sábado, 24 de outubro de 2009

COMENTÁRIO

Eder vou acessar o teu blog, com certeza. Se quiseres, a Lucia da Insights Núcleo Criativo pode dar um novo visual. Ela também tem um chamado (Ins)piradas: inspiradas.blogspot.com

Abraços, Doris Maria

COMENTÁRIO

Pedro, e ai?

Escreves de uma forma tão definitiva, elaborada e intelectual que fico meio sem graça para responder. Há lembrei! Assisti ao filme Camille e Claudel. Gostei muito e odiei o Auguste Rodin, cuja escultura vi, verde, num pátio em Paris, e pensei que ela fique bem verde e feia, não importa. O outro belo filme sobre a opressão masculina é Artemísia, com Valentina Cervi. Dá uma olhada, acho que vais gostar.

Abraços, Doris Maria

O DESINFORMANTE

Matt Damon é O Desinformante ! Mas o nome oficial do filme é The Informant! Desta forma, na tradução foi colocada alguma coisa além para “informar” um pouco mais sobre o filme. Coisa de português? Steven Soderbergh é o diretor, o mesmo do filme Sexo, Mentiras e Videotape, também com Matt Demon no elenco.

Demon é Mark Whitacre, um jovem ambicioso, executivo de uma grande empresa ligada à produção de milho, a Archer Daniels Midland.

A composição do personagem é perfeita. Demon tem uma estatura menor do que imaginamos. Caracteriza o americano médio. Veste-se como um executivo, de camisa, paletó e gravata. Para completar usa óculos de aros escuros e grossos. Seus cabelos são louros e bem cortados. Usa um bigodinho medíocre e sua barriga é levemente saliente, típica de homens jovens e sedentários – devem imaginar que ficarão jovens para sempre, ou, não têm tempo para pensar em vida saudável. Esse era Mark Whitacre, encarnado com perfeição por Matt Demon. Por isso estranhamos seu visual e nos perguntamos. Mas como? Que cara sem graça... Demon parece mais velho! Enfim o próprio já tem 39 anos...

Não há como não comparar com o filme Prenda-me se for capaz, de Spielberg, interpretado por Leonardo di Caprio, que conta a história de Howard Hughes. O As afinidades ficam por conta das duas histórias serem verdadeiras, e das mentiras e loucuras dos personagens. Com a diferença que vibramos por Leonardo DiCaprio e nos consternamos com Mark Whitacre.

O jovem executivo consegue uma rápida ascensão na empresa. É levado pelos próprios diretores a transformar-se em informante do FBI. O grande problema do personagem é viver uma fantasia. À medida que o filme avança verificamos que Mark tinha compulsão para a mentira. E não aceitava fatos básicos de sua vida. O jovem envolve-se em uma trama de mentiras, e quase se convence que aquilo que inventa é realidade.

O personagem narra sua própria história fazendo comentários em “off”, enquanto as cenas passam em sequência, o que dá um tom leve e inteligente para a narrativa. Mas comédia! O filme é classificado como comédia! Isso sim seria ligeiramente impossível. A não ser pela música leve, uma marchinha que acompanha os personagens nos momentos mais difíceis, e que não dispensa uma batida bem compassada de tambor.

Os desvios de personalidade de Mark vão se evidenciando ao longo da trama. Talvez, o desejo mais remoto do personagem fosse superar o medo da aniquilação. Queria ser patrão a qualquer preço. Seu grande desejo era um dia tornar-se diretor da ADM. Fartura e excessos de consumismo para ele estariam na ordem de qualquer dia.

Para atingir seus objetivos trabalha como informante para o FBI denunciando os crimes de formação de cartéis praticados pela ADM e outras empresas corporativas, que fixam o preço de seus produtos no mundo inteiro.

