sábado, 31 de janeiro de 2015

Foxcatcher - Uma história que chocou o mundo

“Foxcatcher - Uma história que chocou o mundo” provoca um grande mal estar. Não é sem razão que minha filha Lucia sempre me diz que não gosta ver histórias verdadeiras no cinema. Por alguma razão elas estão ali, e quase sempre a história é pesada. Desta vez é óbvio, faz jus ao título do filme.
Steve Carell está incrível como o desequilibrado milionário John duPont. Mais incrível ainda é o jovem Mark Schultz (Channing Tatum), campeão olímpico de luta greco-romana, acreditar na história mal contada de duPont. É verdadeiro que o campeão tinha problemas de relacionamento, sonhava muito alto e acreditou que as intenções do milionário eram louváveis. Porém não demorou muito tempo para ver que tudo aquilo era uma grande encenação.
DuPont é caracterizado de uma forma tão desagradável que chega a ser grotesco, um pouco gordo, pálido, mole e flácido, provoca nojo no espectador, que fica fascinado pelo horror de seus dentes mal cuidados. DuPont só não enganava a mãe, interpretada pela belíssima Vanessa Redgrave.
Para completar a sucessão de desgraças, Mark consegue arrastar o irmão, David para o ninho da cobra. Imagine que tudo vai terminar muito mal, e de fato a desgraça terá que se anunciar.
O diretor não cita abertamente, mas você notou que era um filme sem mulheres? Todos aqueles homens e nenhuma mulher? O centro de esportes de duPont seria uma forma também de aliciar jovens, belos e musculosos? Você notou que chegou um momento em que Mark, além de beber, cheirar cocaína, tudo ensinado pelo mestre de Foxcatcher,  encarregava-se de um trabalho mais íntimo de fazer a barba e cortar o cabelo do chefe? Como se fizesse outros favores? O diretor mostra um mundo cínico e decadente de causar dó!
Outras cenas que mostram um mundo masculino são os momentos do encontro entre os dois irmãos. Mark Ruffalo, o David,  está ótimo como o irmão mais velho, protetor e instrutor de Mark, forte no braço, mas frágil no caráter. Os gestos do abraço entre os dois irmãos lembram uma reencenação da Pietá de Michelangelo, como se David abraçasse um irmão irremediavelmente perdido e fadado ao fracasso.

Prepare-se, não deixe de assistir e fique chocado sim!

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Livre


Livre é uma viagem interior, na qual a protagonista percorre uma trilha em busca de si mesma. O filme do diretor Jean-Marc Vallée é muito, muito bom! E tem tudo a ver com cada um de nós. Porque? É assim, a personagem Cheryl Strayed, interpretada por Resse Witherspoon, como qualquer pessoa, vai vivendo a vida. Problemas, fracassos, perdas, como sobreviver a tudo isso? Cheryl como toda filha critica seus pais, embora tenha uma mãe dedicada. O pai é alcoólatra, com quem ninguém se preocupa. Afinal ele transforma-se no inimigo e em perigo para a família. E, azar se não se tratar, a filha  nunca mais o encontra.   
Depois de perder a mãe, tem seu casamento destruído. A separação é inevitável. Para enfrentar tantos infortúnios, começa a usar drogas, injetadas diretamente na veia! Muito duro assistir ao processo de destruição da personagem.
No início do filme, Cheryl já decidiu, está prestes a iniciar uma trilha, onde percorrerá sozinha, mais de 1000 km. Você que em toda a sua vida conseguiu simplesmente caminhar ou correr 5 km por dia, três ou quatro vezes por semana – e acha que conseguiu grande coisa! Já pensou no que significa o desafio?
A personagem é uma mulher pequenina, deve ter em torno de 1,53 m. Cai muitas vezes antes de conseguir levantar a mochila, pesada  demais! Lembra a milonga “Pa qu’el se va”, de Alfredo Zitarrosa, quando ele, canta:

‘’No te olvides del pago
si te vas pa la ciudad.
Cuanto más lejos de vayas
Más te tenes que acordar.

Certo que hay muchas cosas
Que se pueden olvidar,
Mas algunas son olvidos
Y otras son cosas nomás.

No eches en la maleta
Lo que no vayas a usar
Son más largos los caminhos
Pa’l que va cargao‘ de más.
...
Y si sentís tristeza
Quando mires para trás
No te olvides que el camino
Es pal’ que viene y pal’que va”.

