quarta-feira, 30 de abril de 2014

Sete Caixas

O filme é paraguaio! Você já ouviu falar em filme paraguaio? Tudo é muito familiar, faz lembrar o mercado de Puno ou barro em Dom Pedrito. Com certeza a sensação de "déja vu" remete à pobreza que vi uma vida inteira. 
Victor (Celso Franco) é o menino que trabalha como carregador no mercado. É o personagem principal , difere do resto até porque sonha! 
Poderia ser a própria personificação do diretor, em seu amor pelo cinema. O menino sonha em filmar e ser filmado! Deseja participar de um outro mundo, o mundo do outro lado da telinha da TV, tão oposto ao seu. Nada melhor que um celular com câmera para realizar esse sonho. Para isso, Victor precisa trabalhar muito. Topa qualquer parada e aceita a metade de uma nota de 100 dólares para receber a outra, quando entregar uma "mercadoria delicada", distribuída em Sete Caixas.
Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori falam de uma outra estética, de uma estética da pobreza, de pés quase descalços, de pastéis de feira engolidos e mastigados com a boca aberta, fala de dentes tortos, escuros e fora do lugar, de óculos de grossos aros, com certeza, comprados sem receita médica;  fala de pobreza e opressão. Fala de mulheres em sub-emprego, aliciadas por estrangeiros, cuja fala não compreendem. Fala de negociação sexual entre mulheres e policiais, fala de crime, muita ignorância  e podridão.
Mas Juan Carlos e Tana fazem da tragédia uma comédia, e as aventuras de Victor passam a ter um toque de Pedro Malasartes. Os quiprocós se sucedem, ninguém segura o riso quando os chefões do crime, uns coitados subdesenvolvidos, trocam os códigos, "tomate" por "alface" e cometem as maiores barbaridades!
Victor como um anjo e sua candidata à namorada , a esperta Liz (Lali González)- verdadeiros heróis - passam pelo inferno e purgatório. Mas estamos seguros, com os heróis nenhum mal acontecerá. Como Ulisses poderão voltar ilesos para casa!
"Dale"Paraguai, tão mal amado, tão pobre e submisso aos doutores "Montenegros" de "Yo El Supremo"de Augusto Roa Bastos. Mas guarde,  Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori, esbanjando criatividade  foram capazes de sacudir a mesmidade que circula por aí! Não perca!

Alabama Monroe


O tema de Alabama Monroe é a dor e o sofrimento. Felix Van Groeningen, o diretor, marca os tempos com perfeição. O resultado é um filme diferente, embora os temas da perda e da dor pungente sejam recorrentes no cinema. Alice (Veerle Baetens) e Didier ( Johan Heldenbergh) se conhecem e se apaixonam. Ela é tatuadora, ele cantor folk. Desta forma, os temas do amor e da paixão são marcados com ardor! O casal literalmente pega fogo. Depois vem a paixão do cantor pela música e seu gosto por grandes compositores. Além de compor e cantar, Didier demonstra profundo conhecimento musical. 

Van Groeningen marca os momentos de felicidade com a banda tocando as mais belas canções. A seguir, vem o tempo da família. Maybelle, a graciosa menina vem aumentar a felicidade do casal. E, quando a doença se instala e toma conta da criança, não existe equilíbrio capaz de suportar tamanha dor.
Quando o casal entra em crise, surgem críticas e físsuras que se aprofundam, enormes como as de San Andreas.    Um destino trágico se cumpre, o inevitável acontece, e marido e mulher se devoram. Felix Van Groeningen fala dessa dor e desse sofrimento. Mostra as tentativas que as pessoas fazem para sobreviver, como por exemplo, acreditar que o ser amado, morto, poderá voltar sob a forma de um passarinho. Por que não? Em Alabama Monroe, o tempo da dor e do vazio, também é marcado pelas melancólicas canções da banda. Finalmente, o conflito entre o caráter sonhador da mulher e visão realista do homem destrói qualquer tentativa de superação da perda. 
Embora pesado e doloroso, Alabama Monroe é um belo filme. Não deixe de assistir!