Em Mark o desejo de atingir o cume da carreira é tão grande que provoca angústia. Esta somente pode ser mitigada pela transgressão. E Mark Whitacre transgride, e muito. Mente, e mente tanto que nega seus pais. Afirma que é filho adotivo e que adotou duas crianças. Diz que seus pais morreram em um acidente de carro quando ele tinha seis anos. Somente isso justificaria anos de terapia para nosso personagem. Mark até que freqüenta o terapeuta. É justamente quando tem a idéia para mais uma mentira. Seu transtorno bipolar, que tinha sido sugerido pelo terapeuta, teria sido afirmado por este em carta. O grande problema é decifrar quando Mark mente, quando ele imagina o que gostaria que acontecesse e quando ele fala a verdade – raras vezes isso acontece.

Em sua fantasia inconsciente identifica-se com Tom Cruise, o herói de A Firma. No filme, citado dentro do filme, Mark sente semelhanças com o personagem de Cruise. Identifica-se projetivamente com o herói, que precisava usar de esperteza para vencer seus opositores. A firma usava chantagem para controlar Cruise. Para quem o FBI também aparecia, tentando conseguir informações. Como Mark, Cruise descobria que a empresa era uma fachada para lavar dinheiro. Seu drama era permanecer ou não na empresa onde não tinha controle da própria vida.

Mark nunca desejou afastar-se da ADM. Quando isto finalmente acontece é porque as coisas saíram completamente do controle.

Uma cena particularmente sintetiza a personalidade e ingenuidade do personagem: Na sessão do júri, em que o Governo dos Estados Unidos coloca-se contra Mark Whitacre, o juiz afirma que ele poderia ter atingido o cargo de diretor da ADM. Mark fica tão feliz ao ouvir, que olha para trás, para a platéia, como que dizendo: Viram? Viram como eu sou o tal?

Seu comportamento teria lógica na medida em que o superego cobraria auto-afirmação e força do ego, em situações da vida que ele, Mark, não conseguia corresponder. O dilema provocava fantasias culposas intensas, impelindo-o a mentir e transgredir, punindo-se ao mergulhar a fundo em situações limite e de alto risco, em que quase acreditava piamente na versão fantasiosa, que apesar de falsa lhe parecia revestida de um tom verdadeiro e inegociável.

Não perca o filme e confirme a bela atuação de Matt Demon.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO

Miguel Gomes é um jovem de 37 anos. Aquele Querido Mês de Agosto estreou em 2008 na Quinzena de Realizadores, em Cannes. O filme foi exibido em festivais internacionais de cinema. Ganhou muitos prêmios, inclusive o da Crítica no 32º. Festival Internacional de Cinema de São Paulo, em 2008.

Depois de assistir duas vezes a Inglourios Bastardes foi desconcertante o efeito de Aquele Querido Mês de Agosto. As palavras do próprio diretor talvez auxiliem:

A vida nem sempre é fácil, meus amigos! Em Julho de 2006, ocorre uma pequena calamidade. A rodagem do filme, prevista para o mês seguinte, é adiada para data incerta. Falta dinheiro à produção para um argumento exigente, a ser rodado no interior de Portugal durante as festas de Agosto, e opções de casting ao realizador. Rapidamente recuperado do choque, este decide partir para o terreno com uma câmara de 16 mm e uma equipa composta por cinco elementos – pequena mas brava! – e filmar tudo aquilo que lhe parecesse digno de registo, comprometendo-se a reformular a ficção em conformidade. Esta história e as que se lhe seguiram poderão encontrá-las no filme; embora, por amor à verdade, se deva reconhecer que as aparências iludem e que certos realizadores têm uma propensão genética para a mistificação.

Documentário? Ficção? A meio deste filme vemos uma ponte: a ponte romana de Coja sobre o rio Alva, da qual se atira Paulo “Moleiro”. Sem querer parecer Confúcio, diria que de qualquer uma das margens que esta ponte une se avista perfeitamente a outra. E que o rio é sempre o mesmo.

- Miguel Gomes -


O filme de Miguel Gomes tem muito daquele tipo de produção de amador, de pai filmando o aniversário do filhinho. E tem muito também do talento de observar a vidinha pacata no interior de Portugal. Em tudo semelhante ao Brasil, os bailes, as bandas, os karaokês, tudo remete a um Brasil, meio caipira também.