Essa música de Zitarrosa é belíssima, me acompanha uma vida inteira. Pensando bem, tem um pouco a ver com o filme. Pois, a personagem fala consigo mesma o tempo inteiro. Vive consigo mesma, tem sua cabeça repleta de pensamentos, a todo momento. Lembra cada um dos muitos de  erros cometidos, de todas desgraças, como todos nós. Quantas vezes lembramos perdas ou coisas que não deveríamos ter feito? Finalmente diz para si mesma:
- “E se tudo o que eu fiz serviu para me tornar uma pessoa melhor? “
Ou quando pensa nas coisas para as quais não deu o devido valor:
- ”Nos últimos anos, agi como se ele não fosse nada para mim, mas ele era tudo”!
Bonito é o que ela pensa em voz alta:
- “Por cada pedacinho da minha mente passaram os problemas, agora tenho promessas a cumprir e quilômetros a rodar antes de dormir”. E quem sabe? Seguindo os conselhos da mãe conseguiu encontrar o melhor dentro de si mesma...
Enfim, Livre pode nos servir de exemplo de como é importante falar consigo mesmo, escrutinar cada pedacinho da mente, cada lembrança, para finalmente aceitar a si próprio, cada um com suas limitações, mas enfim transformado em uma pessoa melhor, que percorreu um longo caminho em busca de si mesmo. É desse reencontro que todos nós precisamos.
É por isso também que amo tanto a poesia de Rainer Maria Rilke quando ele também canta:
“Ó nostalgia dos lugares que não foram
 Bastante amados na época passageira
 Quem me dera devolver-lhes de longe

O gesto esquecido, a ação suplementar”.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Ida

Ida é um filme muito bonito. Sem ser especialista atrevo-me a lembrar a frase de Glauber Rocha. Com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, Pawel Pawlikowski realizou uma obra de arte. Ao que parece o filme não custou os milhões de dólares das películas americanas. Em quase todas as cenas, a câmera está parada e os personagens movimentam-se contra um cenário cuidadosamente produzido, de uma beleza cinza e triste, refletindo o drama da Polônia, 17 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial.
Preste atenção, os cenários são fragmentos pobres da cidade e das casas , mas que, na criação do artista se transformam em coisas únicas, como a cena em que Ida e o jovem trompetista estão sentados na frente de um portão de ferro. Sem a visão do diretor , seria um simples portão de uma casa humilde, na triste  Polônia. Com Pawel, transforma-se em obra de arte. O mesmo acontece quando tia e sobrinha chegam ao cemitério acompanhadas do polonês, à procura do local onde os pais da jovem estavam enterrados. Os pinheiros formam um conjunto pesado, fechado e lúgubre, como arte fotográfica. 
A beleza das cenas se repete. Ida não “pega” o espectador pela emoção, mas pela estética. Cada quadro é cuidadosamente estudado, indiferente se é um close ou um plano geral, que mostra uma estrada distante.  O formato quadrado valoriza os primeiros planos, com os rostos das personagens. Pawlikowski mostra uma cidade, onde mesmo a juíza, vive na maior simplicidade, em um ambiente gasto. Os cenários mostram a pobreza de um país desgastado pela guerra.
Ida foi deixada em um convento. Nenhum parente interessou-se por ela, nem a única tia. Antes de prestar os votos, a madre superiora à envia de volta ao mundo.
Ida é uma menina, órfã abandonada, prestes à jurar os votos e tornar-se  freira. Quando chega na casa da tia, descobre que é judia. Wanda,  a vermelha, não consegue afastar a depressão com que encara o mundo. Deixa-se levar  por um  comportamento destrutivo, bebe e fuma sem parar,  e ainda  carrega para a cama os homens que encontra nos bares…No mesmo instante em que enxerga a sobrinha, deixa cair todas as defesas e se entrega aos doces laços entre tia e sobrinha. 
Pelo menos a tia tenta mostrar o que para ela ( e para mim também) seria o melhor caminho para Ida. Quem sabe essa menina abandona essa ideia de ser freira, casa, forma uma família e tenta ser feliz?
Ida não deixa de fazer o que a madre superiora lhe propiciou - levar uma vida normal distante da reclusão do convento, com as delícias e tentações do sexo, encontrar o homem que poderia ser o companheiro de uma vida inteira.

