segunda-feira, 31 de março de 2014

Trezentos

Se você for assistir ao filme 300 pensando em aprender alguma coisa de história, tire essa ideia da cabeça. O tema, a luta dos persas contra gregos e troianos interessa muito menos que a forma. Mais que uma análise temática, interessa mostrar  ação e  violência. 300 é um filme épico, de heróis e bandidos sanguinários, que pretende oferecer a barbárie, muita espada cravando no peito de soldados e muito sangue jorrando na tela. Tudo regado à música dramática e ação. E tem mais, para os amantes das histórias em quadrinhos, é ver as cenas e composições dos quadrinhos transplantadas diretamente para a tela do cinema.
Os heróis Temístocles e Artemísia, inimigos históricos sentem-se atraídos um pelo outro. A cena de sexo explícito, na frente de todo mundo, no navio, constrangeu até o mais bronco dos soldados. O sexo entre Temístocles e Artemísia foi além, e se transformou em verdadeira batalha entre o homem e a mulher. Fique atento ao caráter bélico da personagem, Artemísia não era mulher de se entregar, era uma lutadora feroz!
Finalmente para contrariar a história e indignar historiadores Xerxes sacode o corpinho dourado para movimentar algumas cenas. Na série 300, Xerxes nunca serviu para nada, a não ser exibir a musculatura e sentar-se num trono, bem protegido do perigo - nas palavras de Artemísia- que lhe joga na cara a sua absoluta inutilidade! O brasileiro Rodrigo Santoro  fica bem, encarnando Xerxes;  e Eva Green se supera em beleza, com os olhos verdes emoldurados por muita pintura nos olhos!

terça-feira, 25 de março de 2014

Pelos Olhos de Maisie


Pelos olhos de Maisie é um filme emocionante que nos remete ao passado. Como o tempo voa ou somos nós que voamos com o tempo, lembro o verso de Rainer Maria Rilke: " ó saudades dos lugares que não foram bastante amados na época passageira, quem me dera devolver-lhes o gesto esquecido, a ação suplementar..." E os filhos teriam sido bastante amados na época passageira? Maisie que o diga. Em sua infância, passou de mão em mão, como se fosse um peso para pai e mãe. E houve até o dia em que foi esquecida na porta da escola...Os atores que fazem os pais são conhecidos e famosos, Julianne Morre e Steve Coogan, que interpretam respectivamente a roqueira Suzane e o curador Beale. Lembram-se do jornalista de Philomena? De fato, ele  está muito diferente!

O filme é baseado no romance de Henry James, de 1897 e conta a vida de Maisie cujos pais não se entendem e brigam de maneira irresponsável na frente dela. Tudo se desenrola através do olhar da criança, que deveria ser cuidada por pai e mãe. Irresponsáveis,fogem de suas responsabilidades delegando obrigações para outros, ou para os primeiros que aparecem.
O olhar da menina impressiona. Ela obedece, não chora, não reclama, muito menos faz cena de birra. Escorre apenas uma lágrima quando  percebe o abandono e a falência de pai e mãe. Suzane e Beale de fato são criminosos e deveriam perder a guarda da filha, o que não ficamos sabendo. Porém como nem tudo está perdido, na vida de Maisie, surgem pessoas doces e meigas, capazes de fazer circular o amor entre elas. O insólito grupo de três pessoas solitárias, a babá, o segundo marido da mãe e Maisie à revelia do que é estabelecido como a família normal, sem autorização de juiz, sem interferência de pai ou mãe, se unem e formam a família alternativa. 
Observe a doçura do olhar de Maisie, a ternura do pai "step" - lindo de morrer! - e da babá!
Sinta que quando os três se encontram o mundo muda, a paisagem se torna mais bela, a música mais alegre e suave. Sinta a mão que aperta a mão da criança com uma promessa de um futuro mais seguro e feliz!




