domingo, 24 de janeiro de 2010

Amor sem Escalas

"Up in the air" é o título original do filme estrelado por George Clooney. O diretor, Jason Reitman, reflete sobre as dificuldades e estratégias que as empresas utilizam para manter seus lucros em alta, mesmo que isso signifique demitir funcionários. Lembram-se do filme " Proibido Fumar" do mesmo diretor?

O ponto fulcral são as técnicas utilizadas para demitir funcionários, e quem desempenhará esse papel de carrasco. Reitman mostra o funcionamento da estratégia, na versão patronal. O funcionário encarregado da demissão não deve "sentir" empatia em relação ao demitido. Existem técnicas que devem ser obedecidas e funcionários treinados para isso. É proibido o envolvimento daquele que demite com o demitido. É um momento difícil para todos, que é enfrentado pelas empresas, de forma fria e objetiva. Quem poderia representar tal papel? Ruy Bingham ( George Clooney) , o homem que não se comove, não se envolve emocionalmente com mulheres e não estabelece vínculos. Protege-se da vida, vivendo literalmente no ar. Sua casa, suas coisas, seus objetos, seus livros, seus "notes" , seus DVDs, suas plantinhas, seus bichos de estimação, isso praticamente não existe e não interessa. Bingham viaja 322 dias por ano, vive 43 dias em casa. Sente-se à vontade quando lhe é oferecem shushi barato, duro e sem gosto. O executivo dá palestras, que iniciam, invariavelmente, com a pergunta: - " Quanto pesa a sua vida ?", " Vá para casa e tente colocar na mochila tudo o que você possui em casa, toda a quinquilharia. Depois tente caminhar. As alças pesam em seus ombros não é verdade? Tente caminhar. Não consegue? Transforme-se , fique com o essencial. E depois mova-se. Mover-se é viver.'' Bingham profere palestras de sensibilização para mostrar o ponto de vista ( seu e da empresa) , evidenciando que se as pessoas tirarem o peso que as sobrecarrega poderão partir para novos destinos promissores. Tudo como parte da técnica de demitir com elegância, buscando evitar as crises de choro, o ódio , o quebra cadeiras e a ladainha dos coitados demitidos - muitas vezes senhores idosos em final de carreira - que perguntam como irão sustentar suas famílias. Ou ainda aqueles que ameaçam se atirar da ponte. Bingham alerta à jovem e ambiciosa funcionária que será sua parceira de trabalho. " - Não acredite no que eles falam, eles não cumprem as ameaças. "

A nova parceira de Bingham é Natalie Kenner ( Anna Kendrick) uma jovem promissora na arte de demitir sem maiores delongas. Anna criou um sistema de video conferência, que ameaça a vida estabilizada de Binham. A demissão acontece via televisão. Os dois viajam , Bingham tenta convencê-la da importância de seu trabalho. Fazem paradas em diversas cidades.

Bingham encontra uma mulher ( Vera Farmiga). Os dois mantém um relacionamento fortuito e volátil, um não exige nada para o outro. Despedem-se sem promessas, sem compromentimento.
O diálogos do filme são muito bons, o roteiro é excelente. A crítica é sugestiva inteligente. O público se delicia com o namoro de George Clooney e Vera Farmiga. É tão natural e tocante que por alguns momentos esquecemos de ouvir o que eles dizem. Vera é uma das minhas atrizes preferidas. Lembram-se dela com Leonardo do Caprio em "Os Infiltrados" ? Neste filme está linda, com olhos muito azuis, cabelo quase louro. É uma deusa com aquele vestido preto, decote V. É uma mulher delicada e charmosa. Lembra a minha doce amiga Naianinha. Mas, o grande objetivo de Bingham - que vivia passando seu " Credit Card" - era atingir o máximo de milhas em voos, número que ele não revelava.

Como ninguém pode ser assim tão duro e insensível, Bingham tinha um fiozinho de sentimento familiar. Tirava fotos para a irmã que ía casar, como forma de substituir a volta ao mundo, impossível em uma modesta lua de mel. Colocava a foto da irmã e do noivo, tendo como cenário alguma atração turística, como o Restaurante Luxor, em Las Vegas.

Durante a viagem, Alex e Bingham se reencontram e namoram novamente. Sentimos que algo está mudando no coração de pedra do executivo. Deseja uma companhia feminina para o casamento da irmã. Após a cerimônia, os dois se despedem, mas ele sente-se sozinho. O apelo familiar tinha sido muito forte. Sai à procura de Alex, que mora em Chicago.

Pasmem! quem sempre deu o golpe nos outros, recebe o golpe final, da Vida! Todos nós, alguma já recebemos esse golpe, não é verdade? Ninguém sai incólume do Viver a Vida... Ruy Bingham descobre que ele, o grande Bingham foi um PARÊNTESE!

