domingo, 24 de outubro de 2010

O Solteirão (Solitary Man)

Michael Douglas é a razão para assistirmos a "O Solteirã0". Ou pelo menos para pensarmos em tudo aquilo que não deveríamos fazer, e é isso mesmo o que Ben Kalmen faz. O filme está longe de ser uma comédia, só se for uma comédia verdadeiramente dramática. Tudo o que faz é causar mal estar. Brian Koppelman e David Levien dirigem o filme centrado na personalidade de Ben Kalmen, interpretado por Douglas. Em quase tudo o personagem é um ex. É um ex marido, ex vendedor de carros (bem sucedido), ex milionário e ex na vida, beirando os sessenta não lhe sobrou quase nada.

Se Ben Kalmen não consegue fazer nada direito, ganha uma certa simpatia da platéia, nem que seja pela curiosidade de ver até onde ele aguenta, com seu egoísmo e falta de confiança em si mesmo e nos outros.

O elemento denotador da crise ou da falta dela é a revelação do médico de que o coração de Kalmen não está nada bem. Ele nega-se aceitar sua nova condição de portador de uma doença possivemente crônica. Não realiza os exames médicos e nem divide com ninguém suas angústias. Pelo contrário, usa seu corpo e mente como se fossem um trator, para atropelar tudo, a si mesmo e aos outros.

Resultado, todos o rejeitam. Sofremos um pouco pelo personagem, embora ele não tivesse corretivo. Mete-se em brigas, dorme com meninas, causa dor e sofrimento às mães que poderiam estar no lugar delas. Provoca dor e humilhações. Adora o neto, mas não se comporta como um avô que se preze. Recebe o troco, é preso devido a negócios excusos. Não consegue pagar o aluguel. Vive pedindo dinheiro emprestado para a filha. É proibido de ver o neto. Assegura a rejeição do genro. Poucos o acolhem, o amigo que não via há trinta anos e a ex mulher.

Quando consegue transformar-se no herói e incentivar um estudante a enfrentar seus medos e seguir em frente, tem o desplante de dar uma cantada na namoradinha do jovem. A vida de Ben é feita de dar foras. Aliás é ele mesmo que dá um fora em si mesmo. Michael Douglas brilha no papel de Ben Kalmen e assegura o interesse pela debilidade do personagem que não consegue enfrentar seus problemas. A crise atropela o ex grande Ben Kalmen, que precisa encará-la de frente ou sucumbir de vez.


sábado, 23 de outubro de 2010

Juntos por Acaso (Life as We Know It)

Katherine Heigl e Josh Duhamel estão "Juntos pelo Acaso", a comédia romântica dirigida por Greg Berlanti. A história é belíssima. Holly Berenson e Eric Messer são os padrinhos de Sophie, o bebê que é muito amado pelos pais, padrinhos e amigos. Acontece o imprevisível, os pais de Sophie morrem em um acidente e eles tornam-se a única referência para a menininha. "Juntos pelo Acaso" trata do amor incondicional. Holly e Messer precisam superar todas as suas diferenças e dificuldades para cuidarem de Sophie. Sem serem casados ou terem um caso precisam morar na mesma casa. O clima está preparado. Imagine tudo o que acontece.

Assim, o filme mostra como Holly e Messer se envolvem com Sophie e tornam-se seus pais verdadeiros. Pais adotivos e verdadeiros. Pais adotivos que não são casados. Pais adotivos que sentem uma atração um pelo outro desde o dia em que se conheceram, mas que se recusam a admití-lo.

"Juntos pelo Acaso" mostra a doçura na relação que se estabelece entre mãe e filha e entre pai e filha. Até aquela disputa entre o casal, a respeito de quem é melhor pai ou quem é melhor mãe? Mostra as primeiras noites de uma mãe que não foi preparada para ser mãe. Toda mãe se prepara nove meses para ser esse árduo compromisso. Holly vira mãe da noite para o dia. Acontecem as trapalhadas mais engraçadas. Quando o casal chega ao limite e não consegue fazer Sophie parar de chorar, a salvação é a babá, uma adolescente, doce e pequenina. Parece menor ao lado do casal, pois Holly e Messer são muito altos. Mesmo garotinha, a babá solta um suspiro diante do sexy Josh Duhamel (Messer), um cara muito bonito, moreno, com dentes lindos, cabelo meio desfeito e sempre um pouco suado. Esse visual não passava despercebido por ninguém. O belo ainda corria pelas ruas de Atlanta para ficar sarado e mais bonito ainda.

