sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A Grande Beleza


Observe com atenção o filme de Paolo Sorrentino. Não é necessário pensar muito para sentir o espírito e a mão de Fellini nos personagens. Embora o grande interesse esteja na própria Roma. Jef Gambella lembra o Mastroiani de A Dolce Vita, o repórter que participa e observa com sarcasmo a vida e a boêmia da cidade eterna. 
A anã, a freirinha santa, o cardeal que só fala em comida, a mulher de 42 anos que sonha em ser striper, o jovem depressivo, todos os personagens são fellinianos. Jef circula por festas e embalos, torna-se o rei de um mundo mundano e ao mesmo tempo se distancia  em momentos de crítica e reflexão.  Não move um alfinete para superar as próprias limitações. Da mesma forma que nos filmes de Fellini, são inúmeros os personagens. Todos cruzam com o repórter e falam alto - para o espectador - sobre suas próprias vidas. Jef desnuda os seus próprios pecados e os dos outros. 
Surpresa e insólito acontecem quando passeia pelos palácios romanos, à noite, desfrutando da beleza grega sob  a luz do luar. Genial. Com certeza nem em sonho teríamos uma experiência semelhante!
Finalmente,  descobre A Grande Beleza, na freirinha santa, pura e ingênua, pequenina, desdentada e enrugada, antecipando que é preciso descobrir um novo conceito do belo, que certamente se distancia da beleza greco-romana e da proporção áurea! Baixinha, sentada na cadeira com os pés balançando no ar, a freirinha anuncia uma beleza interior, que se aproxima de  Enrique Dussel. Pelo menos a santinha dispensa a fila do botox! 
O repórter se vê frente à vida e a morte. Nos ensina as razões pelas quais não devemos chorar em enterros, quando ele próprio não se contém no funeral de Andreas e chora por si mesmo. Afirma que da vida levamos os efêmeros momentos de felicidade. Do além, não nos cabe tratar. Permanece observando a efervescência da cidade eterna, como quem observa e participa da vida de um grande rio, em constante movimento, com a postura de quem  observa e está quase desistindo de viver.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Lobo de Wall Street

Leonardo di Caprio está genial como sempre, interpretando o corretor de valores de Wall Street que em algumas horas aplica um dos maiores golpes na bolsa. A parceria com Martin Scorsese vem de longa data e tem rendido filmes de autor. Você sabe, se o filme é de Martin Scorsese deve ir ao cinema!
Desta vez o diretor mostra a histeria em que pode se transformar a vida sob o jugo e sob o  jogo da rotina frenética da bolsa de valores. O próprio personagem Jordan Belfort escreveu sua biografia, que por sua vez foi reescrita por Terence Winter. É necessário ter muita frieza para suportar tanta histeria, tanto palavrão e tanto sexo sem emoções. Como afirmam os analistas do sistema, Martin Scorsese escancara os grandes problemas e  as distorções do sistema capitalista americano. O filme tem uma duração de quase quatro horas. Nas duas primeiras, prepare-se, eles gritam sem parar! E o clima de frenesi, confusão, festa, gritaria, sexo e palavrões domina por completo!
O diretor não está fazendo uma apologia do mundo sem limites de Jordan Belfort. Permite que o espectador "leia" os pensamentos de  Jordan, ao mesmo tempo em que este faz seus discursos e diz exatamente o oposto. Por isso mesmo, permite uma certa cumplicidade com o anti herói, sem caráter cujo único objetivo é explorar o outro. Em alguns momentos parece que Scorsese, involuntariamente, está dando uma lição às empresas imobiliárias de como fazer, para manipular a opinião pública e conquistar otários em benefício do objetivo de lucro. Grandes empresas que vendem apartamentos, por exemplo, chamam isso de técnica de vendas. Não importa se tudo o que vendem...  parece ter sido feito de papelão!
O filme tem lances hilários, em meio à tanta loucura. E bem engraçado é o personagem de Jean Dujardim, mais gordo do que em "O Artista", tão sexy, quanto um bom bife uruguaio de carne de entrecot! Aliás, os gerentes de bancos, na Suíça, ensinavam o que era necessário fazer para se dar bem num paraíso fiscal!
O final não é surpreendente, e lembra o Spielberg de "Prenda-me se for Capaz". Comparando os dois, este último é melhor, mais divertido e menos corrosivo. Se em Spielberg o personagem atinge à redenção, o Lobo de Wall Street afunda cada vez mais, sem a menor autocrítica, pisa fundo no tom messiânico do discurso final, de quem continua acreditando que enganar os outros e tirar proveito de qualquer situação, ainda é o comportamento mais louvável nos dias de hoje. Martin Scorsese é impecável em sua crítica a seu país, sonho das Américas! Confira!


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Os Belos Dias

Quando as pessoas atingem os 60 anos, dizem que pertencem à melhor idade. Só pode ser brincadeira de mau gosto, de algum incauto que resolveu classificar os idosos dessa forma! Enfim como todos um dia chegam aos 60, a personagem de "Os Belos Dias", a dentista Caroline, interpretada por Fanny Ardant também, um belo dia resolve se aposentar. Aliás, esse dia nem foi tão belo. Pensando bem, a aposentadoria veio em função da  reclamação de uma cliente. Sem saber que rumo dar à sua vida, inscreve-se em um centro  de atividades para a terceira idade. 
A personagem se mostra introvertida, contida e tensa na aula de teatro. Não aceita as brincadeiras da professora e abandona a sala de aula. Os encontros e fofocas entre os idosos parecem ser iguais no mundo inteiro, tanto faz se tudo acontece em Paris ou Porto Alegre. No entanto  Caroline é diferente da maioria dos idosos. Tem coragem e muita! para assumir que deseja sacudir a própria vida! Nem de longe se contenta em preencher o tempo com muitos compromissos. E quanto menos se espera, lá está ela namorando um homem muito mais jovem. E confessa para ele que tem mais de 60. Pensem bem, quantas sessentonas não gostariam de fazer o mesmo, porque não? 
E nossa personagem se entrega às delícias do namoro com o garotão. Nenhum dos dois deseja amor duradouro, amor para sempre, ambos sabem que a experiência é passageira. Ela não quer que suas filhas saibam de sua aventura amorosa com um homem que teria idade para ser seu filho. Ele não se fixa em mulher alguma. As namoradas são passageiras e fazem  parte de uma longa lista. 
Até o dia em que o óbvio acontece. Caroline é descartada, sem mais nem menos, assim de repente. Bem que ele tinha avisado: ela saberia antes dele... o momento em que seria jogada no lixo do esquecimento. 
Para muitas mulheres o problema é a insegurança. Nessa hora lhes falta a coragem para     enfrentar a pele de cetim dos dezoito anos. Algumas tentam dar uma de superior e fazem dos homens seus objetos descartáveis. E dessa forma tudo também desanda...
Caroline pelo menos soube enfrentar o momento difícil da separação e seguir sua vida em busca da felicidade. E o melhor de tudo, soube aproveitar e divertir-se  muito mais que a grande maioria das mulheres. Acreditem, ela é um exemplo de libertação para todas nós! Não percam este adorável filme de Marion  Vernoux.