segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mademoiselle Chambon

Mademoiselle Chambon é um filme delicado. A direção fica a cargo de Stephane Brizé. Pensei que o nome era feminino. Não, a versão sobre o doce amor de Jean e Véronique é masculina. Desde o início o filme lembra "Agnès Varda", com seu clássico "Le Bonheur". Deste lembro as paisagens iluminadas como uma tela impressionista. A delicadeza dos personagens, os gestos, tudo parece uma obra de arte. Em Mademoiselle Chambon, como em "Le Bonheur" cria-se o triângulo amoroso. Em geral o final é tristonho como o final de tarde de Le Bonheur", com seu desfecho trágico.

Romances passageiros podem abalar a estrutura familiar. As escolhas são difíceis e precisam ser tomadas. Nada dá certo. Sabemos por antecipação, esses romances de tão efêmeros somem com o vento, mas podem deixar marcas profundas. Porque não se concretizam? Porque as pessoas não vão até o fim?

Jean (Vincent Lindon) e Véronique (Sandrine Kimberlain) se apaixonam. A paixão é verdadeira, os atores são ótimos. Tudo parece tão real que esquecemos que estamos no cinema. Véronique é professora de violino do filho de Jean. Vincent Lindon compõe um personagem instigante. É um homem casado, com uma mulher alta, morena e interessante. O casal tem um filho e ela está grávida. Assim, são pesados os compromissos do homem. Além de ajudar o filho nas lições de casa, cuida do pai. Preste atenção à divertida discussão entre pai, mãe e filho sobre o objeto direto -muito instrutiva para quem estuda francês.

Até Véronique surgir na vida de Jean tudo vai bem com a família. Quando vai buscar o filho na escola, conhece Véronique, a professora de violino. É quase amor à primeira vista. Ela é linda, alta, magra, usa saias delicadas e blusinhas de malha, tudo muito simples. Não liga muito para se arrumar, mas é de uma feminilidade sem igual. Prende o cabelo, formando o mais banal dos coques. Permanece com o mesmo penteado em quase todas as cenas. Jean é um homem interessante. Observe o seu caminhar decidido e másculo, uma graça. O olhar de Jean é revelador, você já viu homens com olhos que parecem uvas verdes? (chamam-se Dedo de Dama), os de Jean são assim, pura paixão e adoração por Véronique.

De fato, se existe uma diferença de cultura entre os dois, isso não é importante, pelo menos na França. Jean é mais que um pedreiro. É uma espécie de construtor, sem curso superior. A realidade na França é diferente do Brasil. Ao que parece, lá esses profissionais, que não são arquitetos, nem engenheiros, não são discriminados, vivem bem. Aqui o preconceito é maior, e o CREA está muito preocupado com o exercício ilegal da profissão. Afinal, não é esse o caso.

Os problemas entre Jean e sua mulher se aprofundam, as trincas começam a aparecer. Mas o que chama a atenção é o silêncio dos personagens. Não falam, não discutem seus problemas. Jean leva Véronique para observar a paisagem. Do alto, eles observam a cidade ao longe. O vento balança as árvores, forte como o vento do Rio Grande na primavera. Forte como a paixão de Jean.

Afinal não foi preciso dizer nada. Na festa de aniversário do pai de Jean, Véronique toca uma belíssima melodia. A mulher de Jean olha para ele e desvia o olhar para Véronique. Não foi preciso nenhuma palavra. Soube de tudo. O cinema é a melodia do olhar...

Você sabe, eu, todos precisamos saber que devemos aproveitar as oportunidades que passam em nossas vidas. Se não, perdemos o trem, não é mesmo? O velho ditado aplica-se à Jean. O trem aproxima-se, pára devagar para pegar seus passageiros. Véronique angustiada espera por Jean, aguarda alguns segundos na plataforma. Olha na direção onde Jean deverá aparecer. Jean perde-se nos corredores de sua indecisão. O passo diminui. Ele pára. O trem, literalmente, passa na vida de Jean ele não pega... Sabíamos que isso aconteceria. Por que ele não assume o grande amor por Véronique? Falta de coragem? Conformismo? Ama a mulher e os filhos? Mas se a ama, porque a trai? Sensação do dever? E pensamos no se... Se Jean partisse todos sofreriam, mas sobreviveriam. Seria melhor?

E agora, quanta dor e quantas lembranças para Jean e Véronique pelo resto de suas vidas...


domingo, 29 de agosto de 2010

O Estranho em Mim

Mais um filme com aquele toque feminino, dirigido por Emily Atef, a jovem diretora de "Molly`s Way" (2005). O filme também recebeu dois prêmios na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, de Melhor Atriz para Susanne Wolff e de Melhor Filme.