"Juntos pelo Acaso" emociona porque evoca o presente, o passado ou o futuro de todo pai e mãe. Não existe mãe adotiva - como Holly - que não lembre o dia em que ganhou seu bebê, ou mãe que não lembre o dia do nascimento da filha. A primeira noite, o banho quente demais que queimava o bebê e a mãe não conseguia sentir a temperatura da água, pelando de tão quente. A papinha que voava para todo lado. Enfim a calmaria, quando a Fofa pegava no sono. A angústia quando a febre subia ou quando bebê levava um tombo e tinha que correr para o pediatra ou para o Pronto Socorro. Tudo isso vemos em "Juntos pelo Acaso".

Holly e Messer, que se desentenderam no dia do primeiro encontro, continuam a trocar farpas, buscam outros parceiros. Cria-se uma situação delicada, quando Holly sai com o médico e Messer fica cuidando de Sophie, ou quando ele leva seus programas para casa e ela fica de olho. Os dois levarão um tempão para descobrir o que é uma verdadeira família, e nem cinco minutos para amarem Sophie e tornarem-se responsáveis por ela.

"Juntos pelo Acaso" é um filme sério sobre o amor incondicional e a capacidade de amar filhos que necessariamente não precisam ser de barriga.


domingo, 17 de outubro de 2010

Comer, rezar e amar

"Comer, Rezar e Rezar" (Eat, Pray, Love) tem levado milhares de espectadores ao cinema. É baseado no best seller autobiográfico da escritora Elizabeth Gilbert. Nem por isso é menos água com açucar ou será água com adoçante artificial?

Julia Roberts interpreta Elizabeth Gilbert, a escritora que um belo dia descobre que seu casamento é um completo fracasso. Assume o divórcio e faz uma viagem em busca de si mesma. Primeiro vai à Roma, depois à Índia e depois, Bali.

Na Itália, a escritora tem contato com o mundo através da comida. Além de rezar, ela busca satisfação na comida. Muita massa com molho de tomate e manjericão, e muita pizza. Deslize do diretor Ryan Murphy, Elizabeth faz a apologia do gosto pelas coisas simples da vida, pelo comer e beber sem preocupar-se com os quilos a mais que qualquer mulher ganharia comendo daquele jeito. E pasmem, logo quem falando que não se importava em ganhar barriga de gordura, Julia Roberts! Uma das mulheres mais altas e magras do cinema! Ryan Murphy não pensou que existem milhares de mulheres gordas de verdade e com menos estatura que Julia? E para estas, sobra o quê?

Até aí tudo bem, James Franco faz Richard, o ator que interpreta os textos de Elizabeth. Acho que teria ficado melhor se coubesse a Franco o papel do mocinho, no final. James Franco é mais sexy e bem mais interessante que Javier Bardem, interpretando - mal - o brasileiro. Aliás, no que se trata de retratar os brasileiros, Ryan faz uma verdadeira caricatura. Os americanos não têm a menor noção do que é o Brasil.

Tudo é previsível em "Comer, Rezar e Amar". O espectador mais piegas não consegue se emocionar. Continuando em sua peregrinação Elizabeth vai para a Índia. Instala-se em um Ashram, onde pessoas vindas dos mais diversos cantos do mundo se encontram e vivem sob o mesmo teto. Praticam a meditação, precupam-se em servir a Deus e a seus semelhantes. Por isso vemos Elizabeth lavando e esfregando o chão, executando tarefas simples para chegar à purificação. Nos Cursilhos os frequentadores também exercitam essas tarefas simples, do tipo, a mulher do governador lava o banheiro para seus companheiros... Nem por isso Cursilhos são menos conservadores.

Assim "Comer, Rezar e Amar" parece um livro de auto ajuda. Como afirmam os especialistas da semiótica, é denotativo e de fácil leitura. Quando Elizabeth chega ao Ashram é recebida com desdém pelo cínico e sofredor David (Richard Jenkins), que finalmente rende-se aos seus encantos e lhe confessa seus traumas e problemas.