Não deixe de assistir a este belo filme. Observe a fotografia, é muito bonita!


sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Para Rafaela

Rafaela, eu também achei os personages do filme Amor Extremo muito loucos. O Dylan Thomas se foi um grande poeta, era alguém capaz de ter dentro si, convivendo de forma intensa, o bem e o mal. Também assisti à Nova York eu te amo, gostei e postei um texto sobre o filme há poucos minutos.
Affectueusement, Doris Maria

Nova York eu te amo

"Nova York eu te amo" é formado por onze histórias curtas. Em algumas delas, os personagens se inserem uns na história dos outros. Foi realizado por Fatih Akin, Yvan Attal, Allen Hugues, Shunji Iwai, Wen Jiang, Shekhar Kapur, Joshua Marston, Mira Nair, Natalie Portmam, Brett Ratner, e Randal Balsaymer. O filme é uma declaração de amor à Nova York, nos moldes de "Paris eu te amo" e tem atores consagrados no elenco.

O episódio de Shekhar Kapur, com Julie Christie e Shia Laboeuf é dos mais poéticos e emocionantes. A diva Julie Christie está linda, com seus olhos azuis e profundos. Os filmes do início de sua carreira são inesquecíveis," Doutor Jivago", "Farenheit 451", "Longe deste insensato mundo" e " O mensageiro". Julie continuou trabalhando, não desiste. Em 2002 assistimos à "Tróia" e ano passado, "Longe Dela". Acho que é uma das poucas atrizes que continua bela em cada idade. Aos 68 anos, interpreta Isabelle, uma mulher solitária que se hospeda em um hotel. Jacob, o camareiro, é Shia Labeouf. Jacob tem um sério problema na coluna vertebral, não consegue caminhar. Todo encurvado, precisa subir com as bagagens pela escada. Ela pede flores, ele traz violetas. Julie fica linda com o vestido longo, branco, segurando as violetas. Jacob traz uma garrafa de champagne. Uma atração imediata se estabelece entre os dois. Pelo olhar, Jacob é um jovem arrasado. Aproxima-se da janela e desaparece. Julie vê seu corpo estirado no chão, o sangue escorrendo. Como num conto de Edgar Alan Poe, ou em tantas outras histórias fantásticas que ouvimos, um homem mais velho, Waiter (John Vincent Hurt) surge de onde Jacob desapareceu. Repete as mesmas palavras do jovem... -" Escolhemos estas flores porque sabíamos que a senhora gostava de violetas,.... vou servir o champagne...". É genial, o espectador sente um arrepio.

Outros dois episódios também são muito interessantes. O de Yvan Attal traz Ethan Hawke, como um escritor que encontra uma bela mulher em uma esquina. Recita uma poesia erótica, evidenciando seus dotes de macho e tudo o que ele poderia fazer por ela em relação ao sexo. A proposta vai ficando cada vez mais excitante e erótica. Em resposta, a jovem lhe alcança um cartão, explicando que tipo de profissão exerce. Água muito gelada no furor de Ethan! Ela dispensa toda aquela retórica... Explica ao escritor os horários que ele deve escolher para conseguir ser atendido. Muito engraçada a cara do Ethan!

O outro episódio "emouvant" é protagonizado por Eli Wallach. Quem viu Eli Wallach como o bandido sanguinário em westerns como "Três homens em conflito", "Sete homens e um destino", "Lord Jim" ... se emociona com o senhor idoso e fraquinho, que discute e briga com a mulher, interpretada por Cloris Leachman. Muito envelhecida também, ela interpreta Mitzie, a esposa ranzinza, que vive discutindo com o marido, mas que o ama e faz de tudo para protegê-lo.

Um último destaque cabe ao episódio dirigido por Brett Ratner, da jovem cadeirante, Olivia Thirby, que quer muito ir ao baile. O pai, Sr. Riccoli ( James Caan) consegue convencer o jovem Anton Yelchin a acompanhá-la. Os dois terminam passando a noite fora, no parque. A jovem seduz o companheiro e os dois precisam fazer os maiores malabarismos para conseguir concretizar o ato de amor. Chegam em casa no dia seguinte, detonados, uma graça! Mas afinal, toda moça tem um pai que é uma fera! Eis a grande surpresa! O pai tenta explicar o caso ao jovem...

Os episódios são emocionantes e fazem uma homenagem à Nova York, à 5a. Avenida, ao Central Park, ao Chrysler Building e a tantos outros lugares da cidade. Os segmentos seguintes contam histórias de amor, de jovens, de surpresas e de esperança. E ainda temos a presença de atores como Andy Garcia, Christina Ricci, Natalie Portman, Robin Wright Penn, Hayden Christensen - o Anakyn Skywalker/ Darth Wader, em " Guerra nas Estrelas "- e Orlando Bloom. Não percam a camiseta branca do ator, um molambo só, parece comida pelas traças. Mesmo assim, o amor bate à sua porta.


domingo, 17 de janeiro de 2010

Vício Frenético

Werner Herzog o famoso diretor alemão sempre é polêmico. Seu nome está associado ao novo cinema alemão. De novo, apenas o nome pois seus contemporâneos Rainer Werner Fassbinder, Margarethe von Trotta e Wim Wenders, respectivamente fazem cinema desde 1969, 1975 e 1967. Um de seus filmes mais marcantes é "Aguirre , a cólera dos deuses" (1972), com o ator Klaus Kinski. Apesar da predileção pelo ator, a relação entre os dois era difícil. Com a morte de Klaus, que também atuou em "Fitzcarraldo", desta vez o escolhido foi Nicolas Cage.