"O Estranho em Mim" mostra a vida de Rebecca (Susanne Wolff), antes e depois do nascimento do pequeno Lucas. Antes do parto Rebecca era uma grávida feliz com a expectativa da vinda do bebê. Julian (Johann von Bulow), o marido também parecia sentir a mesma felicidade.

As coisas mudam no momento do parto. Depressão pós-parto é assim? A mãe fica com problemas na hora do parto? Ou a diretora nos prepara para o drama que vem a seguir? Rebecca não sorri para o filho. Tudo parece um fardo para a nova mãe. O pequenino Lucas chora sem parar, tudo muito cansativo e estressante. O drama transcorre lentamente. Os acontecimentos são previsíveis, e ainda assim emocionantes.

Rebecca cai fundo na depressão, a doença da moda, embora a depressão pós-parto de fato não seja doença da moda. Foi diagnosticada há muito, muito tempo. Quanto a outros tipos de depressão, ouço a todo momento: " - Faço isso porque tenho depressão, tomo remédios faixa preta porque tenho depressão". Muitas e muitas vezes tenho ouvido as pessoas se justificarem, se esquivarem, serem grosseiras e indelicadas, usando a depressão como desculpa. Para não terem que fazer a coisa certa argumentam que estão com depressão. Esquivam-se de suas responsabilidades, são grosseiras e indelicadas. Usam a depressão como bengala para a vida. Para o leigo é difícil entender o depressivo. Os psicólogos compreendem melhor essas pessoas. Mas eles também sabem que os falsos depressivos usam a doença como justificativa para um comportamento irresponsável, de quem não se preocupa nem um pouquinho com o outro.

No caso de Rebecca, a doença é verdadeira. Mas os parentes que a rodeiam, também não entendem seu comportamento. Cada dia sente-se pior. O bebê chora sem parar, rejeita o leite materno e deixa a mãe mais infeliz ainda. Seu comportamento piora, até o dia em que "esquece" o bebê na rua e entra em um ônibus. Sente que atingiu seu clímax quando quase afoga seu Lucas no banho. Foge e tenta o suicídio.

O filme torna-se interessante quando a diretora nos mostra, "a volta de Rebecca"; todas as suas tentativas para sair da depressão e recuperar o filho. Susanne Wolff emociona mesmo, com sua interpretação perfeita. É difícil e doloroso para uma mãe ser alijada do filho, da casa e não ter vontade de ver o marido a quem tanto amava. À medida que se recupera, Rebecca, dolorosamente, sente a rejeição do sogro e do próprio Julian, que quase se transforma em ex. Mais doloroso ainda, é ver estranhos dando ordens em sua casa, criticando-a nos menores gestos. Rebecca precisa de muita força para crescer, curar-se e retomar, definitivamente, as rédeas de sua vida, com o pequeno Lucas e com o marido, que também tem sua dose de sofrimento e desconfiança.

Bonita a relação entre mãe e filha. No fundo da depressão, Rebecca encontra na mãe um porto seguro. O abraço no grande momento de tristeza é reservado à mãe. Não perca este emocionante filme sobre os problemas e relações familiares. Ha! e não esqueça de observar o bebê. Foi interpretado por cinco adoráveis bebezinhos.


domingo, 22 de agosto de 2010

Coco e Igor Stravinsky

Coco Chanel & Igor Stravinsky retoma a biografia de Coco Chanel. Ela é interpretada por Anna Mouglalis e Igor, por Mads Mikkelsen. Acho que o ator está marcado por seu personagem odiado em Cassino Royale, o banqueiro terrorista, Le Chiffre, que vertia lágrimas de sangue, lembram? O primeiro filme abordava a vida da estilista até a morte de Arthur Boy Capel, seu marido. Coco, no primeiro filme é representada por Audrey Tautou.

Parece que a morte do marido deixou-a desorientada. Sem saber o que fazer de sua vida amorosa. Mais que a história de amor entre Coco e Igor, o filme mostra o poder de Coco Chanel, uma mulher que nos anos 20 estava à frente de seu tempo. Uma mulher poderosa, que desejava demonstrar seu poder em todas as frentes de sua vida.

Vocês viram alguma mulher no século XXI, fazer o que Coco fez nos anos 20? É certo, sabemos que hoje as mulheres são liberadas, que pagam por sexo, como no seriado Hung- a série que explora a sexualidade feminina. Coco não fazia diferente, sabia o que fazia, e sabia o que queria. Pelo menos, na versão de Jan Kounen, o diretor.