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Refém da Paixão


Refém da Paixão à primeira vista parece daqueles filmes eróticos, de histórias de mulheres reprimidas que terminam transgredindo - e muito - vítimas de paixões avassaladoras. Até que o filme tem um pouquinho disso tudo, mas lá pelas tantas, quando o espectador começa a imaginar possíveis desfechos, parece que a história perde o ritmo. 
Refém da Paixão fala da mulher através da visão do filho. A personagem Adele interpretada por Kate Winslet reflete sobre sua condição feminina. Acredita que as pessoas discorrem sobre sentimentos e valores como honestidade, coragem e perseverança, mas ninguém diz nada a respeito da necessidade que uma mulher sente de ser tocada, desejada, amada. Adele vive a grande solidão com o filho adolescente. Insegura e depressiva se movimenta nos limites do stress.
A dedicação do adolescente à mãe emociona. No entanto, ele sabe que não pode substituir as carências afetivas e sexuais de sua mãe. Eis que surge a figura masculina que promoverá a grande transgressão. Despertará em Adele os sentimentos mais contraditórios. 
Em uma espécie de Síndrome de Estocolmo, mãe e filho se envolvem com o fugitivo Frank ( Josh Brolin) que por cinco dias se transforma em amante, pai e marido. Diante da lei, ajudar um suposto criminoso, perseguido pela justiça é crime, que poderia ser penalizado com a perda da guarda do filho. 
A cena clássica de erotismo que já vimos em Ghost, do outro lado da vida, com Patrick Swayze e Demi Moore: Josh ensina mãe e filho a fazer uma torta de pêssegos, com muita classe, açúcar e erotismo. Os cinco dias marcarão para sempre as vidas dos personagens e contribuirão decisivamente para o amadurecimento do menino. 
Embora o inconveniente da presença de três atores para o papel de Henry, é óbvio que Gattlin Griffith é o melhor. Refém da Paixão é um belo filme que apesar das afinidades com Bonnie and Clyde, possui um final conformista? Ou otimista? Confira.

Júlio Sumiu


Júlio Sumiu é uma comédia leve e debochada cujo personagem central é a mãe, Edna, interpretada por Lilia Cabral, em torno de quem giram marido , filhos, a equipe da delegacia e até Tião, o chefão do tráfico na favela. 

A confusão tem início quando Júlio, um dos filhos, some. A mãe não consegue mais dormir. Vai parar na favela, recebe um telefonema avisando que se não pagar o mundo virá abaixo. Feita a confusão entre os dois filhos, fica no meio do tiroteio, tentando negociar com  Tião Demônio. Os personagens são divertidos. Tudo é puro estereótipo, não importa. A equipe da delegacia é de morte! O delegado (Augusto Madeira ) está engraçadíssimo, tendo que apelar para o Viagra para conseguir enfrentar a Poderosa Carolina Dieckmann. Como o diretor reza pela antiga fórmula que polícia e bandido é a mesma coisa, Stephan Nercessian, o delegado Barriga, não foge à regra. Está um verdadeiro bagaço. Virou um lixo. Nada faz lembrar o belo garotinho do início da carreira. Não precisou muito esforço para encarnar o outro delegado corrupto. 
Roberto Berliner, o diretor, debocha do que sobrou das forças armadas. O pai, capitão aposentado e Júlio, o filho sumido, em típica nostalgia dos tempos da ditadura, ainda acreditam em treinamento militar nas Agulhas Negras! Para infelicidade de ambos, o apartamento vira uma Boca Livre!
É assim, as gags são a curtição e o divertimento! E as meninas ainda por cima poderão conferir a beleza do filho de Fábio Júnior. Nada como fazer fui- fui para o Fiuk!