"Vício Frenético" é uma crítica feroz ao sistema, à estrutura policial e aos seus "tenentes". Antes de terminarmos de ler o título do filme, metaforicamente, ele estaria desgastado sob o alto índice de corrosão do olhar de Werzog. O Tenente Terence NcDonagh (Nicolas Cage) é encarregado de investigar o crime bárbaro contra duas crianças negras e adultos, o caso da família Ndele. Tem por companheiro Stevie Print, adivinhem? Val Kilmer. Ninguém acredita o quanto está envelhecido o heroí de Willow a terra da Magia, The Doors, Batman e a Escuridão , A sombra e a Escuridão e À primeira vista, em que fazia o cego apaixonado por Mira Sorvino.

Terence é o tenente que vive dentro do olho do furacão, ou melhor nos intestinos da vida do crime. Tão envolvido por um mundo desequilibrado que torna-se ele próprio, um dependente de drogas. Vemos o personagem quase se arrastantando para carregar o próprio corpo cheio de males. As pessoas, com o passar do tempo manifestam em seu corpo aquilo em que se transformaram. Os que desistiram de lutar, ficam com o corpo envelhecido. Os que não reagem, ficam fracos, gordos e lentos. As olheiras , a gordura embaixo das pálpebras evidencia pessoas que bebem em excesso. Os que desistem de lutar são vitimados pela obesidade, doenças da coluna e problemas cardíacos. Basta observar seu caminhar titubiante, temerosos, cinturas grossas, costas encurvadas, pernas finas cambaleantes, olhar baço. Pessoas que somatizam seus problemas envelhecem rapidamente, gastam o motor de suas vidas.

Com Terence acontece o mesmo, por isso Nicolas Cage está tão velho e feio. O tenente somatiza, sente dores. Cage é um ator dramático, em "Vício Frenético" é quase uma caricatura. Nicolas é um homem muito alto, está magro, encurvado, calvo e com um ombro caído. Às vezes é tão decadente que parece um monstro, alguma coisa que lembra o Pinguim (Danny De Vito) do Batman, uma das coisas mais nojentas que já vi. Mas um Pinguim muito alto e de asa quebrada, embora pinguins não possuam asas. Talvez a semelhança seja em razão do nariz aquilino. Tudo isso para caracterizar a decadência do personagem, engolido pelo próprio sistema corrupto que deveria combater.

Como Terence vivia nos intestinos do poder da repressão, levava uma vida dupla que o desgastava tremendamente. Era o repressor e o infrator. Somente sua mulher, a prostituta ( Eva Mendes) sabia. Não ligava-se a ninguém. Permitia que sua mulher tivesse seus clientes, não ligava-se ao cachorro que deveria cuidar, nem ao menino que deveria proteger.

Problemas de consciência ele nunca soube o que eram. Assim, para o tenente era natural prender casais de jovens que saíam do Alligator e apreender algum pacote de cocaína, crack ou maconha que portavam para consumo próprio. Então Terence chantageava, abusava sexualmente das mulheres em frente a seus companheiros ou compartilhava o uso da droga ali, no instante com as próprias pessoas que revistava. Deliciava-se em consumir, compartilhando a droga com criminosos que deveria prender.

Terence é um predador como o Alligator, talvez se explique a alusão ao réptil no nome da casa noturna onde o tenente apanhava suas vítimas. Os mesmos répteis desta vez, iguanas, surgem na estrada, quando Terence chega ao local, em pleno acidente de trânsito, para subornar seus colegas. Iguanas tomam conta da tela quando o policial se afasta. Aligatores são crocodilos dominados pelo instinto, possuem um cérebro do tamanho de um colher de sopa e um mordida que pode pesar mais de 1000 kg. Ninguém deve esperar um aligator bonzinho. Como eles, o tenente não era bonzinho, e não tinha pruridos em unir-se ao criminoso. Participar juntamente com os chefões da máfia, de suas operações criminosas. Beneficiar-se e depois caçar os mesmos criminosos.

Amava aquela vida dupla, descontrolava-se por completo quando fumava crack . Depois de agredir e de aproveitar-se de todos, afirmava : "Adoro isso, simplesmente amo isso". Terence Nc Donagh desacata a velha senhora que está em uma cadeira de rodas e precisa de respirador. Para chantagear a criada, tira o respirador, afirma que a doente era uma velha inútil, que já deveria ter morrido, assim não estaria gastando a fortuna dos herdeiros. A cena choca o espectador, causa estupefação, provoca um riso nervoso. Cínico, sem emoções, impassível e mentiroso, eis o Tenente Terence Nc Donagh em ação!

O paradoxo é que Werzog não permite a revanche. Seus inimigos falham nas tentativas de destruí-lo. Para evidenciar a podridão do sistema o tenente é condecorado por ter resolvido o crime da família Ndele. Continua com seus maus hábitos, nada o impede, é poderoso. Werner Herzog nos fala que auto destruição é um embate solitário. Ainda assim, alguém lhe proporciona o único espetáculo que o emocionava, a visão do enorme aquário de peixes. Terence não tinha a menor condição de sonhar... Será que os peixes sonham?


Para Rafaela

Rafaela,

Fiquei feliz, pois uma colega da aula de francês já conhece o meu blog. Gostei das tuas observações, são interessantes e mostram outros pontos de vista. Vou manter o blog atualizado para que possas voltar e dar as tuas opiniões.

