sexta-feira, 15 de maio de 2009

UM ATO DE LIBERDADE

O filme Um Ato de Liberdade conta uma história verdadeira, sobre um grupo de judeus, na Segunda Guerra Mundial, que resolve lutar ao invés de baixar a cabeça e submeter-se ao nazismo.

A história é baseada no livro Defiance, escrito por Nechama Tec. O filme é dirigido por Edward Zwick, responsável por filmes como Diamantes de Sangue, (2006), O Ultimo Samurai ( 2003) e Nova York Sitiada (1998).

Tarek Bielski ( Daniel Craig) e Zus Bielski ( Liev Schreiber) interpretam os dois irmãos. Ambos estrelaram filmes importantes. Craig é o detetive 007, com licença para matar, em 007 Quantum of Solace, que esteve em cartaz há pouco tempo em Porto Alegre. Liev Schreiber é o Victor Creed de Wolverine, que entrou em cartaz na semana passada.

Da mesma forma que em Wolverine, o relacionamento entre os dois irmãos é o fio condutor do filme. A abertura mostra o horror da perseguição aos judeus em 1941, na Bielo- Rússia. Os irmãos Tarek, Asael ( Jamie Bell) e Zus fogem para a floresta após encontrarem os corpos de seus pais, mortos pelos nazistas, na casa de campo onde moram. Assassinatos brutais aconteciam a qualquer hora. Oficiais nazistas obrigavam os judeus a ajoelhar-se. A execução rápida e cruel consistia em um tiro certeiro na nuca da vítima, economizava balas. Fico chocada, cada vez que vejo as imagens na tela.

O cinema sempre nos mostrou este lado desumano e repugnante da Segunda Guerra Mundial. Acho importante que essas cenas sejam mostradas sempre uma vez mais. Reviver o holocausto é uma forma de manter viva a lembrança do mal e da barbárie que ele representou. A humanidade precisa reacender a memória desses acontecimentos para que eles não se repitam.

Os judeus acossados ou tentam fugir ou se submetem à Gestapo. Nas vilas, há muitos colaboracionistas, que delatam as famílias judias ou denunciam seus esconderijos. Mas existem aquelas histórias fantásticas de pessoas que arriscavam tudo para ajudá-los.

Tarek e Zus, no início, pensam somente em fugir. Descobrem o irmão Asael escondido pelos pais, no porão da casa. Esse tipo de sacrifício era comum, os pais davam a vida pelos filhos.

O filme é muito, muito tenso. Os três fogem para a floresta. Cego pelo ódio, Tarek faz justiça com as próprias mãos. Descobre que seus pais foram mortos por Borneki. Sai da floresta, entra na casa do assassino e o mata. Quando seus filhos reagem e tentam se levantar da mesa, ele os mata também. A mulher do assassino grita, desesperadamente, numa cena de emoção insuportável, para que Tarek a mate também. Ele descarrega ao revólver na infeliz.

A vingança, para Tarek e para mim, com certeza, tem um gosto amargo. No momento de tensão em que nos identificamos com ele, sentimo-nos aliviados. É verdade, nos sentimos vingados, com a morte da família do assassino. Ouvimos dentro de nós: morre criatura infame e desditosa! A mulher não merecia a piedade de ninguém. Mereceu morrer! Pensei isso tudo naquele instante. Nessa catarse, descarregamos a violência que trazemos dentro de nós, que não queremos ver ou saber, muito menos mostrar. Como no filme de Jerry Lewis, quando ele espeta a medalha no peito do nazista ao condecorá-lo. Para saber o nome do filme somente perguntando ao Luiz Carlos Merten. Nunca esqueci a cena. Adorei a comédia de Lewis. Mais tarde descobri que o genial tinha sido Chaplin. Ele tinha feito a cena original.

Aos poucos vão aparecendo os vultos na floresta úmida e fria, carregando uma malinha ou poucos pertences. Algum de nós imaginou-se nessa situação? Surgem as donas de casa, os professores, os intelectuais, criaturas que não tinham a menor idéia de como seria viver ao relento, num país de clima gélido.

Tarek e Zus sem perceber, sem planejar nada assumem a liderança do grupo. O filme segue a trajetória desses seres desgarrados, que não se sabe como, prolongaram suas vidas, dizendo para si próprios, que bastaria um dia a mais que vissem a luz do dia, para que se sentissem contentes e realizados.