sexta-feira, 14 de março de 2014

Tom Hanks e Emma Thompson vieram mais uma vez para arrancar lágrimas do espectador. Num primeiro momento você pensa, que bobagem ver a forma como se digladiavam os poderosos de Hollywood nos anos 60,  não me interessa! Nada disso, esqueça o preconceito e lembre-se da menina que adorava fazer o álbum de figurinhas da  Lady e o Vagabundo, ou ainda os outros álbuns da Branca de Neve e os Sete Anões, Gata Borralheira ou as revistinhas do Pato Donald e Mickey. Não esqueça a menininha que chorava pelo Pluto, achava que ele não merecia ser tão maltratado e ainda lembre-se dos terríveis Irmãos Metralha! Bandidinhos que você encontra todo dia não é mesmo? 
Tudo produzido pelo genial Walt Disney. Na época, só a senhora P. L. Travers se preocupava em pensar que os desenhos da Disney era animações idiotas! O diretor mostra a visita de Pamela ao mundo de sonhos Walt, quando as crianças lhe pedem autógrafos e dizem o quanto o amam. Ora a geração que hoje está na faixa do 60, não percebe o quanto ama Walt Disney e assim como Pamela, nunca vai esquecer os sonhos de infância. 
"Walt Disney nos Bastidores de Mary Poppins" é dos poucos filmes que renderam histórias de bastidores. Os fatos são verdadeiros. O diretor John Lee Hancock  conta a luta de Disney pela aceitação  da autora em vender os direitos autorais do livro. Ele havia prometido às filhas filmar a história de Mary Popyns, a super babá voadora, que chega com um guarda chuva para colocar na ordem na vida de uma família arrasada e perdida com a morte do pai.
Emma Thompson está genial como a irascível e teimosa P. L. Travers, que somente aceita viajar a Hollywood, quando se vê pressionada pelas dívidas. Chega com o esnobismo do colonizador, que faz concessão em ir até uma terra de americanos selvagens, que não possuem a velha cultura tradicional vitoriana, e muito menos   o verdadeiro sotaque britânico! He, he, he! Toda a equipe da Disney, treme nas bases para agradar à tinhosa!
Finalmente a senhora Travers baixa a guarda. Disney percebe que atrás da prepotência, está a fragilidade da escritora e que a história de Mary Poppins tem muito de auto biográfico.
Não deixe de assistir a este filme emocionante. Você vai adorar Emma Thompson e Tom Hanks!