O compositor Igor Stravinsky, durante o período em que viveu na mansão de Coco com sua família estava muito bem comprado. Era o objeto de desejo de Chanel. Se os familiares do compositor - diga-se mulher e filhos- sofreram humilhações enquanto Igor transava na sala de música com Chanel, entre uma partitura e outra, todos tiveram sua parcela de responsabilidade no escândalo. A situação tornou-se constrangedora e insuportável principalmente para Yelena Morozova, a mulher de Igor. Os filhos espionavam e sabiam o que se passava. O preço foi alto demais.

Outro aspecto que se destaca. Coco muito antes de Igor lutou por seu trabalho, acreditava profundamente em si mesma, a despeito de todo o machismo que a rodeava. Seus amantes e maridos não a deixavam esquecer que era apenas uma costureira ou uma vendedora de tecidos. A estilista provou que era muito mais do que isso. Daí a liberdade conquistada com sangue, suor, trabalho e talento, muito, muito talento. Por isso Coco, nos anos 20 podia fazer o que fez. Comprou Igor, divertiu-se com ele na barbas de sua mulher. Comprava e presenteava a todos. Tudo com a maior elegância. Oferecia presentes sofisticados para a mulher e a filha do amante. Alimentava e acolhia em sua casa a família do amante. Pior, todos sabiam desde o início o que aconteceria. Permitiram a humilhação e o desgosto. Finalmente é Coco que dispensa o amante.
A ausência completa de diálogo dá o tom ao filme. As pessoas não falam de seus problemas. Yelena, a mulher de Igor finalmente consegue escrever uma carta para Coco, tentando insuflar-lhe um sentimento de culpa. Inútil, o sentimento não existia na mente da estilista.

Coco Chanel conseguiu concretizar tudo o que os arquitetos desejavam nos anos 20. Estetizar a vida e a cidade. Chanel era rodeada de bom gosto e elegância. Muito alta, vestia-se de preto e branco. Oferecia presentes em preto e branco. A decoração de sua mansão também era em padrões branco e preto. Vivia os maiores dramas em meio à elegância e sofisticação.

Tornou-se mais famosa e conhecida mundialmente que Igor. Sabemos que ele tornou-se um compositor decisivo para a modernidade, na Paris dos anos 20. Para o mundo parece que ela foi mais importante. Mas, se era uma mulher liberada e genial? Porque a história de sua vida nos causa essa sensação de tristeza? Sentimos por ela uma grande tristeza. Um sentimento de quem não foi nem nunca conseguiu ser feliz...


Um Doce Olhar

"Um Doce Olhar" sobre Yusuf, na verdade são quatro doces olhares, o do diretor turco Semih Kapanoglu sobre seus personagens, o olhar do pai, do professor e do próprio menino. Com sete anos de idade, aproximadamente, Yusuf vive com os pais em uma aldeia muito distante. Seu mundo restrito não lhe oferece oportunidades de superação e crescimento.

Semih inicia filmando a floresta, verde, úmida e escura. O pai tem "Um Doce Olhar" para o filho. Vive de criar abelhas no meio da floresta, a partir do néctar de flores. Nenhuma nota musical. Os sons do filme são os da própria realidade. Como em um documentário, ouve-se o som angustiante do vento. Interessa a relação com a natureza. O tempo é outro. Não pertence ao homem mas, à natureza soberana. É o tempo do vento, das árvores balançando, do pasto que ondula como uma vasta cabeleira. Da estrada barrenta, das nuvens pressagas, da neblina e da chuva. O som do vento sempre remete ao passado de cada um. Na aldeia turca, as casas são de madeira, escuras e sombrias. A civilização parou na luz elétrica e na mochila de Yusuf.

As pessoas não falam. Temos dúvida se a mulher que serve a refeição aos dois é a mãe ou empregada. O pai de "Um Doce Olhar" é presente, mas sai para fazer seu trabalho, sem preocupar-se com a volta. Quando está perto de Yusuf incentiva-o e procura ensinar o filho. O menino é tão desprotegido, tão assustado com o mundo que parece afundar, afundar... Como se a angústia e a depressão o amarrassem com mil fios. Yusuf sente-se ameaçado. Algum de nós pensou que ser criança e superar as próprias dificuldades pode ser muito mais difícil do que já ser adulto? Essa superação parece quase impossível para Yusuf, que mais "observa" o seu pequeno mundo do que vive.