O Xamã, amigo de Elizabeth lhe recomenda que não veja o mundo através de sua mente, mas de seu coração. Como todo livro de auto ajuda, as frases feitas não fazem mal nenhum e podem nos servir como lema: "Ter um bebê é como fazer uma tatuagem no rosto, ou no nariz, tenha certeza antes de se comprometer", "Na Índia, nunca toque em nada que não seja você mesma", "Libere em sua mente o espaço que é ocupado por suas obsessões, verá que pode caber o mundo aí dentro". " Selecione seus pensamentos como seleciona suas roupas pela manhã".

Finalmente o filme termina depois de 2h30 de técnicas de auto ajuda, e adivinhem, quem cai nos braços de quem? Acreditem, apesar dos chavões os mantras são verdadeiros. Preste atenção: "Deus vive dentro de você como você mesmo".


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eu e meu guarda-chuva

Toni Venzolini, o diretor de "Eu e meu guarda chuva" é um poeta. Por isso seu filme tem muita doçura, mostra a mais doce visão da infância, e da relação do menino com a mãe e amigos. Se "Eu e meu guarda chuva" é um filme para crianças, os adultos que levarem seus filhos se identificarão com aquele passado idealizado, onde tudo termina dando certo. Venzolini fala através de seus personagens, diz que "a tristeza é boa para passar pelas coisas da vida e sair dela melhor". Assim Eugenio (Lucas Cotrim), o menino apaixonado por Frida (Rafaela Victor), a vizinha de 11 anos, queria que todo dia fosse hoje - para ficar perto dela- e que toda hora fosse agora.

Para não esquecer o tempo passado, tão distante que parece ficção, o filme nos fala que "existir é ser prisioneiro da terra, e que nosso amor é feito de memórias". Eugenio sofre sua primeira perda, a morte do avô provoca tristeza, vazio e sofrimento. Nada que o tempo não possa concertar, por isso os doces momentos de convívio com o avô passarão a fazer parte das memórias de Eugenio e o guarda chuva simbolizará a presença do avô, que agora que não tem mesmo o que fazer - está em outra dimensão -, poderá acompanhar Eugenio em todas as suas aventuras.

Não pude conferir a reação da platéia, pois a platéia era eu mesma. Tive uma sessão particular de cinema. Posso afirmar que gostei muito do filme-poesia, e que me diverti muito com o fantasma do Barão von Staffen, interpretado por Daniel Dantas. Mais engraçado ainda foi quando o Barão começou a fazer perguntas para os alunos prisioneiros e depois, quando eles não souberam responder, teve um ataque de raiva, tão grande que o fulminou! O Barão perguntava: "Qual é o nome da rainha que morreu na guilhotina?" " Qual é o valor de PI?"(no Note não tenho o símbolo). "O nome de quem aboliu a escravatura no Brasil?" "Qual é o nome da capital tcheca? "(essa ele devia perguntar para a Alair, minha mãe, que sabia o nome de todas as capitais!). Vocês já pensaram se algum professor resolvesse dar como presente, na prova para os alunos a questão: - "Qual o nome da maior cidade do Império Romano? ou "Qual o nome da cidade fundada por Romulo e Remo? E se eles errassem ? he... he...he... o professor era capaz de ter um infarto que nem o Barão von Staffen! É por uma dessas que hoje em dia os professores devem estar preparados! Professores não desistam! Sempre pode aparecer uma aluna como a Cíntia Ribeiro em suas vidas! Ela arrasou quando leu em voz alta, para a turma, as respostas que escreveu na prova!

E não deixem as salas de cinema vazias, corram para assistir "Eu e meu guarda chuva" pois é um bom filme!


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2

Se você lembra quando precisava ir a Montevideo para assistir "Estado de Sítio", de Costa Gravas, acredite, só o fato de "Tropa de Elite 2" não ter sido censurado já é algum progresso. Os créditos adiantam, apesar de existir a possibilidade de alguém ou algum político identificar-se com os personagens, este filme é uma obra de ficção. "Tropa de Elite 2" é um grande filme e Padilha é simplesmente o máximo.

