domingo, 26 de agosto de 2012

O Vingador do Futuro (Total Recall)

Total Recall é a segunda versão da história de Philip Dick, filmada em 1990 por Paul Verhoeven. O primeiro filme é melhor. Parece difícil para Colin Farrel e Kate Beckinsale  competir com  Schwarzeneger e  Sharon Stone. Entretanto, se voltarmos no tempo e revermos a primeira versão, não suportaremos a película gasta pelo tempo, com Schwarzeneger e Stone, tão jovens e amarelados! E que tecnologia incipiente... se é que dá para entender...  
O fato é que as novas tecnologias tornam o cinema atual um verdadeiro espetáculo. O décor futurista, as cenas eletrizantes, a movimentação de Colin Farrel em luta pela sobrevivência contra robôs sintéticos, por si valem o filme. 
Colin Farrel preparou-se para as filmagens durante cinco ou seis meses de exaustivos exercícios físicos. Ficou com um corpinho impecável. Não é nenhum brutamontes como Schwarzeneger, mas está lindo. Você pode observar nas primeiras cenas em que aparece de torso nu (de propósito é claro, para mostrar a musculatura e a barriga de tanquinho do ator). Se interpreta com perfeição ou não, ninguém na platéia está precupado com isso.  
A história conta que no futuro, após guerras e destruições a terra é dominada pela Federação Unida da Bretanha. Do outro lado do mundo, no local onde era a antiga Austrália, resta a Colônia, um local onde vive a maior parte da população oprimida pela Federação Unida da Bretanha,  liderada pelo chanceler Cohaagen (Brian Craington). Colin Farrel é Doug Quaid, um operário que descobre que não é quem ele pensa que é. As memórias que possui não são de um passado verdadeiro, foram implantadas em seu cérebro. Descobre também que sua mulher não é sua mulher, mas sua maior inimiga, interpretada por Kate Beckinsale. Doug descobre tudo da pior forma, quando Kate - que também é a esposa do diretor Len Wiseman- tenta lhe dar um abraço mortal. Aliás Kate está tão magra e forte que nem acredito, mais parece uma bruxa furiosa!
A partir daí começa a perseguição implacável. Se o filme peca pelo excesso de ação, de repente tanta cena eletrizante se transforma em mesmidade. Ao mesmo tempo, tento manter os olhos bem arregalados para aproveitar todo aquele cenário genial!   
O inspirador também pode ter sido Ian Fleming, o criador de James Bond. Aliás é a homenagem do diretor ao grande escritor.  Doug lê Fleming quando senta no ônibus espacial que se move na velocidade da luz. O espaço físico é sombrio, uma massa de concreto e metal, definindo o lugar onde os homens vivem, como um espaço sem privacidade, sem portas ou janelas, tudo definido através de meios planos. Lembra a concepção de habitação dos povos primitivos, composição homogênea, com unidade, em versão futurista. Seria uma outra visão do Raumplan, de Adolf Loss? Também me parece inspirado nas obras fantásticas de Yona Friedman, na sua cidade espacial do final dos anos 50, com estruturas em balanço a 45 graus. A movimentação é como a de um bairro chinês de New York, gasto, molhado e escuro. A cidade vertical possui inúmeros níveis. Sugere uma antevisão de um futuro desastroso para New York. De repente Doug e sua companheira Jessica Biel estão no meio do fogo cruzado, numa plataforma de circulação de carros que se movimentam acima do solo. De fato essa é a beleza que interessa no filme de Len Wiseman

terça-feira, 21 de agosto de 2012

360

Fernando Meirelles dirige 360, apresentado na estréia do Festival de Gramado. Nada de brasileiro no filme, a não ser o diretor. Meirelles baseou-se na peça "La Ronde" do escritor austríaco Arthur Schnitzler. O roteiro é de Peter Morgan e Meirelles consegue juntar duas idéias, corporificar o texto de Morgan com um filme belo e elegante. Embora o diretor afirme que as duas histórias eram meio separadas e que ele estabeleceu a relação entre elas.

No final ficaram nove histórias, com personagens que se entrecruzam e nos emocionam. O elenco conta com Jude Law e outros execelentes atores. Pensem bem, não poderíamos passar uma tarde olhando para Jude Law? Existe boca masculina mais bonita?