A história se passa nos anos 60, Pawel  mostra o lado cinza da Polônia, sabe-se da perseguição e morte aos judeus, de suas casa expropriadas nào por nazistas, mas pelos próprios poloneses. De judeus não assassinados por nazistas, mas pelos próprios vizinhos! E ainda temos que ouvir a proposta indecente do assassino que troca a informação do lugar onde enterrou os pais de Ida, pelo título de posse da casa. Essa história é muito dura  para os próprios poloneses... E para retratar todo esse ambiente, ouve-se apenas a fala dos personagens, contra o cenário pesado e cinza. Trilha sonora? Raramente, apenas o som da música clássica, em um dos momentos de desespero da tia ou na explosão de vida do jovem que toca no bar em homenagem à    John Coltrane.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O Invencível


Angelina Jolie não dá a menor chance  ao espectador. Os críticos podem até dizer que seu filme está na esteira das produções de Hollywood que há um século banalizam e pasteurizam os personagens que querem reverenciar. E daí? Garanto que o espectador não está nem aí. Entra de cabeça e  coração na alma do personagem Louis Zamperini.
Aliás, o verdadeiro Zamperini, cuja história eu desconhecia, é um nome novo,  a quem sempre poderemos invocar como símbolo de força, tenacidade e perseverança. E ele corria! E corria muito! Quando era adolescente,  foi incentivado a correr, pelo irmão mais velho - que doce de irmão! Mal sabia ele o quanto seu empurrão foi importante para Louis! Eu sempre disse, o que mais as pessoas  precisam é de incentivo!
Jack O’Connell, o ator, tem apenas 24 anos, é uma graça. Se Angelina filmou em torno dele, não poderia ter feito coisa melhor. O personagem  irradia força e simpatia, o sorriso com dentes desalinhados é um verdadeiro encanto. Lembra um pouquinho o charme irresistível de Wagner Moura. Para que mais? Passamos os 124 minutos de olho grudado em Zamperini. Com ele, nos tornamos heróis das Olimpíadas e quase morremos na relação de barbárie com o torturador.
Na vida real, ganhou o prêmio dos 5.000 m nas Olimpíadas de 1936, quando o herói negro teve sua medalha cassada por Hitler.
Em 1943 vai para a guerra,  seu avião, um B-24, cai no Pacífico. Por muitos dias, ele e mais dois amigos, flutuam perdidos na imensidão, ameaçados por tubarões. Zamperini não quer nem ouvir que vão morrer. Até nisso bateram recordes. Depois de 47 dias à deriva são resgatados e presos por um pelotão japonês.
Aí começa o terceiro ato - drama e sofrimento. E o pior é que tudo aconteceu de verdade. Mutsuhiro Watanabe é o japonês torturador. Não se sabe porque uma alma se torna tão amarga e mesquinha a ponto de sentir prazer em torturar o inimigo. Invariavelmente, explica para os prisioneiros:
- Vocês são prisioneiros de guerra, são inimigos do Japão e receberão o tratamento dado aos inimigos.
No primeiro olhar, o torturador escolhe sua vítima. Também ele sentiu a força de Zamperini. Watanabe, a Ave, se confundia. Não sabia até que ponto desejava que Louis levantasse os olhos, olhasse para ele e sustentasse um olhar desafiador. No clímax, em que o personagem é obrigado a levantar uma enorme viga de madeira, grita, mostrando toda a pouca força que ainda lhe resta. Mostra que é o vencedor.  E, a Ave ordena-lhe que não olhe mais para ele ! Nesse instante o torturador é derrotado. É como se nesse  preciso momento tivesse terminado a guerra. Enfim Angelina Jolie explora a relação doentia que se estabelece entre torturado e torturador.
Quando os aviões americanos sobrevoam o campo de concentração e jogam mantimentos, Zamperini vai até o quarto de seu algoz. Encontra a foto de um menino, pequenino, ao lado de um homem sério. Questiona-se, não entende o que aconteceu... Um ano depois, em 1946, casa, tem filhos e ainda participa de uma Olimpíada aos 80 anos!
O impressionante é que volta ao Japão e encontra os japoneses que o aprisionaram. Em busca de paz e libertação, quer perdoar... A Ave, consegue sobreviver... Sem coragem para sustentar o olhar do herói, nega-se a encontrá-lo. Imagino que sua alma e sua vida   tomaram o caminho de Judas...

Louis Zamperini faleceu  aos 97 anos, em 2014, e é um exemplo para cada um de nós!