Ouve-se no final a letra da música de Herbert Viana, "O Calibre", quando sobem os créditos. Diz tudo sobre o pensamento e a crítica de Padilha:

" Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)

Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
A que horas você nunca sai?
Há quanto tempo você sente medo?
Quantos amigos você já perdeu?
Entrincheirado, vivendo em segredo
E ainda diz que não é problema seu

E a vida já não é mais vida
No caos ninguém é cidadão
As promessas foram esquecidas
Não há estado, não há mais nação
Perdido em números de guerra
Rezando por dias de paz
Não vê que a sua vida aqui se encerra
Com uma nota curta nos jornais

Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)"

Prestaram atenção? Viram como é genial e como fala de cada um de nós?

Desta vez, Roberto Nascimento é o Cel. Nascimento, policial há vinte um anos. Por força das circunstâncias é obrigado a desenvolver atividades burocráticas junto à Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Nascimento relata sua luta contra o sistema. De início, como policial, acreditava que a polícia poderia ajudar a combater o crime e o tráfico. Dentro da Secretaria de Segurança consegue equipar o BOPE para combater o crime. Mas, como não está na rua e no enfrentamento diário com o crime, custa a descobrir que a situação é muito mais complicada do que poderia imaginar.

O personagem de Padilha transformou-se no novo herói brasileiro. Estamos carentes de heróis. Lembro quando Airton Senna levantando a bandeira brasileira transformou-se no herói do Brasil. Mas Senna levava uma luta individual, cujos louros tentou dividir com os brasileiros. Nascimento é o personagem que precisa enfrentar muitas lutas para conscientizar-se. É o personagem que sofre muito, mas que jamais desiste de tentar acertar. Acho que isso faz com que nos identifiquemos com ele.

Assim Nascimento precisa esquecer suas frustrações e unir-se ao homem que casou com sua ex-mulher e que, ainda por cima tenta tirar-lhe o amor do filho. Esse homem é o professor de história, um intelectual de esquerda - apesar de estar do lado certo -, com certeza emprega todos os seus argumentos para eleger-se deputado. Ele é Fraga, muito bem interpretado por Irandhir Santos. Mas, melhor ainda é Wagner Moura. Este sim, emociona qualquer espectador com seu carisma. Está lindo o jovem Wagner Moura, com cabelos levemente grisalhos, para fazer o Cel. Nascimento. Não é de hoje essa admiração por Wagner Moura. Adorei o personagem dele em " Saneamento Básico", com o cabelo todo amarrotado, cara de quem recém levantou. Arrancava muitas risadas da platéia.

"Tropa de elite, osso duro de roer, pega um pega geral, também vai pegar você", esse é o lema, cantado e apresentado com toda a truculência, no primeiro filme. "Tropa de Elite 2" é mais contido. Não vemos Nascimento em ação, nosso herói se vê às voltas com as milícias, a máfia da polícia, que elimina traficantes e os substitui no crime, cobrando taxas da população para proteção, compra de gás e TV a cabo, clandestina é claro! Rocha (Sandro Rocha) e o Cap. Fábio (Milhem Cortaz) se alternam como se disputassem o troféu de maior bandido.

Nascimento descobre que o buraco é mais embaixo - em suas palavras - descobre que a máfia da polícia está intimamente ligada a políticos, ao Secretário de Segurança e ao próprio governador. A muito custo consegue descobrir quem está por trás do covarde assassinato de seu companheiro André Matias (Andrté Ramiro). Descobre também que polícia confraterniza com bandidos em almoços comunitários. Não é de hoje que políticos são fotografados ao lado de marginais. Assim Padilha mostra o lado podre do poder.

Para deleite da platéia - ou pelo menos, para muitos espectadores- o Cel. Nascimento volta à ação em duas sequências, a primeira é no tiroteio, no atentado em que defende a própria vida. A segunda é na blitz que ordena contra o Secretário de Segurança. Sofram junto, se emocionem, chorem, mas lavem a alma! Vale a pena! O Cel. Nascimento dá - por nós- um montão de porradas no Secretário corrupto.

E depois, resolve empregar outros meios para combater um sistema corrompido. Embora não tenha ilusões, como afirma: "O sistema corta uma mão para salvar o braço. O sistema não tem cara, se reorganiza sempre". Nascimento se transforma na principal testemunha na CPI criada para investigar a corrupção das milícias. Responde ao deputado que tinha um programa de televisão (André Mattos): "O senhor, deputado, é um dos que estão sendo investigados e o senhor é responsável por muitos crimes. Aqui nesta Assembléia existem 6 ou 7 com ficha limpa". Alguma semelhança com a realidade? Quando sabemos que até hoje estão enrolando na votação da Ficha Limpa. Aliás, é um primor a interpretação de André Mattos. O deputado tinha uma boa receptividade junto ao povão devido a um sorriso de dente da frente quebrado!