Que lugar é esse que se uma pessoa desaparece ninguém sai à procura? A submissão feminina impede a mãe de Yusuf de gritar em alto e bom som que seu marido pode estar precisando de ajuda? Como uma Penélope continua tecendo tricô à espera de Ulisses...

"Um Doce Olhar" pode ter muitos aspectos autobiográficos do diretor, e de cada um de nós. Tantas lembranças esquecidas naquela caixinha, tão bem guardada que não sabemos mais onde se encontram. Yusef não tinha irmãos para protegê-lo ou abandoná-lo. A relação com o pai é o mais importante.

Perto de outras pessoas as dificuldades aumentam. A sensação de insegurança trás todos os problemas e fraquezas. Na frente dos colegas o menino não lê, gagueja. Mas perto do pai ele falava, não falava? Como um segundo pai, o professor é paciente, aguarda o momento do estalo no aluno.

Semih completa a trilogia, o "Ovo" foi o primeiro, "Leite" o segundo e "Um Doce Olhar" é o terceiro. No original chama-se "Bal" que significa "Mel". O filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2010.

Parece que o professor sabia, sentimos um outro olhar em Yusuf quando ele observa a tristeza da mãe, que chora a ausência do pai. Com o olhar mais doce, parece querer dizer: _"Aguenta aí Mami, que eu vou te ajudar". Momento único no filme de uma beleza só de sentir, não de dizer. E ele toma degute o copo de leite que negava diariamente. O menino precisa refugiar-se na floresta que o acolhe como uma mãe, para crescer e superar a perda do pai. A raiz tortuosa da árvore transforma-se no berço de onde deverá acordar adulto, ou quase...


domingo, 15 de agosto de 2010

Origem (Inception)

Maurits Cornelis Escher, o grande artista holandês desenhava objetos impossíveis, que desafiavam todas as regras de física, e de tudo o que está estabelecido como verdade sobre a estrutura de nosso planeta. O mundo mágico de Escher é fascinante e misterioso. O artista cria novas possibilidades para a realidade, não importa se ela de fato existe ou se é um sonho. Em "Magic Mirror", uma litografia de 1946, Escher nos propõe um espelho onde figuras aladas em três dimensões se transformam em desenhos bidimensionais que passam através do espelho. Voltam a adquirir a terceira dimensão, se enfileiram em um movimento infinito e voltam a passar pelo espelho. A idéia de um mundo de sonho, de um mundo paralelo onde não sabemos onde começa e onde termina a realidade é a proposta de Christopher Nolan para seu novo filme "Origem" (Inception).

Leonardo di Caprio é Don Cobb especialista em invadir mentes para descobrir os segredos do inconsciente, roubar ou implantar idéias e desejos. Para realizar seu trabalho, Cobb aproveita os momentos de sono, quando as pessoas sonham. Torna-se um espião disputado e ao mesmo tempo, um foragido. Seu maior desejo é rever os filhos. Christopher cria cenários fantásticos. Como um novo Escher, o diretor cria os espaços do sonho, de uma outra realidade, onde a arquitetura adquire grande importância. Se em tudo, os cenários remetem a Escher, também desafiam toda e qualquer regra de perspectiva. Lembram? aquilo tudo que os arquitetos aprendem na Escola e cujas regras Brunelleschi estabeleceu no século XV? Aquele mundo bidimensional, onde é possível representar da melhor forma a terceira dimensão? Tudo isso cai por terra. O cenário gira, as casas e os prédios fazem uma volta de 180 graus e se transformam no reflexo de si mesmas. Telhado contra telhado, com o Plano do Quadro - desta vez - horizontal. Como Escher, um mundo em que o artista domina os conceitos de geometria e de perspectiva, cria a ilusão e o sonho. Surge o espelho, como o grande Plano do Quadro da perspectiva, e atrás dele existe um outro mundo. Qual dos dois é o verdadeiro? Cobb conta que Mal (Marion Cotillard) usava um talismã, quando o pião girava sem parar, infinitamente, ela sabia que estava no mundo do sonho...

O decór é fascinante, o mundo nem sempre termina em ponto de fuga central, o cenário dobra e os personagens continuam caminhando, num mundo dobrado indiferentes às regras da gravidade. Cobb afirma que precisa de um arquiteto para projetar o cenário dos sonhos, e que os personagens povoarão esse cenário, como projeções de seu inconsciente.