E mais, as senhoras simpáticas, humildes moradoras de subúrbios, pesadonas, de vestidos escuros. Eram tão autênticas, afinal eram as próprias! Em minha vida sempre encontrei essas senhoras, uma delas poderia ser a minha avó, que sempre pareceu uma adorável velhinha portuguesa. Os olhinhos eram de cor indefinível, verdes, azuis, ou uma mistura de castanho, verde e azul? O cabelo era branco, repartido ao meio, com uma trança, presa, em coque, na nuca. Não somente minha avó, mas muitas senhoras que conheci em Dom Pedrito, estavam todas no filme de Miguel Gomes.

E a procissão? Ha! As procissões nas cidadezinhas brasileiras são a própria herança portuguesa. Em Garopaba é a mesma coisa. Em Rio Pardo os anjinhos com suas asas são fascinantes e lembram os filmes de Pasolini. Tudo isso lembra infância. Cantorias que no fundo não aumentam a nossa fé, mas que gostamos de ver e ouvir. É pitoresco, é o Brasil-português. Nunca pensei que fossemos tão parecidos. É como se aquele enterro em Garopaba estivesse dentro do filme. Quando topamos com o enterro, a emoção foi muito forte. Chorei mais que os parentes do falecido. Não foi a primeira vez. Voltamos, o passeio foi adiado.

Assim, por mais cansativo que parecesse, o filme de Miguel Gomes é tocante. Os bailes lembram o nordeste brasileiro que não conheço, mas é como se conhecesse. As letras das músicas são ótimas, a de Nossa Senhora foi gravada por Roberto Carlos.

Acho que Miguel Gomes poderia ter mostrado a cidade, valorizado a arquitetura e o espaço da cidadezinha portuguesa, como fez Luís Galvão Teles em Dot.com. Mesmo assim a Ponte Romana, de Coja, sobre o Rio Alva, de onde Paulo “Moleiro” se atirava no Carnaval é bela por demais e é uma aula de arquitetura.

O filme começa como um documentário, sem roteiro. Assim, sem maiores preocupações o grupo começa a filmar. Miguel Gomes procura mostrar efetivamente a vida das classes populares, a vida dos subúrbios. A preocupação das pessoas com comemorações de aniversários, festinhas, encontros e passeios de fim de semana, bandas e banhos de rio. Enfim coisas muito interioranas. Ele nos fala, de forma patética, da maneira de viver dos portugueses. Com certeza é brega e de mau gosto, mas traz um mundo que pensávamos estar perdido em nossas lembranças. O kitsch tem seu fascínio. Alguns cantores eram horríveis. Um deles, de cabelo engomado, crespo e alisado à força, seria a versão portuguesa do Roberto Carlos? Não, é possível, o rei é único!

Repentinamente aquelas pessoas estão enredadas, o diretor caminha para o lado do incesto. Mistura-se realidade e ficção. Por isso mesmo a ficção parece tão verdadeira. Mas estava tudo tão bem... Não queríamos pensar nesse tema tão doloroso! Com o maior bom humor Miguel Gomes recoloca o tema do incesto, quando o cantor rima e canta - que com certeza aqueles dois não eram pai e filha, mas sim marido e mulher! A cena por si só valeu o filme.

Diga-se de passagem, os portugueses fazem jus à fama que possuem no Brasil. Nenhum membro da equipe, nenhum dos cinco dignou-se a dirigir a palavra para a jovem que queria participar das filmagens. Ela precisou desafiar o cineasta na jogatina. Se acertasse o alvo, participaria das filmagens. Coisa de português, não é mesmo?



BASTARDOS INGLÓRIOS

Eu não gostava muito do Quentin Tarantino. Passei a amá-lo desde sexta-feira. Tarantino faz o quer com a platéia. Todos riem na hora que o diretor quer. Todos ficam num silêncio sepulcral um segundo depois. Tudo por obra e graça do diretor que sabe o quer.

