domingo, 28 de abril de 2013

Atrás da Porta

O filme de Istvan Szabo é impressionante. Nunca vi igual. Trata-se da história de duas mulheres, patroa e empregada. Mas a relação entre as duas é muito especial. À distância, você poderia pensar que Emerenc, a empregada interpretada pela maravilhosa Helen Mirren é uma criatura exótica e abusada. Pode até ser... Mas você precisa conhecer o outro lado de Emerenc. A patroa, interpretada por Martina Gedeck,  acredite, teme a diarista.
Dividida entre a vontade de escrever e as obrigações domésticas, Magda decide contratar uma empregada.Tudo déjà vu, não é mesmo?
Você lembra a alcóolatra, aquela empregada, de cara fechada, a quem você não tinha coragem de cobrar nada? Com Magda, a patroa, tudo é muito parecido.
O fato é que Emerenc tem cada saída! Deixa a patroa perplexa! Representa o próprio sofrimento do povo húngaro, na década de 50, após a Segunda Guerra Mundial. Em sua rispidez e simplicidade, Emerenc explica  para Magda a diferença de classe entre as duas.
- Na vida, existem os que varrem e os que mandam varrer o chão!
Quando, finalmente consegue desabafar com a patroa, relata uma vida tão trágica que só podemos rir. Não dá para não ficar estupefato ante o final de sua mãe e irmãzinhas gêmeas.
Aliás, o diretor Istavan Szabo não dá passagem para a pieguice. Tudo é tão cru, que o tragicômico nos convida ao riso. Até como uma forma de suportar  a dor.
Quem não lembra alguma criatura meio maluca, meio patética, que vivia fechada em casa? Que escondia algum grande mistério?
O fato é, que por amor, Emerenc sofre o maior preconceito, mas salva uma criança judia, assumindo uma maternidade que não é sua. Por amor à sua bezerrinha, Emerenc come o pão que o diabo amassou. Embora adulta, lembra uma criança, quando alcança para Magda a malinha para enterrar seu gato.
Você lembra a menina que colocou o pintinho na merendeira, quando ele morreu, e guardou-o no quartinho dos fundos? Como muitas crianças, Emerenc ainda está aprendendo a lidar com a morte.
Apesar das diferenças, patroa e empregada aprendem o respeito mútuo. Magda, finalmente amarga os tristes acontecimentos que permitiram que ela provocasse a morte pelo simples amor, enquanto Emerenc, tinha devolvido a vida também pelo simples amor.
Não perca este filme emocionante, ame Emerenc e Magda como o diretor as amou. Divirta-se com a rebeldia de Emerenc quando protesta contra a patroa cobrindo o rosto com um paninho branco!
 