As citações à psicanálise são inúmeras. O perigo é iminente porque os conflitos no inconsciente do personagem são problemas enormes e não solucionados. Tudo poderá colocar em risco a expedição ao inconsciente e ao sonho. Christopher Nolan empresta ao personagem de Leonardo Di Caprio a sensação da culpa. Uma culpa enorme - como aquela que você sentiu aquela vez lembra? - e quanto maior a culpa, maior a catarse. O dr. Vinicius Jockyman adoraria o filme.

A cidade de sonho é fantástica, abandonada e povoada pelas lembranças de quem sonha. Assim, vemos a casa onde morava Mal, a mulher de Cobb, que cometeu suicídio. Eis o grande motivo para a culpa de Di Caprio. Ele teria implantado na mente da mulher o desejo de morte. Quando os dois viveram juntos em sonho e envelheceram na cidade vazia, povoada pelos prédios, Cobb implantou na mente de Mal esse desejo mórbido. Se os dois morressem em sonho, reviveriam jovens quando acordassem. O desejo de morte nunca se apaziguou...

Grandes perigos rondam a nova missão de Cobb, implantar na mente de um rico herdeiro, a idéia de dividir a herança para o vilão se beneficiar. Como todos nós, como qualquer um de nós, o jovem tem grandes problemas de relacionamento com o pai. Problemas esquecidos no inconsciente se manifestam como grandes tempestades que podem impedir a volta à realidade. Quando não voltamos ficamos no limbo. Engraçado, sempre uso a expressão limbo para definir coisas que não são boas, nem más. Muitos me olham surpresos. Penso. Ha! Eles nunca ouviram falar em limbo, nem estudaram em colégio de freiras. Para meus alunos, explico que é o lugar onde ficam as criancinhas que não foram batizadas, na visão da igreja católica. E agora eles falam em limbo. Assim o grande perigo é não conseguir voltar a tempo. Ficar preso no limbo de nossos problemas.

Os dramas psicológicos são a chave do filme. Fischer (Cillian Murphy), o herdeiro culpa-se por não conseguir libertar-se da figura do pai, que teria pronunciado no leito de morte a palavra "desapontado"... A solução também é entrar no sonho de Fischer. As projeções dos problemas psicológicos são o grande obstáculo a ser vencido. Vencer os traumas e os dramas de cada um. Quando os inimigos caem no abismo ao tentar impedir toda e qualquer ação, enuncia- se o paradoxo.

O elenco é de primeira. Leonardo Di Caprio mais uma vez é o grande artista. Nenhuma surpresa é como aquela monotonia do aluno que tira dez em tudo. Monotonia maravilhosa! Marion Cotillard é Mal, a atriz perfeita para o papel. Está tão linda quanto em "Inimigos Públicos". Ken Watanabe é Saito e Fischer, o herdeiro é Cillian Murphy.

Como naqueles sonhos que se repetem em nossas vidas. Sonhamos que vamos ao encontro de uma pessoa, importante para nós. Ela nunca aparece no sonho. Continuamos a busca. Sonhamos novamente. Vamos encontrá-la. Cobb sonhava com os filhos. Não conseguia encontrá-los. Eles apareciam e sumiam. Um dia, consegue ver os filhos. Paradoxalmente, o pião gira sem parar...


domingo, 8 de agosto de 2010

Uma Noite em 67

A inesquecível noite em 67 entrou para a história, transformou-se em fato histórico , sociológico e muita coisa mais. Marcou a geração do Pós-Guerra. Quem nasceu em 1945, tinha 22 anos na época. Caetano, Gil e Chico Buarque tinham mais ou menos a mesma idade.

''Uma Noite em 67" é um documentário sobre o Festival da Record de 1967, em que participaram Edu Lobo, Chico Buarque de Holanda, Marília Medaglia, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Elis Regina, MP4 , Sérgio Ricardo e outros artistas.

Não sei bem porque, nunca quis relembrar os tempos da ditadura, nem de momentos marcantes como esse. Mas minha amiga Miriam me convenceu. Fomos ao cinema. Valeu, me emocionei, revi e ouvi as músicas que marcaram a minha vida.

Assistindo ao documentário penso em como eram tempos difíceis e de intolerância. Quando revejo coisas que sei que aconteceram - e que eu gostaria de mudar-, sinto um frisson por antecipação, como nos segundos que antecem à raiva e ao desabafo de Sérgio Ricardo. Já que ele estava com tanta raiva, deveria ter batido mais vezes com o violão, no banquinho, para ele se espatifar em mil pedaços, antes de jogá-lo no público. Esse é um momento do passado que eu gostaria de mudar. Mas o próprio Sérgio Ricardo, afirma não se arrepender do que fez, mas que hoje não quebraria o violão.