Inglourius Basterds é um filme genial. É pura diversão e imaginação, que passa

longe da realidade histórica. Tarantino homenageia o cinema e seus diretores.Faz seu filme recuar a 1700 a. c., ao Código Hamurabi, inspirado na Pena de Talião, que implica na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, apropriadamente chamada retaliação. A lei é expressa pela máxima, olho por olho, dente por dente. Assim, todos os crimes nazistas simbolicamente são remidos através da retaliação. O grupo americano, do comandante Aldo Raine (Brad Pitt), com nove feras, os Inglourius Basterds, caça os nazistas, e os faz purgar por seus crimes. A cada soldado cabe a cota de retirar cem escalpos inimigos. O espectador identifica-se imediatamente com os Inglourius Basterds. A platéia vibra e aplaude no final, em verdadeira catarse.

Impera a barbárie, que supera em violência, a sutil crítica de Chaplin – repetida por Jerry Lewis - em memorável filme onde ele espetava o peito do alemão nazista com a medalha que o condecorava. A cena é inesquecível e vibrante.

Tarantino conta uma história em capítulos. No primeiro Era uma vez, antes da primeira cena, ouvimos a música de Ennio Morricone. De antemão sentimos a tragédia. O ano era 1969 quando assistimos ao belíssimo Era uma vez no Oeste, de Sérgio Leone, com a jovem Claudia Cardinale. No silêncio e amplidão da paisagem desértica, um homem e seus filhos são brutalmente massacrados. Tarantino recria Leone. No filme de Tarantino, a paisagem é belíssima. Vemos os campos verdes da França. O ano é 1941. Pierre LaPadite (Denis Menochet), o fazendeiro, corta lenha e sua filha estende os lençóis. Ao longe, a jovem vislumbra o grupo de nazistas. O coronel Hans Landa se aproxima, escoltado por indefectíveis soldados em suas motinhos. Christoph Waltz faz um Caçador de Judeus, tão descarado e cínico que espanta a mais insensível das criaturas.

Como nazista Christoph Waltz está perfeito e envolvente. Suas expressões faciais e os movimentos com as mãos só enriquecem o personagem. Fala com suas vítimas com gestos polidos e delicados, que não escondem o seu veneno mortal. Landa sente paixão pelo que faz. Considera uma missão sublime caçar judeus e matá-los impiedosamente. Interessante no filme é observar como ele tenta se controlar e seduzir suas vítimas, para finalmente dar-lhes o golpe de misericórdia. Sentimos que teremos a vez antes do filme terminar. Landa se intitula parente do falcão. Em seu imaginário, os alemães são os falcões e os judeus, os ratos. De fato, Hans Landa é uma víbora desprezível e sórdida. Rato para ele seria elogio.

Em quatro situações vemos o jogo de Hans Landa com suas vítimas. Primeiro com Pierre LaPadite, pai das três jovens, que esconde a família Dreyfus em sua casa. Senta-se à mesa e conversa com o fazendeiro. Faz questão de tomar um copo de leite. Landa escolhe falar o francês, que domina com perfeição. Para as vítimas não entenderem - estão sob o assoalho -, passa a falar em inglês. Despede-se novamente com os termos mais polidos, em francês, e aponta para o chão indicando onde seus sicários devem atirar. A explosão de violência é assustadora.

Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) foge. Através do retângulo da porta, a paisagem verde e luminosa a envolve. Em oposição, a silhueta negra do nazista aponta a pistola. Sem vontade, o coronel protela a caçada. Como o predador que se diverte com a presa, deixa a refeição para mais tarde. Está momentaneamente saciado.

O segundo encontro com a jovem judia não é menos assustador. Shosanna é “convidada” por Frederick Zoller, o herói nazista, para ir ao seu encontro, onde está Joseph Goebbels. Daniel Bruhl interpreta Zoller. Lembram do adorável jovem que escondia as mudanças na Alemanha Oriental, em Adeus Lenin? Landa pede para falar em particular com a jovem, e propositadamente lhe oferece um copo de leite. Shosanna treme. Com essa mesma cara de pedra ele se levantara antes de ordenar, placidamente, o massacre na casa de LaPadite. Num segundo seu semblante muda. A dureza se desfaz em um sorriso cínico. Afirma que esquecera o ia dizer. Landa domina a intimidação, manipula seus opositores. Faz um jogo que envolve um trato onde ele sempre pretende sair vitorioso.