sábado, 13 de abril de 2013

Vous n´avez encore rien vu

Antoine d´Anthac poderia ser o próprio Alain Resnais, o grande cineasta de 90 anos. O diretor  ficou famoso com "Hiroshima meu amor", e surpreende mais uma vez com sua genialidade. O filme conta a história da morte do dramaturgo D´Anthac, que convida treze atores que atuaram em sua peça "Eurídice", para a cerimônia de abertura de seu testamento. De fato o legado de Anthac é a discussão sobre o mistério da vida e da morte. Alain Resnais fala de morte, como se estivesse fazendo sua obra póstuma.
Os treze atores são os próprios: Mathieu Amalric, Pierre Arditi, Sabine Ázema, Anne Consigny, Anny Duperey , Hyppolite Girardot, Michel Piccolli, Michel Vuillermoz, Lambert Wilson, Jean Crétian...
Rubem Alves diz que dentro de cada um nós vivem muitos outros, a quem até podemos dar nosso próprio nome ou inventar  outros. Precisamos descobrir esses muitos que vivem cá dentro.
Assim, o dramaturgo D´Anthac pode ser Resnais anunciando a própria morte. E os outros treze, são os muitos Alain Resnais que vivem dentro dele mesmo. O diretor trabalha com a encenação teatral como forma de falar de si, da vida e da morte. Tudo é dramaturgia. De fato não existe público. Aliás, o público somos nós, e não  os atores que assistem à encenação. Os treze  vivem seus próprios papéis, mas não são eles mesmos,  são a matéria usada pelo diretor para falar de si próprio. Cada ator conhece muito bem o seu papel - na história de Orfeu e Eurídice - que é encenada como  se fosse o testamento do autor.
Orfeu apaixona-se por Eurídice, mas surge Aristeu, um ser estranho que ameaça esse amor. Tentando fugir da traição, Eurídice tropeça e é picada pela serpente. Orfeu, transtornado pela tristeza, desce ao mundo dos mortos, tentando trazê-la de volta. A agonia da música de Orfeu emociona Hades - rei das trevas - que atende aos desejos de Perséfone, sua mulher. Permite a Orfeu trazer Eurídice de volta à vida, desde que ele não olhe dentro de seus olhos. No final do túnel, desconfiado, Orfeu olha para trás. Vê Eurídice pela última vez, transformando-se em tênue fantasma, como um sopro que escapa do mundo dos mortos.
Na dramaturgia de D´Anthac, surgem as falas que afirmam que, na vida encontramos seres estranhos, como os que aparecem para o casal de namorados. E Resnais fala de solidão, de como cada um de nós pode estar rodeado pela família, e de fato, sem perceber,  pode estar vivendo na maior solidão. E fala de morte, que pode ser doce e serena. Problemas - estes sim - temos em vida.
Resnais fala das lembranças e de sua importância para  nossas vidas. É preciso estar atento à beleza do filme. Da mesma forma que na tragédia grega, o dramaturgo, que amava finais supreendentes e reviravoltas, faz cumprir o destino de Orfeu.
O mito de Orfeu e Eurídice me fez lembrar a própria infância. Eu adorava ir ao circo-teatro Biduca assistir à peça '' E o céu uniu dois corações" - uma versão caipira do mito de Orfeu.  Enfim, os sentimentos vividos, de dor ou tristeza nos acompanham, não escapamos de nossas lembranças. Mas elas, as lembranças poderão transformar-se em doce consolo: "Nous avons nos souvenirs pour nous défendre." ( Nós temos nossas lembranças para nos defender)...



domingo, 7 de abril de 2013

Thérèse D.

Se ser feminista é rebelar-se contra a dominação masculina, então Thérèse foi uma das primeiras mulheres feministas.  Se confundiu tudo, antes de mais nada, é preciso dizer que a grande vítima foi ela própria.
Thérèse foi o último filme de Claude Miller, falecido em 2012. O romance de François  Mauriac foi publicado em 1927. Depois, Emanuelle Riva viveu duas vezes a personagem. Em 1962, no filme de George Franjou e em 1966 em La Fin de la Nuit, de Albert Riéra.  
O romance é baseado em uma história verdadeira. Em 1905, Henriette Canaby foi acusada
de envenenar o marido Émile Canaby, com gotas de aconitina.
Thérèse vive um tempo de submissão feminina. No filme, a mulher é propriedade do homem, tanto quanto os bosques de pinheiro, que aumentaram o patrimônio da família Desqueyroux. Thérèse é forte. Deseja a libertade. Aquele marido rude, que não se importa com ela, que apenas caça por diversão, que só faz o que está escrito nas convenções sociais, tudo aquilo a exaspera. Mas, na França do início do século, às mulheres é reservado o doce recanto do lar, sob o domínio e o poder do pater familias.
O marido faz tudo para manter as aparências. E aí se articula o crime maior. Thérèse não possui interlocutores. Uma única vez conversa com outro homem, o namorado de sua cunhada. Mas ele deseja divertir-se, enquanto a jovem morre de amores. Porém, é esclarecido o suficiente para saber da condição de submissão de Thérèse. Depois, ela não fala com mais ninguém. Nem sequer tem a oportunidade de trair o marido. Nunca teve uma grande paixão. Não se comunica. Não fala. Atinge o seu limite. Não sabe se pensa, ou o que pensa. Não sabe o que fazer. O marido, involuntariamente, lhe sugere a idéia macabra das gotas de aconitina. Gilles Lelouche vive o marido - Bernard Desqueyroux -  o homem mais medíocre, grosseiro e pobre de espírito que você possa imaginar. Para completar, é dominado pela mãe. 
O filme discute a questão da propriedade e da mulher como objeto. Discute o cinismo da burguesia. No início, vemos a paisagem de pinheiros, fechada, sem saída, sem luz, obscura como a vida de Thérèse. Sentimos um tremor só de pensar o que nos espera. E  as notas de Schubert enlouquecem o espectador. Com certeza o filme é belíssimo. Pontuado. História contada com perfeição.
A violência da burguesia recai sobre os desajustados e rebeldes. Na família Desqueyroux, a mulher é desqualificada como ser moral. Para Bernard e sua família a indiferença corresponde a um estado de espírito em que a impiedade não é reconhecida como tal. Façam o que façam com Thérèse, não importa. Bernard e sua família estão alheados. Além da hostilidade e perseguição, a mulher não é percebida como um ser autônomo - parceiro na obediência a leis partilhadas; como alguém que deve ser respeitado - mas sim, como propriedade privada. E que, neste caso extremo deve ser destruída. 
Assim, o marido, consciente ou não, inicia seu processo de vingança. Audrey Tatou é soberba para revelar a tensão da personagem, e a forma como vai sendo abatida, aos poucos...
Porém surge a dúvida. Bernard seria um personagem contraditório? O diretor deixa algo no ar... Ele ainda sente alguma coisa por Thérèse? Ou quer, de fato, livrar a família da vergonha de ter que admitir que sua mulher tentou matá-lo? Age somente em nome da família e das aparências?
Thérèse livrou-se da acusação porque o marido testemunhou em seu favor...
 