Um abraço, à bientôt, Doris Maria

Amor Extremo

Inglaterra, Segunda Guerra Mundial, bombardeios, pessoas assustadas e sem esperança. Este é o contexto do filme "Amor Extremo". A história é verdadeira. John Maybury, o diretor, descreve a vida conturbada de Dylan Thomas, um dos maiores poetas ingleses do século XX, rodeado de mulheres, bares, vida noturna, aventuras e desventuras.

O filme é estrelado por Keira Knightley, que faz Vera Philips, uma jovem cantora, fascinada por Dylan desde a adolescência. Dylan e Vera se conheceram quando eram muito jovens e tiveram um caso de amor. Na vida adulta, Dylan permanece curtindo aquele amor distante e quase platônico, do passado.

No tempo do filme, em plena Londres bombardeada, Dylan está casado com Caitlin ( Sienna Miller), uma mulher estranha que, se ama o marido não tem o menor prurido em traí-lo. Quando faz aborto, o faz porque não sabe quem é o pai! Essas vidas de pessoas perdidas e desorientadas, nos anos 40, antecipam a revolução sexual dos anos 60, da pior forma. Pelo que é mostrado ao espectador havia mais licenciosidade do que liberdade. Assim, dizer que estavam à frente de seu tempo é não pensar, é dizer bobagens! Óbvio, não estavam. Honestidade e ética eram valores que nunca passaram pela cabeça do triângulo amoroso. Atenuar e colocar a responsabilidade de seus desatinos, no clima de guerra, é mais simples e menos verdadeiro.

Dylan e Vera se reencontram. Em seus versos geniais, ele recitava em voz alta, que ela era a "estrela do seu céu escuro, era a sua terra..." Se Vera proclama que é adulta e que Dylan precisa esquecer a mulher que criou em sua imaginação, causa estranheza ela seguir o casal. O trio passa a morar na mesma casa e Vera, sozinha à noite ouve os sons do amor entre o casal. Ao mesmo tempo, Caitlin e Vera tornam-se amigas, tomam banho de banheira, juntas, dormem na mesma cama, se divertem. Me olhem, ali a inocência passou ao largo!

A roteirista é mãe de Keira Knightley. Entre todos os personagens, ela é a única que parece um desenho ou uma foto de propaganda das cantoras da época. Sua juventude, sua maquiagem, a pele de porcelana, o penteado, tudo é belíssimo. O espectador não consegue perceber com clareza, mas quando Vera aparece pela primeira vez, surge a boca, os lábios pintados de vermelho. O "zoom" vai aumentando e, como que fundida na imagem da foto, surge a bela Vera Philips cantando.

Os outros personagens não têm esse brilho. Caitlin é uma bela mulher, mas parece maltratada, cabelos desgrenhados, para caracterizar a personagem. Ou fazendo jus à fama que os europeus têm de não tomar banho.

Dylan Thomas interpretado por Mathew Rhys é um homem bonito. Mas não esconde o ar de desleixo, cabelo com corte da época, olheiras profundas e muita bebida destilada. As roupas largas, à moda dos anos 40, estão gastas. Os bares são enevoados pela fumaça, todos bebem e fumam em excesso.O diretor insiste nesse décor, os ambientes são carregados de objetos e cores, em uma forma maneirista de evocar os 65 anos da Segunda Guerra. Somente a paisagem do País de Gales é bucólica e gelada, para onde o trio se muda, fugindo da guerra e das dívidas.

William, o soldadinho que se apaixona por Vera, seria o personagem puro e inocente. Transforma-se no neurótico Capitão William. Desde antes de sua partida, o triângulo amoroso transformara-se em um quadrado infeliz e mal desenhado. William é interpretado pelo jovem ator irlandês Cilliam Murphy. Cilliam apesar de ter apenas 30 anos, fez mais de 23 filmes. Lembram-se do desequilibrado que queria matar todo mundo em "Vôo Noturno"? Ele também participou de filmes como "Batman, o cavaleiro das trevas", "Cold Mountain" e "A Moça com brinco de pérolas". Habituada a ver o ar de desvario no olhar de Cillam, nas "n" reprises de "Vôo Noturno" na TV, desta vez, procurei a doçura do personagem, no olhar do soldado. Acho que Murpphy saiu-se bem como o Cap. William, que volta tresloucado da guerra. Não era para menos. Se cometeu seus desatinos, também foi julgado e perdoado por seus pares. A platéia o absolveu e torceu por ele. A senhora loura e preconceituosa, bem que mereceu o tapa, que o Capitão lhe aplicou.

O personagem de Dylan é ofuscado pelos outros, Vera, Caitlin e o próprio Capitão William, na sequência final quando descobre que foi o seu soldo que sustentou aquele bando de vagabundos, velhacos e incostantes. E pior, tudo com o aval de sua amada Vera. Quando fica evidente a traição da mulher ele não resiste e parte para o acerto de contas.