Tarek transforma-se, lidera o grupo. Muitas e muitas vezes tudo vira uma anarquia geral. Acendem fogo na floresta. Como os nazistas não viam aquela movimentação? A história é verdadeira, os nazistas deviam ser muito desorganizados ou a floresta era muito grande. O jovem consegue dominar a situação e tem o apoio do irmão Zus. São estabelecidas regras, como a de dividir a comida e separar-se em grupos para roubar alimentos no vilarejo. Como conseguiram esse milagre? Havia noites em que não havia o que comer. Cada um servia-se somente de uma, uma colher de sopa!

Os fugitivos aumentam. Zus pergunta ao irmão como ele pretendia alimentar aquele bando de famintos? Tarek discursava e pensava verdadeiramente que cada dia de liberdade era um ato de fé. Nossa vingança é viver, afirmava. Cada dia de vida que tivermos a mais será como um ato de fé. Teremos que viver como seres humanos e não como animais.

A mais bela cena é a sequência do casamento. Com um toldo improvisado, os noivos fazem suas juras de amor. Num contraponto, vemos o tiroteio dos guerrilheiros que se transformaram em partisans. As cenas se completam. Uma é o oposto da outra. Na primeira, a festa, a neve caindo em flocos sobre o grupo de judeus, que terminam festejando a cena seguinte, onde os nazistas caem um a um, abatidos a tiros de submetralhadoras.

Existe rivalidade entre os dois irmãos. Zus critica Tarek afirmando que ele não tinha coragem de fazer o que precisava ser feito. O grupo tinha sido delatado pelo leiteiro que Tarek poupara. O filme conta ainda a história de Asael e Chaja. O jovem é docemente encorajado pelo irmão a namorar Chaja.

Daniel Criag está muito bem no papel de Tarek, consegue encarnar as imperfeições do personagem e sua teimosia em seguir adiante. Liev Schreiber está melhor em Wolverine. Entretanto se lembrarmos o insípido Raymond Shaw, filho da senadora Eleanor Prentis Shaw (Maryl Streep) em Sob o domínio do mal, de John Frankenheimer veremos que Liev mudou, ficou mais bonito. Talvez devido ao personagem, mas é um dos poucos atores que ficou mais atraente com alguns quilos a mais.

Separado do irmão pela rivalidade, Zus parte para lutar junto aos russos. Finalmente o grupo é quase exterminado pelo bombardeio dos aviões alemães. São obrigados a sair da floresta e atravessar o pântano. Quando conseguem vencer o maior obstáculo, os tanques inimigos os surpreendem.

A platéia espera ansiosa que aconteça alguma coisa, e acontece. É a fórmula de contar a história à moda de Hollywood. Zus retorna como um verdadeiro herói e abate um a um os alemães, para gozo da platéia.

Enfim, pode ser uma forma de contar a história, mas o que não se pode ignorar é que ela é verdadeira. Sabe-se que houve realmente um grupo de judeus que pegou em armas e se refugiou em diversas florestas.

A odisséia dos fugitivos é de uma tristeza desmedida. O filme é criticado por estar na esteira de um rico filão de filmes americanos que exploram comercialmente o holocausto. Após a Lista de Schindler, em 1995 surgiram inúmeros filmes sobre o holocausto, pequenos e medíocres. Muitos desonestos como A vida é bela, que deu o Oscar a Roberto Benigni. E Oscar entregue pela bela Sofia Loren. O último deles - O menino do pijama listrado- explorava o improvável.

Se essa leva de filmes comerciais e de gênero comum nos incomoda, o que ninguém pode negar é que de fato o holocausto existiu. Podemos citar filmes belíssimos sobre o tema, como O diário de Anne Frank, O julgamento de Nuremberg, A Lista de Schindler, A escolha de Sofia, Adeus Meninos e tantos outros.

Um ato de liberdade mostra os judeus, como pessoas que se transformaram em agentes da história, não mais como vítimas submissas. Aliás, este era um aspecto que atormentava o diretor que, paradoxalmente, sentia-se envergonhado e fascinado pelo mórbido das cenas de horror.

Um ato de liberdade não mostra a passividade do povo judeu, e se isso pode remeter à atual guerra entre judeus e palestinos é simplificar uma história por demais complexa. O que espero é que um dia filmes como Valsa com Bashir, que explora o complexo de culpa dos judeus que participaram do massacre na Guerra de Líbano, em 1996, torne-se tão importante e seja visto por milhares de pessoas, como aconteceu com a Lista de Schindler.

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