Padilha capta o cinismo do sistema. O político corrupto alegando que foi eleito legitimamente, posa na frente do crucifixo e do letreiro "COMITÊ DE ÉTICA". Não perca, você poderá aprender lições que poderão ser úteis para o resto da vida. Como por exemplo, entender bem o que era a esquerda festiva. Ou ainda aprender a respeitar direitos autorais e parar de querer fazer cópias piratas de tudo o que vê, e continuar se achando uma pessoa íntegra. O Cel. Nascimento nos alerta a respeito desse comportamento ambíguo.

E vejam só o paradoxo, Nascimento é um policial, tudo aquilo que segundo as regras sempre foi considerado "o vilão da história". Por isso a palavra pré-conceito, ou seja, não devemos conceituar por antecipação. Chega de preconceito, então!

E finalmente, deveríamos parar para pensar:
"Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
há quanto tempo você sente medo?"


domingo, 10 de outubro de 2010

Dois Irmãos

Daniel Burman dirige "Dois Irmãos", um filme sobre problemas de família. Como ele afirma, família é uma coisa importante, que nos rodeia a vida inteira. Não é preciso lembrar, todos nós sabemos. Então de irmão, Deus! quem tem um sabe muito bem de quem se trata. Irmãos se amam e se odeiam. É sobre essa difícil relação e convivência que trata "Dois Irmãos". Burman exercitou seu tema predileto em "Abraços Partidos", "Ninho Vazio" e "Direito de Família". O personagem de "Ninho Vazio" era um intelectual muito insuportável, disso estou lembrada.

"Dois Irmãos" é melhor, retrata com precisão o penoso relacionamento entre os irmãos Suzana e Marcos. Ela parece ser a irmã mais velha, a dominadora. Marcos é o caçula? Será ? Sempre foi dominado pela mãe e pela irmã. O tempo passou, ambos estão com mais de sessenta anos. A morte da mãe provoca e desencadeia grandes mudanças. Susane tem aquela aparência de perua, não é uma perua porto-alegrense mas poderia ser. Porto Alegre é a cidade das grandes peruas brasileiras. É difícil encontrar iguais, ou peruas que as superem em outros lugares. Mas, peruas argentinas como Suzana - interpretada com nota dez por Graciela Borges- não ficam atrás.
O filme é baseado no livro de Sérgio Dubcowsky, Villa Laura.

Marcos, interpretado por Antonio Sagalla é o irmão emocionalmente frágil que não abre a boca, que não diz o que pensa. Será que ele pensa? Sempre dedicou-se à mãe. Desde pequeno viveu na barra da saia da mãe que passava batom em sua boca. Ele mesmo afirma depois de velho:- E com isso minha mãe queria o quê?

Susana - com um cabelão quase ruivo, todo encaracolado e escabelado - esconde-se atrás de óculos de sombra enormes e boinas muito, muito bregas. Diga-me uma mulher que não fique perua de boina!!! Não pára de falar um minuto. A boca é como toda boca de cinquentona que apelou para o botox. Fala e fuma ao mesmo tempo, e trambica. É uma agente imobiliária que tem suas razões em uma única coisa, odeia as famosas paredes dry wall. Fica batendo nas paredes para ouvir se têm som de tijolo.

Como Suzana descaradamente não paga contas, é obrigada a vender a casa da família. Obriga Marcos a morar em "Villa Laura", no Uruguai. A vida de ambos passa a ser o vaivém sobre o Rio da Prata que separa Buenos Aires do Uruguai. Se ele, de início o faz contrariado, termina descobrindo uma certa libertação. Seria uma forma do diretor elaborar seus próprios dramas familiares? Enfim, toda obra de arte fala do próprio artista. Burman deve falar de si, ao falar de Marcos e Susana.