Volto a lembrar a frase de Emmanuelle Riva em "Hiroshima meu Amor" : "Comme j'étais jeune a jour a Nevers"! Como eram todos jovens! Alguns belos, outros engraçados. Todos eles revolucionaram uma época de repressão, caretice e conformismo. O lema era "Brasil, ame-o ou deixe-o".

Relembrando, "Ponteio" tirou o primeiro lugar. Edu Lobo era dos mais bonitos, o tempo passou muito para Edu. Chico Buarque era um jovem belíssimo, de smoking e muito afetado. Ensaiava gestos com as mãos, sempre segurando um cigarro entre os dedos. Em 67, fumar era chic e elegante. Vejam só como os tempos mudam, ainda bem!

Dois caras que eu adoro, Roberto Carlos e Caetano Veloso. Eram uma graça na época! O casaco "pied poule" (era?) de Caetano fez história, idem o penteado. Roberto Carlos encantava com a sua sinceridade. Já era o rei e ainda não sabia. Muitos intelectuais torcem o nariz para o rei. Mas como? desde meus tempos em Dom Pedrito lembro como ele cantava "E que tudo mais vá para o inferno"! Como eu sempre gostei de tudo isso! Dois deles, hoje com mais de sessenta anos estão tão bem ou melhores, do que aos vinte, Caetano e Gil.

Me alegro em saber como eram jovens e humanos. Hoje parecem estrelas intocáveis. Naqueles tempos eram sensíveis e inexperientes. Fizeram a platéia rir muito. Roberto Carlos, Caetano e Gil mostraram uma ingenuidade e ao mesmo tempo uma perspicácia incrível. Caetano, ao contrário de Sérgio Ricardo dobrou o público somente com seu canto.

O outro, Chico, sem saber dava o recado para Sérgio Ricardo "quem me dera agora eu tivesse a viola para cantar"! A crise de pânico de Gilberto Gil foi tragicômica. Vocês conseguem imaginar aquele senhor que é entrevistado no filme, dando banho em Gil e quase obrigando-o a se apresentar? Pânico e medo são uma verdadeira prisão, Ronaldão que o diga, quando fez aquele fiasco na Copa. Por isso gostei desses artistas ainda mais, pelo lado humano que confessaram. Gil emociona quando afirma que seu segundo grande momento de medo aconteceu quando foi preso. Eles, os jovens da Record somente cantavam...

Victor Jara, o cantor chileno, teve punição maior. Não parava de cantar para seus companheiros, todos presos em um campo de futebol, no Chile. Como não parava de cantar, seus algozes pegaram um facão e cortaram suas duas mãos. Sangue, dor e tristeza por nosso irmão chileno. Essa barbárie horroriza até hoje. Disseram-lhe: "Agora canta"! Isso é verdade? Pior é a mais pura verdade. O campo de futebol virou campo de concentração. Por isso é tão verdadeira a história de Eduardo Galeano, "As veias abertas da América Latina".

Caetano nos fez rir ao não conseguir articular palavra quando lhe perguntaram o que era pop!

Acho que os diretores estão de parabéns pelo belo trabalho. "Uma Noite em 67" ficou para a história e é importante que as novas gerações conheçam e valorizem essa belíssima história da música popular brasileira. E ver como poderia virar caso de polícia uma discussão sobre a guitarra elétrica! he! he! he! Lamentei que Elis Regina tenha aparecido só em uma ou duas cenas...


Meu malvado favorito

Pierre Coffin e Chris Renaud dirigem a animação em 3D "Meu Malvado Favorito", do estúdio Illumination. O filme impressiona mais pela adorável história do vilão que vira o bonzinho, do que pelos efeitos em 3D. A não ser pela ponta do foguete que parece encostar no observador, ou pela figura dos personagens que avançam em relação ao cenário de fundo, os efeitos da terceira dimensão são convencionais.

Gru (Steve Carrell) rivaliza com Vetor, a respeito de quem é o maior vilão da cidade. Quando é noticiado que houve o roubo de uma pirâmide e sua substituição por um modelo inflável, a mãe do malvado lhe telefona pensando que seu adorável filho é o autor da façanha. Mas os planos de Gru são mais ambiciosos. Pretende roubar a lua. Para isso precisa vencer Vetor, o menino nerd vilão.