Anthony Hopkins  não é ele, com certeza é o próprio pai em busca da filha desaparecida. É tão pungente o sentimento, a dor e a tristeza do pai em busca da filha, que sentimos uma dor na garganta... A gente não consegue sequer respirar, com a atuação de Anthony Hopkins. Na reunião dos alcólatras anônimos ele - ou qualquer um de nós? - lembra que os próprios sonhos voaram, soprados pelo vento. Um vida inteira foi  revirada, nunca mais, nada será como antes... Ela se foi, num estalar de dedos desapareceu, e o pai jamais terá paz enquanto não reencontrá-la... Ele sabe disso, aceita essa nova vida de peregrinação, como quem corre atrás de uma vida perdida. Na mão, consegue apenas segurar o vento e as cinzas douradas que se espalham e não trazem nada de volta... Insiste, busca um sonho que se nega a  revelar-se...

As histórias são interessantes, a maneira competente de filmar liga fatos e personagens através de sons e imagens rápidas, que se fundem na tela e ligam destinos. Aliás em todas as histórias existem os momentos da escolha e do livre arbítrio. Os momentos da vida em que escolhemos nossos destinos. Na estrada sempre existem dois caminhos que podem ser escolhidos. Por que escolhemos um e não o outro?

As histórias entrelaçadas mostram personagens profundamente solitários, em busca da felicidade, lutando contras as próprias fraquezas e limitações. Sergei, o motorista do carrão, dominado pelo irmão carrasco, um dia teria que tomar a grande decisão. Se nosso destino é decidido por nós mesmos, para Sergei chegou esse grande dia, quando apostou no sonho e no amor e mentiu para o irmão, sabendo que era cúmplice de um assassinato. Observe só as contradições do ser humano. Enfim, as duas possibilidades de escolha sempre se apresentam. É e dessas escolhas que 360 nos fala. Como se a vida tivesse 360 possibilidades de escolha, como os 360 graus da circunferência, ou da própria terra. São desses difíceis momentos que que Fernando Meirelles nos fala...

terça-feira, 7 de agosto de 2012

On the Road

Jack Kerouac, nascido em 1922, viveu uma infância normal, de criança dedicada à mãe. Frequentou um colégio jesuíta e fez sua vida virar ao avesso quando foi obrigado a freqüentar a biblioteca da universidade onde estudava. Ali teve seus primeiros contatos com autores que influenciaram sua obra, Jack London e Louis-Ferdinand Céline. Para desgosto da mãe, Jack adorava viver no limite , em companhia de Neal Cassidy, Allen Ginsburg e William Burroughs. Neal tornou-se escritor e virou símbolo da geração beatnik. Em sua companhia, Jack atravessou os Estados Unidos em longas viagens durante sete anos. Neal é o jovem rebelde, pequeno delinqüente, vindo de reformatórios. Jack conta suas memórias em "On the Road". Na adaptação de Walter Salles o nome dos personagens muda, mas sabe-se que Sal Riley, interpretado pelo ator inglês Sal Paradise, é Jack Kerouac. Neal Cassidy, interpretado por Garret Hedlund é a base do personagem de Dean Moriarty, o amigo carismático, que atrai o desejo de todos. Jack adota um estilo de vida contra e sem qualquer regra. Transgride. Imita Neal nesse desejo de viver perigosamente, com muito sexo, drogas, cigarro, bebida e violência. A época é final dos anos 50. Assim, não pense que esses ingredientes eram exclusividade dos  hyppies dos anos 60. Embora rejeite o apelido beat, Jack vira o mito dessa geração. A adaptação de Walter Salles do romance "On the Road" já tinha sido cogitada Ford Copolla, mas foi o diretor brasileiro que venceu a empreitada.