Os três países hermanos, Brasil, Uruguai e Argentina têm suas rivalidades, acredito que, como os irmãos do filme, no fundo se amam. As cenas mostram o Uruguai, a "Villa Laura" como algo no passado. As casas construídas no alinhamento, rebocadas com mica, cinza, com a porta central ladeada por duas janelas, parecem mesmo o "déjà vu". Onde vimos, se nunca fomos à "Villa Laura"? A paisagem existe, com aquela cor triste de natureza defronte ao rio. Esses lugares emocionam e trazem uma tristeza profunda, que não se sabe de onde vem... Prefiro minha sala de estar, com meus objetos e minha cachorra.

Marcos inicia seu processo de libertação com as aulas de teatro. É verdade, o diretor é exigente. Em pouco tempo o senhor sério e cabisbaixo encontra parceiros para o jogo e participa das encenações para a apresentação de Édipo Rei, mas de um Édipo em que Jocasta sumiu. É o desejo do diretor.

A personalidade problemática de Susana revela-se entre outros, no entêrro da mãe. Não demonstra o menor sentimento. Dura como pedra, continua falando sem parar num entêrro a três, a morta e seus dois filhos. O olhar de Marcos fala de seu interior, mas não diz nada. Aceita o massacre da irmã.

Quando Marcos resolve dizer a verdade, o faz sutilmente. Susana em mais uma de suas façanhas coloca um copo na parede para ouvir os vizinhos, pede para o irmão fazer o mesmo. Ele não ouve nada - o apartamento vizinho está vazio - mas diz que ouve uma voz que pergunta o que ela fez com o dinheiro que sobrou da venda da casa. Susana responde que não ouve nada... Assim as verdades são pronunciadas, sutilmente, sem raiva e sem ressentimentos. "Dois irmãos" fala de problemas não resolvidos entre irmãos com uma boa dose de humor, como nos coquetéis, onde eles comparecem às custas de convites roubados. Enchem o porta bomba e cuia de chimarrão, de doces e salgados e vão embora.

Susana não quer perder a ascendência sobre o irmão nem que tenha que mentir e inventar que o diretor o acha um mau ator. Finalmente surge a chance de Marcos dizer o que pensa, na belíssima improvisação durante a encenação da peça. E Susana surpreende. Temíamos que viesse para envergonhar o irmão. Eis finalmente o tão desejado reconhecimento. E finalmente Marcos fala, diz o que pensa. Todos precisam saber o que pensamos.


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Reflexões de um liquidificador

André Klotzel é o diretor de Reflexões de um Liquificador, um filme que ri de coisas sérias. Os atores são muito bons e parecem demais com "gente". Aliás Selton Mello é o liquidificador , mas parece gente. Ana Lúcia Torre é Elvira uma senhora idosa, que mora em uma casinha em um subúrbio paulista. Nada mais paulista do que o filme de André. As ruas, as casinhas pequenas , apertadas, fechadas por janelas basculantes na sala de estar. Vocês já viram isso? Em São Paulo tem. Tudo muito feio, gasto e apertado. São Paulo é assim. Como pode ser tão feia? e ao mesmo tempo tão atraente? Casinhas com entrada lateral e garagem no térreo, tudo colado. São Paulo é assim. André sabe muito bem disso. As senhoras idosas vivem suas vidas de abandono. Não lutam, se deixam levar. Até que quebram a perna , como Elvira , ou precisam amputá-la. Sabem? Aquelas senhoras que bebem muito às escondidas. Nem abrem as janelas de suas casinhas. Toda semana vendem garrafas de bebida para o senhor da kombi. Bem, a vida de Elvira não é muito diferente. Não bebe. Conversa com o liquidificador.

Elvira vive bem com o marido, Onofre (Germano Haiut) um senhor idoso. Ele precisa voltar a uma vida de trabalho. Consegue um emprego de vigilante. As folgas vão ficando cada dia mais raras. Até que o marido nem quer mais fazer refeições em casa. Chega só para dormir. Dorme placidamente com um sorriso nos lábios.

Elvira vai se atacando. Como toda mulher solitária, fala com alguém. Algumas falam com o cachorro, outras com o gato. Outras falam com seus entes queridos que faleceram como se eles estivessem ali, tomando mate com elas. Outras falam com a "santa" reforçando promessas. Mas falam, precisam ouvir a própria voz de vez em quando. Com Elvira acontece o mesmo. Fala com o liquidificador. O gasto e sujo liquidificador faz tudo o que Elvira quer. É o seu alter ego. Mais ou menos como o papagaio da Ana Maria Braga, eu acho...