Enquanto elocubra seus planos maldosos, três meninas órfãs batem à porta. Na verdade, Edith, Agnes e Margo buscam pais adotivos. Gru interessa-se em representar o papel de pai adotivo somente quando descobre que as três garotas tem acesso ao "bunker" de seu arquiinimigo. Por ordem da malvada tia Hattie, diretora do orfanato, elas vendem biscoitos a Vetor, que detém em seu poder o terrível lançador de raios redutores. O equipamento fantástico é tudo o que Gru precisa para tentar concretizar seu sonho.

Em termos de vocação para o mal, Gru logo entra em crise. No início nega um beijinho de boa noite para suas três filhas adotivas, para logo em seguida render-se aos encantos das três graças. Agnes, a menorzinha, é um verdadeiro docinho. As meninas revolucionam a vida de Gru. Sua casa que parecia uma lúgubre e escura caverna, transforma-se. Até seu horrendo cão morde-tudo transforma-se num doce "doguinho" cor de rosa. A roupa de astronauta que Gru deverá usar na viagem espacial, por obra e graça das meninas é um macacão cor de rosa.

Como bandido de primeira, Gru não desiste de roubar a lua. Os confrontos entre os dois malvados que disputam o troféu de bandidagem se acentuam e movimentam o filme. A música é ótima e cria um verdadeiro clima de suspense.

Assim como todo ser humano, se Gru tem em si a vocação para o mal, também possui o seu lado bom. Quando descobre que Agnes, Margo e Edith foram raptadas por Vetor, joga-se de corpo e alma na árdua tarefa de salvá-las.

A platéia adora as peripécias do malvado, sem a menor vocação para a maldade. Vibram ainda mais quando ele arrisca a vida equilibrando-se sobre um fiozinho que une duas naves em meio ao abismo do infinito, tudo para salvar a vida da garota mais velha.

O filme transforma-se em doces momentos de diversão e reafirma o que eu sempre digo e repito, "ser pai adotivo é uma experiência única". Não é de admirar-se que o encargo mudou a cabeça de Gru. Agora ele consegue dar muitos e muitos beijinhos de boa noite em suas três filhas adotivas.


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Antes que o Mundo Acabe

Ana Luiza Azevedo a diretora de "Antes que o Mundo Acabe" é uma talentosa gaúcha, integrante da Casa de Cinema de Porto Alegre. Foi assistente de longas de diretores como Jorge Furtado, Carlos Gerbase e Carlos Reichenbach. "Antes que o Mundo Acabe" é um filme delicado, com um toque feminino, de quem possui experiência em conflitos familiares, vida em família, relacionamento entre irmãos, maridos, esposas e ex-maridos. A história baseia-se no livro "Antes que o Mundo Acabe" de Marcelo Carneiro da Cunha.

Daniel (Pedro Tergolin) é um adolescente, que mora em uma cidadezinha no interior do Rio Grande. É filho de pais separados. Mora com a mãe. Poderia ser a história de qualquer adolescente, de qualquer lugar. Daniel ganhou o mesmo nome do pai, um fotógrafo que desistiu da família e foi morar na Tailândia. Se não abandonou o filho, privou-o de sua presença enquanto o menino crescia. Daniel-pai (Eduardo Moreira) fica doente e revê sua vida. Lembra-se do filho. Surge o desejo de reatar relações e rever Daniel. Nesses momentos difíceis, quando as pessoas adoecem, repensam suas vidas. Às vezes mudam... É a vantagem que temos, de ficar à beira da morte. Daniel-pai que aparentemente abandonou Daniel e não teve coragem de assumir determinados encargos na vida, agora quer rever o filho a todo custo.

A história é narrada na visão da irmã menor, Maria Clara (Caroline Guedes). O roteiro de Jorge Furtado, Ana Luisa, Giba Assis Brasil e Paulo Halm tem o caráter e o estilo politicamente correto e reconhecível de Jorge Furtado. É possível constatar a assinatura do diretor. Possui o mesmo tom de Ilha de Flores. Assim , Furtado fala através da caçula. A relação entre Daniel e Maria Clara reproduz a rivalidade entre irmãos, que no fundo se amam muito, mas vivem para infernizar um a vida do outro.

"Antes que o Mundo Acabe" é o título de uma exposição em que Daniel-pai participa com suas fotos geniais. A idéia de ganhar como novo, o seu velho e verdadeiro pai é o tema do filme. Isso contribui para enriquecer o personagem. É ressaltado como o aspecto positivo para o futuro e para o amadurecimento do jovem Daniel. Daniel-filho não apenas ganha novamente a figura do pai, como mantém seu outro pai. O padrasto (Murilo Rossi) assume com rara felicidade a figura do pai. Quando não tem como resolver os problemas, convida Daniel para fazer pão, acalmar os nervos e esfriar a cabeça. Alguma vez passou pela sua cabeça essa idéia genial? O padrasto tem todos os predicados, além de tudo é apaixonado pela mãe Elaine (Janaína Kremer).

