" O que não contas a tua mulher, o que não contas a tua família, contas a um estrangeiro, em uma estalagem da Galícia'' . Eis a história de Macário ( Ricardo Trepa), o personagem de Eça de Queirós, do conto ''Singularidades de uma rapariga loura''. O filme é do cineasta português Manuel de Oliveira, que o dedica à família de Eça de Queirós. Lindo, lindo, faz jus à obra do grande escritor português. Tudo é perfeitamente adequado à descrição de Eça, desde o décor, às cenas de interiores, com o mobiliário pesado, muita madeira em tons amarelados até as tomadas externas, mostrando a arquitetura portuguesa e a paisagem distante da cidade. Vê-se a antiga fortaleza com grossas muralhas e o perfil da igreja de duas torres, que se destaca do casario, subindo a elevação. Cor e iluminação, na paisagem, marcam os episódios do conto e a passagem do tempo, na pacata Lisboa, onde vive Macário. Se você quiser dar uma olhada nas raízes portuguesas da arquitetura brasileira, verá, está tudo no filme de Manuel de Oliveira, mesmo que ele sequer tenha pensado nisso. Lá estão os casarões, os cunhais pesados, os pedestais, as portas de vidro e madeira, as varandas e os balcões de ferro.
Eça de Queirós foi um implacável crítico da sociedade portuguesa e de sua falsa moral, no século XIX. Desta vez seu personagem, o jovem Macário, é íntegro e correto, mas muito ingênuo. Sofre agruras em nome do amor e da atração que sente por Luísa (Catarina Wallenstein), a jovem loura, que rouba seu coração. Mulher belíssima, sacode o leque com graça inigualável. Romântico, crédulo, Macário consegue provar a seu tio Francisco, que além de ser um homem honesto é capaz de enriquecer e levar os negócios à frente. Por isso, o tio que a princípio desaprovara seu casamento com Luísa, volta atrás. Não só o readmite, como o aceita como sócio, incentivando o matrimônio com a rapariga loura. Eça mostra que a jovem Luísa linda, perfeita, loura, que bate o leque como ninguém existe apenas na imaginação e nos sonhos de Macário... E assim, vemos Macário, no vagão de trem contando seus dissabores e seu infortúnio para uma estranha. Se você um dia sentir necessidade de contar para um estranho o que nem por sombra você contaria para sua família, não hesite, faça como Macário conte sua vida para um estranho e desabafe... Faça de conta que você é um personagem de Eça de Queirós, quer coisa mais emocionante, maior glória?