O caso é que Elvira aos poucos fica furiosa e desconfiada do marido. O carteiro faz fofocas. Ela quase não acredita. Onofre tem outra!

Então ela faz o seu plano diabólico tendo o liquidificador como cúmplice. Um nojo, que nem o crime da mala, ou o crime da Rua do Arvoredo em Porto Alegre. O açougueiro fazia linguiça de gente.

Elvira deve ter aprontado alguma. Onofre some. Não foi mais visto. A pobre senhora não pode ver beterraba batida no liquidificador, não pode beber o suco de frutas que adorava! Sente náuseas de tudo o que é batido no liquidificador. Pudera! Pode-se imaginar o que a dupla pode ter aprontado!

O delegado encarregado de investigar o sumiço de Onofre, de cara faz a sua conclusão. É um especialista. Anda com passinhos silenciosos, para ninguém desconfiar... He...He...He... com enormes algemas penduradas na cintura. Assim ele anda disfarçado, ninguém nota que ele é detetive! sic!

O liquidificador fala pelos cotovelos. Diz tudo o que pensa e que está cansado de moer aquilo! Na delegacia, o delegado conta sua grande descoberta para o chefe! Este lhe responde: Dá licença colega! Dá para inventar outra? Para de fantasiar cara! Vai fazer alguma coisa séria. Deixa a pobre senhora em paz! Matar, serrar, descarnar e moer no liquidificador?? Tais brincando cara! Vai ver se estou lá na esquina! Te toca cara!


Wall Street- O Dinheiro Nunca Dorme

Gekko é o magnata interpretado por Michael Douglas, que há 23 anos terminava atrás das grades, no primeiro filme de Oliver Stone sobre Wall Street. Em "Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme", Douglas, ou seja, Gekko, sai da prisão, sofrido, raposa velha, que não perde a ganância por dinheiro. Pretende vingar-se.

O primeiro baque, o mais forte que o personagem não supera; ninguém o espera do lado de fora da prisão. Outros presos, uns "nobodys", saem aos risos com os familiares. Mas logo ele, o poderoso Gekko está de volta à vida em desvantagem. Sozinho, ninguém quer estar a seu lado. Pelo menos a filha não quer vê-lo.

Shia LaBoeuf é o futuro genro, que também vive no meio da ganância de Wall Street. Shia LaBoeuf tem 24 anos! é mais jovem que minha filha Lucia! Acho esse menino uma graça! É o na-marido da filha, Carey Mulligan. Você sabe não é? Hoje em dia todo pai e mãe, que tem uma filha poderá ter o na-marido da filha.

Gekko envolve o genro numa cilada em que o dinheirão vai parar fora do alcance do casal. Assim, Oliver Stone domina o tema Wall Street, com a guerra em torno dos milhões de dólares, com os personagens vencidos e vencedores. Com um mundo de farsa que pode ser movido por simples boatos.

Na famosa cena da festa em que todos cochicham algo no ouvido um do outro, o diretor mostra as jóias das mulheres, tudo diamante pendurado em orelhas! e a boataria correndo... Boatos capazes de arruinar vidas como a de Louis Zabel (Frank Langela) o mentor de Shia LaBoeuf. Você viu o filme? Notou o detalhe? Os brincos de diamantes pendurados nas orelhas das mulheres? Não notou? Nem eu! He! He! É preciso estar atento nos filmes de Stone, cujo pai tinha uma certa intimidade com o mundo da compra de ações.

Oliver Stone mostra que existe vida e sentimentos além de Wall Street, e que existem coisas que dinheiro não compra. Gekko fala isso, diz que está ali muito menos pelo dinheiro do que pelo prazer do jogo. O magnata se comporta como um cafajeste, insensível ao video que mostra o coração do neto batendo forte na barriga da mãe. Descobre que será avô. Na hora não se deixa abater pelos sentimentos e mantém o roubo do dinheiro da própria filha.

Tudo tem seu tempo. Oliver Stone até que é piegas para quem sabe mostrar o mundo cão da ganância de Wall Street. Aguardem a segunda chance de Gekko. Afinal, para um velho - Gekko já está caco - uma filha, um neto e um genro simpático representam tudo de bom na vida. De verdade, tudo o que o dinheiro não pode comprar.