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Noé

Noé não deveria nos impressionar,  é  um relato bíblico de domínio público. Lemos ou nos contaram, nas aulas de religião - do Padre José - quando éramos crianças. Afinal, todo mundo sabe que Deus ordenou Noé a reunir um casal de animais de cada espécie e colocar todos numa arca para salvá-los do dilúvio, que inundaria a face da terra. Que Deus estava muito incomodado com os pecados da humanidade e fez isso para acabar com os homens, ainda bem que essa parte eu não lembrava. Acima de tudo, é um filme sobre o amor e deixa o espectador com um nó na garganta.
Jennifer Connelly, como a mulher, Emma Watson, como a filha adotiva Ili estão bem. Mas   Russel Crowe está soberbo, faz um Noé magnífico, com a voz rouca, de tremor de terra.
Os efeitos cenográficos  são bons, mas aquela água brotando do fundo do mar, como uma chuva de chafarizes, é um exagero! Dilúvio não é assim, um espetáculo de luzes e águas! É muito mais como um tsunami! Ficou artificial e o mesmo se pode dizer dos bichos, todos da era digital, nada verdadeiro. É preciso ter paciência para suportar a mediocridade de certos malabarismos da 3D!
Segundo a Bíblia, Noé leva para dentro da arca, a mulher e os três filhos, Sem, Cam e Jafé. Faltam esposas para os outros dois. O filho responsabiliza o pai por sua solidão e falta de noiva. E o patriarca passa a ser a grande vítima de si mesmo. Acredita piamente, ter sido encarregado por Deus de salvar a humanidade, e nesse gesto não estariam incluídas as mulheres para o segundo e o terceiro filhos. A desgraça do patriarca é ser o alvo de ressentimento e ira do filho, verdadeiro drama. Para qualquer pai, isso é a suprema infelicidade.
O diretor toma liberdades ao contar a história. Mostra o drama do homem, que acredita ser um instrumento de Deus para concretizar a Sua vontade. Não se sabe bem porque Noé tem uma fé tão forte e acredita cegamente que devem salvar-se apenas ele e sua família. Essa Gênese não se explica, é o mito da fé, por isso é tão emocionante o drama vivido pelo personagem.
Em nome desta mesma fé e da tradição, precisa matar a criança que nasce, se ela for mulher. Uma das cenas mais dramáticas que assisti nos últimos tempos é o conflito vivido pelo personagem, dilacerado entre  o amor pelo ser inocente e a necessidade de obediência a Deus. A ideia de que somente ele poderia salvar o mundo do mal, quase o transforma em algoz da própria família. Mal sabe nosso trágico personagem que sua arca já estava contaminada pelo  mal, com o beneplácito do filho traidor. Muito provavelmente,   está parte não estava na Bíblia, porém o essencial do relato foi mantido.
Apesar de tudo o que foi dito sobre os problemas da terceira dimensão e da artificialidade dos animais, não perca, fique nas primeiras filas e talvez, nem assim, você se livre dos mal educados que acendem o celular no escurinho do cinema.



terça-feira, 8 de abril de 2014

Gaiola de Ouro

Gaiola de Ouro é um filme leve e adorável, do diretor Ruben Alves. Portugal em crise exporta mão de obra para a França. Por isso mesmo, os brasileiros que visitam Paris, se sentem solidários com  estes trabalhadores que falam português, como se fossem de casa. Pura imaginação, um Atlântico e muita colonização nos separam. 
Enfim, Maria (Rita Blanco) e seu marido José Ribeiro (Joaquim Almeida) trabalham em Paris. Ela como síndica e ele como zelador. A atriz está ótima como a funcionária perfeita, que cuida de todos os moradores do prédio e conhece as necessidades de cada um. O marido é a mão direita do patrão,   trabalha em qualquer horário. Está sempre pronto para pegar no batente. 
Até o dia em que recebem a notícia que são herdeiros de uma fortuna deixada pelo irmão que os abandonara na Rua da Amargura. 
Gaiola de Ouro fala sobre o lado bom da vida em família, mesmo com seus altos e baixos. Fala dos sentimentos de amor- admiração, misturados à necessidade de explorar e enganar o outro. De usar nem que seja o próprio irmão, em benefício próprio. Tudo isso contado com muito humor e perspicácia. 
Português de Portugal, Ruben Alves diz de pessoas que não perderam suas raízes, sobre portugueses que acima de tudo amam a sua terra,  belíssima por sinal e que têm a oportunidade de reacender esses sentimentos.
Eu, quem sabe você, ou quantos outros perdemos nossas raízes. Deixamos tudo para trás! Não sobrou nada a não ser lembranças. Você voltaria? Resposta difícil, mas os acontecimentos do filme são incríveis! Mais ou menos como ganhar na loto! 
Como quase sempre acontece, em briga de família, em geral acontece o contrário! Um dos irmãos pode muito bem sair de mãos abanando do negócio familiar. 
Por isso mesmo, assista aos incríveis acontecimentos e divirta-se. Preste atenção na deliciosa apoteose familiar no final.