Dylan, em todo o filme comporta-se como um homem irresponsável e arrogante, um menino mimado que não cresceu e não assumia suas responsabilidades. Aceitava ser dominado pela mulher que, sabe lá que fazia para sustentá-lo. O talento do poeta não o redime de sua dívida perante a vida. Apenas, pode-se entender que pessoas com determinados talentos e fixadas em sua produção são incapazes de atitudes práticas e objetivas. Dylan, além de não possuir capacidade para sustentar-se era desonesto e arrogante. Se era auto destrutivo, também procurou destruir o homem que ameaçava seu triângulo amoroso, indispensável para ele. O diretor não perdoou o homem Dylan Thomas, embora o artista permaneça intocável. Não devemos esquecer foi um dos maiores poetas do século XX. Para concluir, um de seus poemas:

Em meu ofício ou arte taciturna

Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou por pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Ne
m para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.


domingo, 10 de janeiro de 2010

Sherlock Holmes

Sherlock Holmes é um personagem tão famoso e importante que se separou de seu criador. Ficou mais conhecido que o próprio Sir Arthur Conan Doyle. O filme leva multidões ao cinema. As filas são enormes, independente de horário. E, ver no cinema a dupla Sherlock Holmes e seu amigo, o dr. John Watson, diga-se é uma oportunidade e tanto. Robert Downey Junior e Jude Low são o máximo, encarnam respectivamente Sherlock e seu companheiro Watson. Com atores tão geniais somados à história clássica do famoso detetive britânico, Guy Ritchie tinha tudo para fazer um bom filme, e conseguiu.

O décor é escuro, os tons do filme, o cenário, as paisagens são da Inglaterra do século XIX. Se a famosa ilha tinha a Revolução Industrial, ao mesmo tempo padecia com a insalubridade, falta de higiene e saneamento. Porém, quando o diretor filma os atores, as figuras se destacam contra o fundo esverdeado e insalubre, em tonalidades douradas, em planos muito próximos que mostram cada ângulo do rosto de Sherlock Holmes, Watson ou Irene, a bela Rachel McAdams.

Guy Ritchie faz pequenas alterações. Sherlock é descrito por Conan Doyle, em Um Estudo em Vermelho, como um homem alto, com 1,80 m. de altura, de nariz aquilino e dedos magros e compridos, usa um chapéu de abas redondas e o indefectível cachimbo. Aliás, o cachimbo é a primeira coisa que aparece quando ele mergulha na água e é salvo por Watson. Mas chapéu ele não usa, pega um chapéu preto de um capanga. Com certeza não tem 1,80 m. de altura, não é muito magro e nem possui dedos compridos e magros. Mas tem todo o charme de Robert Downey Junior. Talvez seja até melhor. Em todas as versões de Sherlock Holmes que vimos encenadas no cinema o grande problema eram os atores. Não estavam à altura do personagem de Conan Doyle. Eram menores do que nossa imaginação exige, uma decepção. Não toleramos Peter Cushing encarnando Holmes, pelo simples fato que o Holmes de Conan Doyle é muito melhor. Então voltamos para o livro, não precisamos ir ao cinema.


O filme tem ingredientes infalíveis, ação suspense, um pouco de Indiana Jones, dos filmes policiais e a inteligência de Holmes. Como nas histórias de Conan Doyle, todas as pistas são lançadas. O espectador até pode tentar uma interpretação, mas interpretação brilhante como a de Sherlock Holmes, jamais. No máximo pode antecipar alguns truques como o do enforcamento.

Cada diálogo entre Watson e Sherlock é uma delícia para o espectador. Guy Ritchie adota um tom de comédia. Mas só não vê quem não quer ver - no dialógo entre os dois - , o tom e a sutileza do homossexualismo. A menos que a humanidade tivesse mentalidade de menina adolescente de colégio de freiras dos anos 50. E olhe, até elas perceberiam algo diferente, só não racionalizariam.

Irene Adler é a personagem ambígua que está a serviço do professor Moriarty , o grande inimigo de Holmes. Apesar das diversas tentativas de Irene, Sherlock não cede aos seus encantos . Embora a mulher - como a chamava- o deixasse extasiado. Irene é a personagem feminina que atrai Holmes e ofusca as outras mulheres. Holmes não sente amor por Irene e não se deixa envolver por seus beijos. Não retribui ao beijo da mulher! Talvez até em razão da fidelidade ao amigo Watson. Este, por sua vez tenta uma saída socialmente aceita, na Inglaterra do século XIX através do casamento com Mary Mornstan. Esta seria uma hipótese aceitável.

Tanto roupas , como cachorros ou objetos são posses disputadas e divididas pela dupla. A propriedade de Gladstone é um exemplo de assuntos resolvidos a dois. Sherlock insiste com Watson que Gladstone é de ambos. Mas nunca hesitou em testar no animalzinho novas poções poções que poderiam conter sulfato de amônia, ácido fosfórico ou formol, indispensáveis para desvendar crimes. Conan Doyle escreveu em Um estudo em vermelho que Watson tinha um cão fila. Guy Ritchie lhe concedeu um Bulldog obeso, uma graça de cachorro!