Os outros personagens são LuAnne/Marylon (Kristen Stewart). Carolyn/Camille (Kirsten Durst). Allen Ginsberg é Carlo Max. O que vemos é o grupo de amigos enfurnar-se dentro de um carro e partir, numa ânsia de viver, com tal fúria que parecem desejar muito mais a auto destruição. Dean Moriarty faz tudo o que seus amigos não têm coragem de fazer. A mim parece que torna-se o objeto de desejo de todos. O transgressor e irresistível Dean é desejado pelo amigo Carlo Max. Dean é capaz de ser homo ou heterossexual, ao sabor dos acontecimentos. Sal Riley o observa com um certo mal estar. Como se também desejasse Dean para ele próprio. Por que não? Afinal ficaram juntos dentro de um carro por sete anos! Tempo demais para uma simples aventura em busca de si mesmo.

Tanto Carlo Max como Sal conseguem  criar uma obra a partir de uma vivência furiosa. Sal está sempre fazendo anotações, dentro do método inédito de Kerouac para registrar as idéias,  de forma espontânea, o sketching. No final, Sal conforma-se com uma vidinha pequeno burguesa, com mulher e livros publicados. Quem não consegue voltar é Dean, interpretado pelo belo Garret Hedlung de Tron, o legado. O susto , a saudade e o mal estar que os dois sentem quando se reencontram é revelador. Parecem amantes que se separaram. Ambos sabem que não há retorno... Ambos sabem que, se é que houve um tempo de se entregarem um ao outro esse tempo passou.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Valente

Valente vê as histórias de contos de fadas de uma  forma diferente. O sonho e o desejo da princesinha é outro. Não acredita no destino de encontrar um príncipe encantado, não se interessa pelos jovens pretendentes e nem eles por ela. O rei  parece um truculento gaulês, feliz com sua esposa, a rainha e seus quatro filhos, a princesinha mimosa e os três gêmeos, que mais parecem três cachorrinhos. Valente possui olhos profundamente azuis, o cabelão é vermelho, fofo e encaracolado. Lembra aquele pelego vermelho, que ganhei quando criança, minha paixão por pelegos vem daí.

A rainha mãe cumpre seu duplo papel, de rainha e de mãe. Organiza um torneio para escolher o príncipe encantado que terá a honra de casar com sua filha. Para Valente aquilo tudo é um tormento. Foge, quer mudar as idéias da mãe. Rebelde como qualquer adolescente, em passeio pela floresta - cheia de perigos - Valente encontra a casa da bruxa, cheia de objetos artesanais, mágicos e encantados. Conversa vai, conversa vem, e a bruxa faz o feitiço que mudará totalmente a maneira de ser da mãe. Era com isso que a garotinha sonhava. O bolo enfeitiçado transforma a bela rainha em uma ursa preta, muito escura e adorável, como a própria rainha. Mas uma ursa tão boba, que nem sabe que para engolir peixes inteiros, basta abrir o bocão quando eles nadam contra a corrente.

Assim, Valente trata da relação mãe-filha. Mostra que as filhas podem carregar seus problemas com as mães uma vida inteira. Podem resolvê-los aos trinta, ou aos cinquenta anos. Também podem não conseguir resolvê-los nem depois da morte da mãe. Ou, ainda podem imitar Valente, cujo grande mérito é fazer do possível ao impossível para recuperar sua relação com a mamã. A partir daí, o filme é uma delícia. A grande ursa preta, quando fica em pé, é comedida e preocupada com a filha. Muito bem comportada, é uma verdadeira rainha-mãe. Lá pelas tantas, o instinto animal que também vive dentro dela, a transforma em uma enorme ursa, gulosa e feroz, que esquece qualquer pose de rainha, esquece a própria coroa! Valente passa por todos os perigos para salvar a mãe. Antes que a aurora surja duas vezes no horizonte ela precisa remendar o que o orgulho separou. Até esse tipo de charada a pobre menina precisa decifrar.

Finalmente, com a ajuda dos gêmeos que também viraram três ursinhos sapecas, Valente lutará para libertar a mãe do feitiço. Os pais reconhecerão que é preciso respeitar as escolhas dos filhos. É preciso que cada pai e cada mãe se convença que os filhos devem ser os agentes de seu próprio destino. Se a rainha mãe pensava que poderia escolher o eleito da filha, finalmente se convence que é preciso deixá-la exercer seu esporte predileto, arco e flecha. Com certeza não tardará o dia em que Valente será flechada pelo deus do Amor. Não importa quando, ela fará a sua própria escolha.