terça-feira, 11 de março de 2014

RoboCop

RoboCop é a consagração de José Padilha. Difícil escolher o melhor filme, se Tropa de Elite ou RoboCop. As cenas de ação e violência protagonizadas pelo Homem-Máquina atingem a um plano de perfeição. Excitantes,  o espectador pode se deixar levar, se jogar na tela, voar na motocicleta junto com RoboCop e até inspecionar as possíveis ameaças olho a olho, pode se transformar na máquina que analisa o olho do possível inimigo, concluindo : "no treath". 
O primeiro RoboCop de 1987, mostrava a história trágica e instigante do homem que se transforma em máquina. Peter Weller era o herói, um ator bonito, jovem. O diretor mostrava somente a boca do personagem, belíssima. Nem queiram ver o Peter Weller de hoje, o tempo passou... Padilha mostra o rosto inteiro e os olhos líquidos e esverdeados do ator sueco Joel Kinnaman.
O diretor aprendeu a lição com George Lucas e Spielberg. No início, robôs ED-2009, patrulham ruas de Teerã, que nem "Star Wars". Ao mesmo tempo em que pronunciam "assalami alaikume" (a paz esteja convosco), exigem a rendição dos terroristas suicidas e os metralham. Matar terroristas com drones, isso pode em outros países, mas é proibido nos Estados Unidos! A Lei Dreyfus os proibe  em território americano,  lógica tipicamente "yankee".
José Padilha discute sobre a validade em empregar meios que rasgam qualquer ética, em nome de fins decididos por empresários como Raymond Sellars (Michael Keaton) e ainda analisa o tema da humanização-desumanização da máquina.
A empresa OmniCorp liderada por Sellars, na tentativa de burlar a lei,  propõe  a criação de um Homem-Máquina. A oportunidade surge quando  o policial Alex Murphy é seriamente ferido em um atentado. Do homem sobram  cérebro, cabeça, coração, pulmões e uma mão. O cientista Dennet Norman (Gary Oldman) cria o robô-humano. Transformado em caveira, Alex humaniza a máquina e lhe confere um pouco de consciência.
Enquanto RoboCop tiver um mínimo de consciência atenderá aos anseios do povo americano, que não quer robôs combatendo a violência. Querem uma máquina que sinta como um ser humano. O próprio empresário afirma que as pessoas não sabem o querem até que alguém lhes diga o que fazer. Seu objetivo é aumentar a potência de sua empresa da Omnicorp. Na verdade, para ele a violência robotizada é mal menor porque evita a morte de policiais e poupa vidas. Enquanto não conseguir revogar a Lei Dreyfus, aposta no super RoboCop que tem em seu software todo o banco de dados da polícia!
Em entrevista aos jornais, Padilha explica que a desumanização progressiva dos robôs e a aceitação da automatização da violência é meio caminho andado para o fascismo. Regimes autoritários e nazistas podem ressurgir com essa proposta! Quem vai culpar uma máquina que mata o inimigo em guerra? A crítica recai sobre a posse ou não da consciência por parte dos robôs. Por isso mesmo, o cientista interpretado por Gary Oldman é enfático ao explicar a relativa presença de consciência na mente de Alex Murphy quando ele está em ação.
A OmniCorp quer uma máquina parcialmente consciente: você é a sua capacidade de processar informação e  o diretor mostra o dilema do músico que tem as mãos automatizadas. Se a emoção impede o cérebro de processar as informações, ao mesmo tempo, o músico precisa da emoção para se expressar. O dr. Deennet Norman explica que RoboCop redescobre as funções cognitivas. Alex lembra de si mesmo dançando com a esposa Claire ao som de Frank Sinatra,  cantando  - não por acaso - " Another world" . O cérebro decide como agir baseado no cognitivo.  Porém, na hora do confronto, RoboCop não é capaz de tomar decisões, o software assume o controle e Alex se transforma no passageiro dentro da armadura de lata. Orgulhoso de sua criatura, o criador afirma que Alex possui a ilusão do livre arbítrio, ele pensa que está no controle. Aliado aos poderosos, como Judas, o cientista se vende por trinta moedas de prata e Alex cada vez mais se transforma numa máquina que pensa que é Alex Murphy!
E me digam se este diretor brasileiro José Padilha e sua equipe, também brasileira não fizeram um filme genial?

terça-feira, 4 de março de 2014

Nebraska

Woody Grant, vivido por Bruce Dern caminha pela estrada, com passos inseguros, pernas arqueadas, cabelo branco e arrepiado, óculos e boca entreaberta. Esse é o visual do idoso, que há muito tempo deixou a "chamada melhor idade para trás". 
Woody pretende ir à Nebraska, nem que seja a pé, para cobrar o prêmio de um milhão de dólares que acredita ter ganho. 
O policial o entrega a David (Will Forte) e temos aqui o início de uma parceria entre pai e filho. Que eu saiba é a primeira que vejo um filho dar uma oportunidade a um pai. Em geral, é o contrário,  os filhos cuidam dos pais encarando a tarefa como um peso enorme a ser carregado.
O diretor Alexander Payne analisa as relações familiares e a decadência da instituição "família". 
Quando pai e filho resolvem visitar familiares em Lincoln, a mãe e o irmão se juntam a eles. Na sala de visitas, onde estão sentados juntos a tios e primos, são surpreendidos pela impossibilidade completa de comunicação. Os parentes são de uma mediocridade à toda prova. Primos, gêmeos e desempregados, são o melhor exemplo da grossura em família. Tipos recorrentes em filmes americanos, gordos, porcos, invejosos, pobres de espírito, avaros e burros são tudo aquilo que ninguém merece ter por perto jamais!
Na sala onde irmãos e idosos se reúnem em torno de esposas e filhos o ar é pesado, as palavras são inúteis para revelar laços familiares que de fato, não existem. 
Você lembra daquela festa em família que terminou em briga e ninguém se divertiu?
A mãe, interpretada por June Squibb - mulher tosca e vulgar -  é de uma grosseria alarmante. Difícil encontrar senhora mais repulsiva.
Sim, o senhor Payne não fez nenhuma concessão ao pintar seus personagens. Ao mesmo tempo sua descrição não é  para provocar risos,  como Ettore Scola  em "Brutti, sporchi e cattivi", quando o personagem principal fica na mesma cama, com a mulher e a amante!
Aos poucos David descobre que o pai, que tinha fama de desatento com os filhos, não era nenhum monstro, como a mãe afirmava.
Payne humaniza  pai e filho. A grandeza de David consiste em dar uma última oportunidade ao  pai. Os dois rodam pelas estradas e terminam formando um último encontro familiar com a mãe e o irmão, com um mínimo de cumplicidade entre os quatro.
O filme, em preto e branco, é belíssimo. Finalmente, a generosidade de David permite momentos de felicidade ao pai, aparentemente vitorioso, tendo superado seus problemas nem que seja por alguns minutos...