Na descrição de Watson, Mary é uma jovem loura, pequena e delicada. Sua beleza não consiste na regularidade dos traços, nem no brilho do rosto, mas principalmente numa expressão aberta e amável, nos grandes olhos azuis sensíveis e profundos. No filme, Mary Mornstan corresponde aproximadamente à descrição de Watson. Só não é tão pequena. O encontro entre os três termina mal, mas é divertido. Sherlock não quer comparecer ao jantar. Está em crise, todo desarrumado, fedorento, sem o menor interesse na vida. Tudo isso porque está sem um caso para resolver. No jantar, coloca Mary em maus lençóis. Observa a jovem, emprega o seu método científico, lógico e dedutivo e arrasa com a moça. Por ciúmes de Watson, ou porque era mesmo um arrogante. Após observar atentamente a jovem, afirma que ela perdeu o noivo, tirou o anel e voltou à Inglaterra para conseguir outro marido. Furiosa, Mary joga vinho na cara de Shlerlock. Observem a interpretação de Downey Junior, é o máximo. O vinho escorre pelo rosto de Holmes, que permanece impassível. Depois, resolve comer, parece que voltou a fome, mastiga com gana o seu bife.

A trama gira em torno das armações de Lord Blackwood para dominar o Parlamento de Londres, amedrontar e intimidar. Blackwood, o símbolo do mal, é anunciado pelo corvo, profeta do augúrio e dos maus presságios. Quando o corvo crocita, sabemos que o mal está por perto. Lord Blackwood pertence a uma seita que invoca o mal e o mistério da esfinge. Holmes precisa desvendar o enigma da esfinge que envolve a águia, o leão, o boi e cabeça de homem. O embate final contém cenas belíssimas na Ponte de Londres, sobre o Rio Tamisa. A ponte é efetivamente do século XIX. No filme o cenário é lúgubre, com uma ponte inacabada. A montagem torna a sequência eletrizante, com correntes que rolam e batem, objetos metálicos que se lançam no abismo, parafusos que se soltam e nossos heróis que balançam sobre o abismo.

Nem precisa falar, você não pode perder o filme do ex-marido da Madonna!


terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Hanami, cerejeiras em flor (Kirschbluten – Hanami)

Hanami Cerejeiras em flor é dirigido por Doris Dorrie. O filme foi indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2008, e exibido na 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Doris Dorrie fala sobre a morte e, principalmente, sobre as dificuldades de comunicação entre familiares, marido e mulher, pais e filhos. Como escritora e diretora de cinema, Doris Dorrie evidencia uma grande sensibilidade feminina. Ao longo de sua carreira burila o tema do conflito e
das relações entre homens e mulheres. Em 1985, seu primeiro grande sucesso foi Homens,... Homens, que teve mais de 6 milhões de espectadores. A diretora casou com o camera-man Weindler. Em Hanami cerejeiras em flor, o personagem principal tem uma doença terminal. Muitos de seus livros e filmes revelam suas próprias experiências. Seu marido, Weindler, morreu de câncer durante as filmagens de Sou Linda?, em 1996.


Hanami cerejeiras em flor revela uma grande influência da cultura japonesa. Rudi e Trudi formam o casal que vive longe dos filhos, já adultos. Dois deles moram em Berlim e Karl vive no Japão. Trudi é uma mulher sensível, que abdicou de muita coisa na vida, para cuidar do marido e dos filhos. Mas deseja viajar, conhecer o Japão, o Monte Fuji e o butô, a dança das sombras.

É Trudi que recebe a notícia que seu marido tem uma doença terminal. Os médicos a aconselham a fazer algo diferente, viajar e viver aventuras com o marido. Mas Rudi não gosta de aventuras. Mesmo assim o casal viaja a Berlim para visitar os filhos. Lá, verificam que eles se transformaram em desconhecidos. O filho é casado e a filha é lésbica. Na visão dos filhos adultos sobram ressentimentos e ciúmes do irmão distante. Tanto a filha como o filho sempre se sentiram preteridos em benefício de Karl, o irmão que mora no Japão.

Os pais sentem no ar a rejeição dos filhos. É como a mosca que contamina o ambiente com o seu som. Incomoda a todos na mesa. Doris Dorrie insiste em mostrar a mosca, com suas antenas contaminando tudo onde toca. O ambiente torna-se desagradável. Até netos reclamam da presença dos avós. Impera a incomunicabilidade. Contraditoriamente, a única pessoa que compreende Trudi e sai a passear com ela é a companheira da filha. Também é ela a única a despedir-se de Rudi. Doris coloca na filha lésbica todos os aspectos negativos. É grosseira, egoísta e muito feia.

O casal parte para outra viagem. Repentinamente Trudi morre. A partir daí, Rudi vive seu luto intensamente. Um novo comportamento permitirá a reformulação de sua vida. Possibilitará colocar seus problemas nos devidos lugares e partir. Rudi tenta à sua maneira fazer o que poderia ter feito quando sua mulher era viva. Simbolicamente Trudi vive nele. É a sua maneira de relacionar-se com a morte.

Rudi viaja ao Japão onde vive o filho, um jovem sem grandes expectativas. Vive no Japão na maior solidão. Doris Dorrie destaca o casaco de lã azul em Hanami. Mas, o vestido de mesma cor, azul do mar, já permeara sua obra. É título do livro O vestido Azul, que também trata da morte a da roupa azul, em seu sentido simbólico. Dorrie atribui um significado metafísico à roupa azul, vestido ou casaco de lã. Representa uma mudança na vida de quem a usa. Da mesma forma que em O vestido Azul, Dorrie reflete sobre o amor, sobre o grande e eterno amor entre homem e mulher, e o significado da morte para os que ficam.