O Último Elvis

O Último Elvis, dirigido por Armando Bo nos faz pensar nos limites  da alma humana. Até onde vai o sonho e a loucura. Minha amiga Marinalva, não tanto quanto Carlos Gutiérrez (John McInerny), sempre amou Elvis Presley. Esse amor vinha desde a adolescência. Porém, chegou um momento em que pensou:-  Deus meu, todo mundo acha cafona gostar do Elvis... Então, devo ser mesmo muito brega!
Tudo isso seria somente porque o ídolo ficou decadente na fase final de sua vida? Mas decadência? Só se for física... Para Marinalva e para Carlos Gutiérrez, Elvis era um Deus, muito melhor que os Beatles.
Carlos Gutierrez era cover de Elvis, imitava-o com perfeição. Acreditava piamente que era um predestinado. Acreditava que era Elvis Presley. Aí terminam as  coincidências com as predileções de Marinalva.
 Armando Bo mostra com perfeição a vida do pobre coitado, em alguma cidade da Argentina. O cotidiano de Guttierrez é muito, muito medíocre, muito pobre. Durante o dia trabalha numa fábrica. Alienado de seu trabalho, sempre está ouvindo Elvis, com seus fones de ouvido. À noite, vive a vida Elvis e acredita que é Elvis. 
Em uma coisa Marinalva e muitos concordam. A voz de Gutiérrez é linda e lembra muito a de Elvis quando ele canta Unchained Melody: Oh... My love, my darling, I've hungered for your touch, a long, lonely time...
A insanidade toma conta de Carlos. Mesmo tentando ser um bom pai, não convence a filha, nem a ex-mulher. Quando as duas sofrem um acidente, Carlos assume o papel de pai e agrada à menina Lisa Marie (Margarita Lopes) - que recebeu o mesmo nome da filha de Elvis. Mas a loucura corre solta. Carlos acredita ter um grande destino a cumprir, que seu grande sucesso está por acontecer. Quando completa 42 anos, a idade em que Elvis morreu, precisa cumprir o seu destino...
Marinalva somente lamentou Carlos não cantar sua balada preferida, Love me Tender...   
 
Love me tender,
Love me sweet,
Never let me go.
You have made my life complete,
And i love you so
 
 
Dá-lhe Elvis, I love you!