O grupo dos Inglourius Basterds poderia ser Os Doze Condenados (1967), de Robert Aldrich, chefiados por Lee Marvin. O filme representava o máximo no desprezo aos militares, à hierarquia e à obediência na caserna. Assim como em The Dirty Dozen, cada bastardo tinha sua especialidade. Um deles, Donny Donovitz (Eli Roth), o Urso Judeu, golpeava nazistas com um bastão de beisebol. O outro Hugo Stiglitz (Til Scheiger) matara treze alemães da Gestapo, alistando-se nas linhas inimigas. Desta forma a platéia libera seus maus instintos e fica fascinada com a pancadaria em que Stiglitz, à moda Robert de Niro, em Os Intocáveis, arrebenta a cabeça do alemão com o bastão de beisebol. O outro nazista não tem tempo de se mexer, leva um tiro pelas costas! Pasmem! Só não foi bem um tiro na nuca à moda nazista. É isso aí, na hora da loucura é olho por olho e dente por dente.

Mas o melhor está por vir. O capítulo três intitula-se German Night in Paris. Mostra Shosanna em sua sala de cinema onde passam filmes de Leni Riefenstahl e do diretor austríaco Georg Wilhelm Pabst. A jovem esclarece que os franceses prestigiam os diretores de cinema, independente da vontade dela. Influenciado por Zoller, Goebbels escolhe o cinema de Shosanna para fazer a grande noite alemã. O filme de estréia será O Orgulho da Nação, estrelado pelo próprio herói nazista, Fredrick Koller. Assediada por Zoller, Shosanna decide explodir sua sala de cinema com os quatro grandes líderes do nazismo, cuja morte se fosse possível, decidiria o fim da guerra naquela noite.

Paralelamente, o grupo dos Inglourius Basterds planeja a Operação Kino. O grupo pretende explodir o mesmo cinema. Brad Pitt está muito divertido, com o rosto bolachudo, imitando um legítimo americano do Tennessee, um herói com ascendência apache. Tarantino mostra a ingenuidade dos heróis que lutam contra o nazismo. Os Inglourious Basterds também parecem os dez patetas. Aldo Raine com os seus oito, mais Hugo, arrecadado na prisão. São hilários nas bobagens que fazem e nos foras que protagonizam. Como todo filme da Segunda Guerra Mundial não poderia faltar uma espiã loura. Em Inglourius é a atriz Bridget Von Hammersmark, interpretada por Diane Kruger. Como Helena, quase fez Tróia desandar. Está mais convincente em O segredo de Bethoven e neste filme.

No quarto encontro de Landa com suas vítimas, Bridget é convocada para uma conversa particular com o Caçador de Judeus, nos preparamos para o pior. Como na Gata Borralheira, o sapatinho de cristal serve no pezinho da atriz e significa sua condenação. Nesse momento Landa cede aos seus fantasmas. Realiza o seu desejo de matar. Quando sai da sala seu rosto está aliviado por ter saciado toda a sua barbárie.

O jogo de sedução entre Fredrick Zoller e Shosanna não se realiza. Ele é o herói nazista que interpreta seu próprio papel no filme dentro do filme, O Orgulho de uma Nação. Zoller é amado pelos nazistas e se compara a Gary Cooper, em Sargento York e Van Johnson.

Shosanna não cede ao assédio de Zoller. Na mais bela sequência de planos, depois de preparar-se para a guerra pintando o rosto, se veste de vermelho. Esta recostada em uma janela, que lembra o rolo da película cinematográfica. Quando Zoller destrói seus planos, não lhe resta alternativa, senão matá-lo. Eis que nesse momento ela fraqueja, pensa na terrível possibilidade de amar um nazista. Zoller, quase morto, se vira e dispara um tiro com a mão esquerda. Que nem um Romeu e Julieta às avessas os amantes que nunca realizaram seu amor, morrem juntos. A cena é belíssima, ela de vestido vermelho, toda manchada de sangue é filmada em plongè.

