seus programas de disciplinas. Nem sequer digita e imprime a página novamente, passa um corretivo por cima do número. Poucas pessoas na idade de Walter Vale estão abertas para novas experiências e isso é um aspecto positivo em sua personalidade. É preciso uma boa dose de coragem para transgredir as próprias limitações e o professor encara o desafio.

O início mostra a primeira tentativa de Walter. Ele tenta aprender piano, que era especialidade de sua mulher. A professora é uma rígida senhora que o trata como criança. Vale não consegue, mas a professora insiste. Ele deverá manter os dedos dobrados, como se fosse passar um trem por baixo. Só faltou a insensível professora bater nos dedos de Vale quando ele errava. A minha professora Maria Teresa, quando eu errava, e eu errava muito, batia com os meus dedos no piano. Na época doía muito, acho que doía mais na alma. Walter Vale, no piano, como eu foi um fracasso e ainda teve que ouvir isso da professora. Ela achava que o instrumento musical ficaria melhor em sua casa.

Quando o imigrante sírio Tarek (Haaz Sleiman) e sua mulher, a senegalesa Zainab entram em sua vida os interesses mudam. Depois do grande susto inicial, quando ele encontra o casal morando em seu apartamento, em Manhattan, Vale sente-se irresistivelmente atraído pela música de Tarek. Este se revela uma pessoa sensível, capaz de compreender os anseios do professor. Desencadeia as transformações. Mesmo assim, quando Vale acompanha Tarek em suas andanças musicais, evita ser visto com o casal de imigrantes. Preocupa-se com o que os outros vão dizer. Como se para os americanos ele estivesse pisando em território pantanoso, logo ele, um professor universitário, que participa de congressos.

Quando o incidente com a polícia resulta na prisão de Tarek, o professor se transforma no visitante. É o único que tem passe livre para ir e vir, como Harrison Ford, o policial de Território Restrito. Vale pode entrar e sair da prisão. É o elo de união entre Tarek e a vida. Inúmeras vezes vemos o professor virando o rosto para conceder a Tarek um mínimo de privacidade, enquanto este lê as cartas colocadas junto ao vidro que os separa.

Mouna, a mãe de Tarek surge no filme não apenas para auxiliar o filho, mas para iluminar a vida de Walter. Quando ela aceita a hospitalidade do professor a observamos, limpando a janela, tornando os vidros transparentes, deixando entrar mais luz no apartamento – a fotografia é mais clara nessa cena – e na vida do professor.

Walter consegue enfrentar seu maior desafio. Na prisão, em público, atende ao pedido de Tarek. Ali mesmo, no balcão, tamborila o ritmo musical que aprendeu.
Tarek e Mouna mexem com as estruturas de Vale. Agora ele pode libertar-se do atravancamento do piano e de tudo o mais. Se o professor se rebela quando fica sabendo do sumiço de Tarek, agora quem está liberto é ele. O outro Walter Vale, poderá viver uma nova vida, mais simples e plena. Poderá tocar seu instrumento muito alto, sentado em um banco, indiferente às pessoas e ao ruído dos trens em alta velocidade, embaixo da placa com letras brancas e fundo azul, onde se lê Broadway - Lafayette St.