Rudi preocupa-se, custa a entender onde está Trudi, após sua morte. Como ela está? Passa a usar sua roupa, seu colar, sua saia e seu casaco de lã, por baixo do sobretudo . Simbolicamente Trudi vive em Rudi, daí o trocadilho no nome criado pela autora. Os dois se transformam em um, que ainda vive. E Rudi faz o que pensa que deveria ter feito, enquanto Trudi era viva. Faz com que ela conheça Tóquio, aprende a dança das sombras, o butô. Por isso o quimono de Trudi está ao seu lado, estendido na cama. Rudi leva Trudi a conhecer o Monte Fuji, um de seus grande sonhos.

Nessa tentativa de elaborar seus problemas e colocá-los nos devidos lugares, Rudi conta com a ajuda da jovem bailarina de butô. O relacionamento paternal com a menina o redime em sua incomunicabilidade e incapacidade de relacionar-se com os filhos. Partindo do princípio que relacionamente não é unilateral, Doris mostra que os filhos nunca entenderam nada, continuam pobres ( de espírito) e perdidos.


domingo, 3 de janeiro de 2010

Partir

Partir de Catherini Corsini é um filme duro para o espectador. É difícil entender as razões da personagem principal, interpretada pela bela Kristin Scott Thomas. A própria atriz prefere não ser reconhecida simplesmente como uma mulher bonita, mas como alguém que busca muito mais para seus personagens. A diretora, Catherine Corsini é uma mulher engajada na luta em favor das minorias, na França, e contra a violência conjugal. Seu filme ultrapassa esses limites e discute os instintos e as paixões inexplicáveis, que envolvem o ser humano.

Kristin Scott Thomas é Suzanne, uma mulher madura, casada com um médico bem sucedido, Samuel (Yvan Attal), com dois filhos adolescentes. Leva uma vida segura, tranquila e endinheirada. Como Kristin, a personagem tem aproximadamente 49 anos. Após muitos anos dedicação ao marido e filhos resolve voltar às suas atividades de fisioterapia. Por isso o casal faz planos, e executa a reforma do consultório. Para Suzanne trabalhar perto da família. Vivem em uma casa moderna, clean e minimalista, com obras de arte de pintores famosos. O que mais uma mulher poderia desejar?

Catherine Corsini tem suas indagações e nos coloca o problema por trás de águas aparentemente cristalinas. O filme fala sobre os instintos que podem dominar nossas ações. É o que acontece com Suzanne, quando encontra o operário, que executa a reforma. Para o espectador, Ivan (Sérgi Lopez) é um homem comum, quase gordo. O ator é catalão e tem 44 anos. Possui cabelos castanhos e curtos. Nada em sua aparência explicaria as razões de Suzanne. Mas, atração sexual e instinto não se explicam num estalar de dedos.

Suzanne é um mistério para o espectador. Ela vê Ivan e tudo muda. Sente-se extremamente atraída pelo tipo, fortão, muitos músculos, muitos músculos? ( para ela é claro), muita força física, isso sim. Ao contrário do marido, um médico, pendendo mais para intelectual do que para carregador. Ninguém explica a química que acontece entre cérebro e instinto, e que faz com que todos , homens e bichos sintam o apelo sexual.

Assim, o mundo de certezas de Suzanne se esvai num primeiro beijo tentador e abrasador. Não contém o instinto que a devora. E Suzanne comete loucuras em nome de sua paixão. Sim, paixão cega. De que falariam os dois amantes com experiências de vida tão diferentes? Ivan conta que tem uma filha pequena, que precisa pagar a pensão para a ex mulher, e que é ex presidiário.

O casal passa a viver num mundo de incertezas. Encontram-se em uma casa de campo, em meio à natureza, bem ao gosto francês. Me fez lembrar Le Bonheur, de Agnès Varda em sua visão romântica e feminina. Com o diferencial de que Le Bonheur era belíssimo.

O filme interessa pelas imagens, pela forma com os atores criam seus personagens, apaixonados e torturados. Corpos nus e contorcidos, num tal êxtase meio doloroso, que até parecia o "Êxtase de Santa Tereza"- de Bernini . Suzanne contraditoriamente tenta dominar o cenário. Surpreende tanto ao ressentido marido e filhos, quanto ao amante, com suas atitudes impensadas. Encontra compreensão somente no filho adolescente.

A personagem é tomada pela paixão, pelo prazer sexual e instintivo, cujas cenas esgotam o espectador. Imagine como devem ter emocionado e consumido os dois atores. Catherine nos mostra de alguma forma as razões de Suzanne, quando ela volta para casa e é obrigada a fazer sexo com o marido.

Assim Catherine Corsini, sem sombra de dúvidas, discute a violência conjugal, independente de classe social, e as razões ou a falta delas que levam a personagem à sua atitude destrutiva final. Se Suzanne foi tomada pela paixão também ficou cega pelo ódio.

O filme está passando no NT Cinemas de Porto Alegre, uma bela casa que lembra Frank Lloyd Wright e art- nouveau, incrível!


sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Lula , o filho do Brasil

No primeiro dia de 2010 fui assistir ao filme do Lula. O título é perfeito, Lula é mesmo o filho do Brasil. O tema é delicado. Pois, em nosso país, Lula, o filho do Brasil é condenado por antecipação. As pessoas sequer viram o filme e o condenam. É assim, se ficar o bicho pega, se fugir o bicho come. Se você falar mal do filme será criticado e se você falar bem será mais criticado ainda. Os ex-Lula aqueles companheiros (do Lula) que se desiludiram com o presidente, (hi, hi, hi ), então, nem pensar! Afirmam que o filme é oportunista. Dizem furiosos, que é uma propaganda política , que é uma forma de incentivar o continuismo do atual governo. Quem te viu, quem te vê!