E vence o cinema, Shosanna está morta, mas o cinema está vivo. Como um fantasma, em gargalhadas, a imagem de Shosanna, enorme, toma conta do cinema e espalha o terror. Vingança e fogo enchem a tela.

E Landa, que sempre estabelecia o jogo de sedução com suas vítimas, tenta fazer o mesmo com Aldo Raine pela quarta e última vez. É genial, espere para ver. Mas não esqueça, Aldo usava um facão, daqueles de escalpo, para marcar nazistas com uma suástica, na testa, para que fossem reconhecidos quando tirassem seus uniformes. Isso causava o maior ódio no Fuhrer. He,he, he!



sábado, 10 de outubro de 2009

ANTICRISTO

Lars Von Trier é um diretor exótico, diferente, de outro mundo. Anticristo provocou espanto e vaias no Festival de Cannes. Não foi bem aceito pela crítica. O filme provoca controvérsia. Anticristo nos causa mal estar, escandaliza e provoca risos nervosos na platéia. Ninguém se identifica com ninguém. Os personagens passam longe de nós, por mais que cada um possa sentir-se com problemas psicológicos. Será isso mesmo? Ou negamos o horror que possa existir em nós?

Lars Von Trier é assim, desde a patética ceguinha que era roubada pelo amigo em quem confiava até Nicole Kidman – deixando todos fazer o que quisessem, com ela – reagindo e assumindo seu ódio e sua matança.

Anticristo é muito mais desconcertante. Nos filmes anteriores, para o espectador pelo menos, havia o efeito de catarse, um efeito purificador, de tragédia clássica, com situações dramáticas, de extrema intensidade e violência. Vinham à tona sentimentos de terror, ódio e vingança, proporcionando alívio ou purgação. Matávamos junto com Nicole todos aqueles que nos tinham causado mal algum dia. Mas, em Anticristo, o que é aquilo?

O casal perde o filho em circunstâncias trágicas e se recolhe na floresta para purgar seus pecados. O filme é sombrio e escuro. Na floresta nunca vemos os personagens fazendo alguma coisa que as pessoas normais fazem: comer, dormir, vestir-se, arrumar a casa, fazer o almoço. Ou no mínimo comprar alguma coisa para sobreviver na floresta, onde não havia nada a não ser o verde a perder de vista.

A mulher sente-se culpada pela morte do filho, não pára de chorar. Toma muitos remédios. O marido, um terapeuta, que vivia afastado da família decide recuperá-la. A situação entre os dois vira a oposição entre médico – que domina a situação – e paciente –, que se submete. O lance de saída é antiético. Não é preciso pensar muito para saber que não se deve ser juiz e réu na mesma causa.

Com o desconforto, de que a paciente faz sexo com o terapeuta. A única coisa mesmo que o casal faz é sexo, isso sim. Apesar da fossa profunda e interminável, o sexo continua. Aliás, foi na hora do sexo que o bebê saiu a andar pela casa e caiu tragicamente da janela. Mas eles não colocaram uma grade? Bem, assim não teríamos o filme, não é?

A mulher deve pensar no seu maior temor. E o homem a fará sentir esse medo. Por isso a experiência na floresta. Era o que ela mais temia. Você pensou no seu maior temor? Morrer queimada, cair de um avião? Ficar presa num caixão? Ou na câmara de ressonância magnética? Ser seqüestrada? Sofrer um trágico acidente de trânsito? Ou o pior temor ver seus entes queridos flagelados, amputados, morrendo devagar e não poder fazer nada? Ou mortos? Ou o pior, ver seu filho morto?

Este foi o pior e aconteceu ao casal que não superou nunca. A morte de um filho ninguém supera. Mas a vida deve continuar. Não para o casal do filme que entrou em processo de decomposição.