A delicadeza, a visão da cidade do interior, a falta de perspectivas, os conflitos com colegas e os primeiros namoros correm em paralelo. Gostei mais dos personagens e das interpretações de Daniel e da irmã Maria Clara. Confira.


Salt

"Salt" é o novo filme de Angelina Jolie que estreou em Porto Alegre nesta sexta-feira. O enredo não é novidade, trata de intrigas de espiões na guerra fria, entre Estados Unidos e União Soviética. Os tempos em que os maus eram os russos ainda estão em voga. Angelina é Evelyn Salt, uma agente da CIA. A historinha só tem interesse porque a suposta espiã é interpretada pela bela Angelina. Quando o filme inicia, Ev é torturada por comunistas, na Coréia do Norte. O marido consegue que seja trocada por outro prisioneiro.

De volta às atividades na CIA, Ev interroga Orlov, um desertor russo, que revela uma história estraordinária. Enquanto houve a guerra fria, muitas crianças foram treinadas para matar e enviadas aos Estados Unidos, para substituir e eliminar pessoas escolhidas pelo Partido. Apesar do mundo ter mudado e da Rússia ter se desestruturado, essas crianças cresceram e permanecem no EUA. No Dia-X, pretendem criar um incidente diplomático, assassinando o presidente russo, durante sua visita ao país. Orlov afirma que o nome da espiã é Evelyn Salt. Justo a bela Angelina Jolie. Aí tem início o frenesi de perseguições e acrobacias fantásticas da mulher mais sexy do mundo. Mas, como a bela está magrinha! Afinal Angelina Jolie é Jolie e ponto final (leia Jolie em francês, que significa bela, bonita) ! Os companheiros de trabalho não entendem porque Jolie foge. Ela corre tentando salvar o marido Mike, (August Diehl).

Ted Winter (Liev Schreiber) e Peabody (Chiwetel Ejiofor) são os agentes da CIA que a perseguem. Lembram-se Liev Schreiber em dois bons filmes em 2009? Era o irmão mau de Wolverine, em "X-Men, Origens Wolverine" e também o irmão, desta vez de Turio (Daniel Craig) em "Um Ato de Liberdade", uma belíssima e verdadeira história sobre a Segunda Guerra Mundial. O outro colega é Chiwetel Ejiofor, que fez "Amistad", um filme de Steven Spielberg, por isso a impressão de "déjà vu". É verdadeira.

Angelina é a atração do filme. É mais ágil e atlética do qualquer personagem que possamos imaginar. Escala uma parede a muitos metros de altura, sem nenhuma proteção. Agarra-se às pequenas saliências do prédio, como se tivesse ganchos ao invés de mãos. Pula para dentro da caixa do elevador. Salta como uma mulher aranha, de um lado para outro. Na cena clássica - vimos pela terceira vez em poucos dia -, a heroína pula de um carro para outro em alta velocidade. Pois é, Angelina faz tudo isso e mais.

Impressionate é sua caracterização com agente - dupla ou não. Quando está caracterizada como a verdadeira Evelyn, de fato usa uma peruca loura e tem olhos azuis. Quando usa disfarce, seu cabelo é bem curtinho a "La Garçonne" e os olhos são escuros. Como morena, parece ainda mais magra e pálida, distribui socos e faz piruetas mirambolantes, um pouco como arte marcial. Usa camisa branca sobre calças pretas. Parece muito frágil, mas é exatamento o contrário. Charme é o que mais esbanja. Prestem atenção à jaqueta justa, com gola assimétrica. Poderia virar moda, na hora, no instante! (leia Jolie em francês, que significa bela, bonita).

Você percebeu? Quando os desenhistas estilizam uma mulher heroína, ela é alta, muito magra e belíssima, como a Valentina, de Guido Crepax. Os traços femininos são simplificados e acentuados quando se estiliza. Com Angelina isso é desnecessário, consegue ser mais impressionante que a Valentina. Ela veio estilizada ao vivo e a cores. É naturalmente assim, simplesmente, magra, alta, bonita e com aquela bocona imitada por muitas mulheres! (pobres! coitadinhas, porque não desistem?). O único detalhe, Jolie é desprovida de glúteos. Mas quem se importa com isso? Glúteos são para as brasileiras, não para a bela Jolie.

Não perca mais uma aventura de Angelina Jolie, depois me diga se você gostou.