Bruce Dern está excelente como o pai frágil, que ainda tem coragem   para sonhar! Foi indicado ao Prêmio de Melhor Ator por Nebraska.

domingo, 2 de março de 2014

A Menina que Roubava Livros

"A memória é o escriba da alma", a frase pronunciada pela Morte - narradora da história - sintetiza a ideia principal do filme de Brian Percival, baseado no livro  de Marcus Zusa "A Menina que Roubava Livros". O contexto é a Segunda Guerra Mundial.  Uma pequena cidade alemã vive sob o clima de plena ascensão do nazismo. A menina Liesel Meminger (Sophie Nélise) é retirada dos cuidados da mãe judia para ser adotada por um casal de alemães.  Seu irmão deveria ir junto, mas o menino morre durante a viagem, em um vagão de trem. No funeral, Liesel rouba um livro que não sabe ler: "Manual do Coveiro".  Nesse momento tem início sua caminhada em direção à superação,  tudo intermediado pelo roubo de livros. 
De início sofre para adaptar-se à nova vida, mas encontra no pai adotivo, Hans Hubermann, vivido por Geoffrey Rush, o apoio necessário para sobreviver. O tema é sério e doloroso, mas o diretor manipula a história como quem narra um "best seller", com todos os elementos necessários para produzir emoções e conquistar um grande número de pessoas, sem aprofundar muito ou provocar dor. Até a pequena cidade nazista parece um recanto de sonho, antigo, bege, romântico e cheio de suásticas coloridas! Como se isso fosse possível! Pura mistificação! Puro devaneio!
À medida em que Liesel é motivada pelo desejo de superação,  aprende a ler  e não pode mais ser chamada de burra pelos coleguinhas nazistas.  Fica fascinada pelos livros que a mulher do prefeito, Ilsa Hermann (Barbada Hauer)  coloca à sua disposição. Quando é escorraçada pelo mandante nazista, não resiste e entra sorrateiramente na mansão para roubá-los. Liesel se transforma, amadurece, cresce e  torna-se capaz de ajudar outras pessoas, simplesmente pela palavra. Por isso a Morte ao narrar a história, chama a atenção para a frase de Aristóteles: "A memória é o escriba da alma", evidenciando o quanto o ser humano é capaz de crescer e transformar-se através da leitura. Os livros roubados são o alimento da alma que mantém  vivo Max, o  judeu (Ben Schnetzer) que busca proteção junto à família Hubermann.
Sob os bombardeios é a voz de Liesel que recita de memória -  como um escriba da alma - as histórias que conheceu através de inúmeros autores como H. G. Wells, com seu "O Homem Invisível"- em referência ao que o acontecia no porão de sua casa. 
Ao roubar livros e devorá-los, torna-se capaz de recitá-los em voz alta. A Morte, que narra toda a história, mostra  a forma como a menina se apropria da palavra.  Finalmente quem a desperta para uma nova vida plena de realizações é seu amigo Max, (Ben Schnetzer).
O presente dele é um livro com todas as páginas em branco, um  desafio à criação, uma nova possibilidade para preencher vazios da autora e de seus futuros leitores  através da PALAVRA! Vejam só como Aristóteles estava coberto de razão!