Anticristo possibilita muitas interpretações. Uma delas acena para o ato falho da mãe, que teria colocado os sapatos trocados no bebê. Podemos ensaiar com a possibilidade de ela já estar louca e demente, ou ainda ter iniciado um processo de loucura. O diretor enfatiza que a autópsia evidencia deformações nos pés do bebê. O marido descobre que foram causadas pelos sapatos trocados. Assim, a mãe teria sucumbido à loucura muito antes. Quem sabe, trocando os sapatos do filho para ele permanecer dependente. Sempre teria um filhinho não crescido para proteger.

O espectador sente que a mulher fora derrotada pelo processo de loucura. Quando é flagrada pelo marido rebela-se, e passa de paciente submissa, a cruel e fria assassina. Sente-se culpada devido ao sexo, quer punir o marido e a si mesma.

Os dois entram em um embate destrutivo de luta por poder, luta do feminino contra o masculino. A mulher que desenvolvia uma tese sobre o martírio das mulheres na Idade Média reproduz a situação no embate contra o marido. Identifica-se com as bruxas martirizadas pelo poder masculino. Na verdade as mulheres somente eram bruxas, porque representavam ameaça ao poder masculino. De fato, eram mulheres fortes a quem os homens temiam. Bruxas na acepção masculina, que temia dividir o poder com as mulheres. Por isso o apelido bruxa, que justificaria sua destruição.

Ou ainda, o filme mostra aspectos simbólicos da loucura que está dentro de cada um de nós. Nada aconteceria de fato. Tudo seriam projeções do mal. Lars simbolicamente estaria se referindo à própria existência do mal e às formas como ele pode se manifestar. Ele falaria dos pensamentos insanos e destrutivos ligados ao mal puro em nós, seres humanos. Sentimentos tão ruins e tão maus que não permitimos sua realização. Fazemos com que fiquem enterrados dentro de nós. O id louco do nosso inconsciente que precisa ser domado.

Quem sabe?... Muitos seres humanos permitem aflorar um único sentimento. O medo de ficarmos loucos – quando estamos à beira de um abismo, ou de uma ponte –, e por pura loucura e insanidade nos jogarmos no abismo. Alguns falam que têm medo das alturas. É possível que medo não seja a palavra adequada, loucura viria a propósito. Por las dudas, é melhor nunca ficar perto de pontes ou coisa parecida. Lars falaria dessa loucura, que desconhecemos, porque não permitimos sua emersão, para que não tome conta de nós. Tememos o mal que poderia nos causar e aos outros.

Em Anticristo a representação do mal, que poderia ser somente a idéia do mal se concretiza com a morte da criança, e no momento em que a mulher pune o homem atingindo-o no falo. Simbolicamente castrada, a mulher quer retirar a força do homem, fazendo-o sangrar pelo pênis. Não satisfeita amarra-o a uma mó, com uma haste de metal. Vencido, o homem vira um bicho e se esconde numa toca. Os animais da floresta parecem assustados com a selvageria dos instintos, à solta, dos seres humanos. Eles que representariam os instintos estão assustados observando os homens insensatos.

Para purgar seus pecados carnais a mulher atinge os órgãos sexuais, do marido e os seus. Cumprindo seu trágico destino, ela mutila seus órgãos genitais, toda a sua fonte de vida, força e prazer sexual. Reina o terror e a morte.

Lars Von Trier não precisaria recorrer àquelas ridículas cenas do homem matando o corvo e da raposinha falando: ”reina o caos”, significando que o Anticristo – que representa o mal – está ali e reina.
Enfim, tudo era produto de duas mentes doentias ou era apenas o simbolismo da existência do mal em toda a sua força apocalíptica? Lars estaria revelando o horror simbólico da existência do mal dentro de cada ser humano?

Não tema assistir ao filme de Lars Von Trier, não cairá nenhum pedaço de você. Se quiser, ainda poderá rir daquilo tudo, e estará inteiro quando o filme terminar. Vale também assistir às interpretações de Willem Dafoe e de Charlotte Gainsbourg, trágicos e verdadeiros.