Assim azar, não é mesmo? A polêmica é salutar. Acho que Fábio Barreto não daria importância para tudo isso. Espero que ele fique bem para poder ver a grande repercussão de seu filme. Lula, o filho do Brasil é interessante sob diversos aspectos. Primeiro, emociona. Glória Pires, a Dona Lindu, é uma grande atriz, convence e emociona como a mãe de Lula. O ator que faz Lula, na infância, Felipe Falanga, é uma graça de menino. Me faz lembrar o Luiz Felipe, filho da Nádia, minha amiga paulista. Desde menino ele demonstrava sua força ao enfrentar o pai bêbado.

O filme pode ajudar a muitas mulheres. Dona Lindu é um exemplo para todas aquelas que sofrem caladas nas mãos de maridos violentos e beberrões, que não as respeitam. Observem, ela não era uma mulher violenta, mas defendia seus filhos com firmeza. Teve a coragem de procurar um nova vida longe do marido. Quantas mulheres próximas a nós, sabemos que sofrem maus tratos e permanecem ao lado de seus maridos algozes? Vivem de olho roxo e dizem que ficaram muito tempo no sol!!! Aliás, Milhem Cortaz faz o odiado pai patrão, com perfeição.

Existem muitas formas de assistir ao filme. Retirando as possibilidades das críticas que devem ser tantas, podemos nos ver também, não exatamente dentro do filme, mas em uma história paralela que acontece no mesmo tempo, atrás da tela do cinema, na tela de nossas memórias. O espectador pode lembrar o que aconteceu, em outras cidades, no mesmo Brasil. E , se nos emocionamos com Lula, no fundo choramos por nós mesmos. Como dizia a heroína de Alain Resnais, Emmanuelle Riva, em Hirochima meu Amor : "Comme j' étais jeune a jour, a Nevers".

1945, gosto desse número. Para quantos de nós essa data é familiar? É o ano de nascimento de Lula, em Caetés, Pernambuco. Como muitos de nós, ele é da geração pós-segunda guerra mundial. Se o filme trata da história de Lula e dos sindicatos do ABC paulista, a cada data citada no filme, você pode pensar em si mesmo. Como Lula, em 1964, talvez você tivesse 19 anos. Como Lula você pode ter tido a sua juventude usurpada durante a ditadura militar. Lembra-se de como você era jovem e inseguro nos anos sessenta? Como você temia pela sua própria segurança, de seus amigos ou namorado? Você lembra como tinha medo, nas passeatas, onde ía sozinho, só para espiar de longe e ver como era? Medo da repressão policial, quando sobrava pancadaria para todo lado? Das histórias que contavam... Dos jornalistas que precisavam praticar autocensura... Dos livros que não se podia ter? Ninguém deveria ter em casa, o "Capital"... Ironia do destino, poucos eram intelectuais o suficiente para conseguir ler a obra prima de Marx! Imagine você, para assistir Estado de Sítio ou Laranja Mecânica você precisava ir ao Uruguai. Em Caetés, em Porto Alegre, em Bagé ou Dom Pedrito... a repressão e as denúncias se multiplicavam. Lembra quando a polícia a cavalo parou defronte à Faculdade e você viu aquela bala de revólver grudada na parede do saguão? Quando os melhores professores foram expurgados e aposentados compulsoriamente? O filme fala de nossos professores Contreras, Ripoll, Demétrio e tantos outros. Por isso mesmo, na Faculdade de Arquitetura da UFRGS não tinha Urbanismo por falta de professor. Era o Demétrio...

Lula, filho do Brasil revive tudo isso. O clima do Brasil dos anos 60 está ali. Por isso tem tanto a ver com todos nós, queiramos ou não. Amemos Lula ou não. Como ele, também somos filhos do Brasil. Os tons pálidos, de fotografia desbotada, sem dpi, para parecer gasto e antigo, de 50 anos atrás, é o retrato da nossa vida também. Da vida do brasileiro, que teme por assaltos, pelo precário atendimento de saúde pública. Se houver erro médico, ai de ti. Houve? Ai do Lula, que perdeu a sua Lurdes (Cléo Pires) . Por falar nas mulheres de Lula, Dona Marisa, interpretada por Juliana Baroni está bem como a companheira de longa data, na trajetória do sindicalista do ABC.

O jovem Lula é carismático. Rui Ricardo Diaz é igual ao Lula, na juventude. O cabelo me pareceu excessivamente escuro e crespo, enfim. Não há como negar, na conjutura dos anos 60, 70 Lula foi um homem corajoso. E, como perfeição não existe, Fábio Barreto mostra que Lula enganou seus companheiros de luta, ao abandonar as dependências do sindicato durante uma das greves. Foi vaiado. Mas como esperto que era, e é, artista na manipulação das vontades fez pender a balança para o seu lado novamente.

Assista a Lula, filho do Brasil, recomende para seus filhos, será bom para eles.