sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Para Ana Carolina

Ana Carolina,

Gostei de ver que tens uma opinião diferente sobre o lugar idílico em que estava Susie após a morte. Fiquei mais feliz ainda por saber que uma menina de 15 anos leu o meu blog. Em um ponto concordamos , a atriz Saoirse Salmon é mesmo uma graça fazendo a menina Susie Salmon. Continue me prestigiando, um abraço Doris Maria

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Idas e vindas do amor (Valentines' Day)

Garry Marshall dirige "Idas e vindas do amor", que possui um elenco de primeira, começando em ordem decrescente de idade (aproximadamente) por Shirley Maclaine, Hector Helizondo, Julia Roberts, Patrick Dempsey, Queen Latifah, Eric Dane, Jennifer Gardner, Ashton Kutcher, Jessica Biel, Jessica Alba, Anne Hattaway, Topher Grace, Taylor Swift e Taylor Lautner.

"Idas e vindas do amor" é leve e gracioso, puro lazer de férias. O elenco é muito bom, começando pelos avós Shirley MacLaine e Hector Helizondo. Trata-se da expectativa dos namorados frente ao seu dia, o "Valentine's Day". As histórias se cruzam. Alguns enamorados apostam demais na alma gêmea, que não é gêmea coisa nenhuma. Outros são cegos, não conseguem enxergar um palmo diante do nariz. Não vêem a traição do amado. Outros tem um comportamento tão estranho e insólito, que pode dar margem à interpretações duvidosas. Outros apostam demais no ser amado. Não percebem a fragilidade do amor, que pode se quebrar em caquinhos vendo um anel de noivado comprometedor. Essas "idas e vindas do amor " são ótimas. Sem esquecer o amor "gay", e o amor na idade da inocência, do menino que se apaixona pela professora. Lembra-se quando você apaixonou-se pela sua professora? ou pelo professor de inglês?

Finalmente, amor para ser amor verdadeiro tem que ser amor de aceitação do outro. Então, temos as confissões, o perdão e o reencontro.

E ainda temos o protesto dos que não amam o "Valentine's Day". Só que quando eles menos esperam podem ser fisgados pelo Cupido.

Divirta-se com a s "Idas e vindas do amor".


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O que resta do tempo (The time that remains)

Elia Suleiman, o diretor é um palestino que vive na França. " O que resta do tempo" conta a história de uma família palestina sob a ocupação israelense. Quando lhe perguntam se representa o cinema palestino, Suleiman se esquiva e afirma "que não sabe o que as pessoas falam quando citam esse tal conflito. Ele não faz parte do meu vocabulário. Sou um cineasta palestino que vive na França." ( Leia a entrevista do L. C. Merten, no Estadão, de 4 de fevereiro de 2010). Ué sai, - como dizem os mineiros - como não sabe? Se ele fala disso o tempo todo? Quem está contando a história do conflito é justamente ele! Agora que fez o filme e o mundo inteiro viu, porque tentar voltar atrás?

O diretor afirma que o filme é autobiográfico, conta a história de seus pais. Assim, mesmo narrando a sua própria vida em uma versão muito particular, Elia está tornando universal a questão de repressão e da ocupação na Palestina, o que tem muitos pontos em comum com a história de regimes totalitários, no mundo inteiro, no Brasil, no Uruguai, na Argentina e muitos outros países se citarmos apenas a América Latina.

Suleiman usa os diários do pai, as cartas da mãe - que nunca chegavam aos parentes - e as suas próprias lembranças para contar a história, que de tão entrecortada, às vezes é difícil de compreender. Além do que, os personagens são retratados de maneira tão e tão diferente quando adultos e idosos que ficam praticamente irreconhecíveis, com exceção do pai, o personagem trágico e cativante.O menino Suleiman é reprimido desde sempre. Na escola, invariavelmente é punido pelo diretor por alguma palavrinha fora de contexto que possa ter pronunciado. A educação que reprime, vigia e pune, na acepção de Foucault não acontece apenas nos territórios ocupados da Palestina, reina vitoriosa no mundo inteiro, no Colégio Nossa Senhora do Horto, em Dom Pedrito, eu que o diga. O menino, de tão reprimido passa a não pronunciar "palavra". Sua vontade, seus sonhos e seus desejos são caçados. É denunciado e precisa fugir. Assiste ao processo de destruição em que seu pai se vê envolvido. O filme mostra as memórias da família desde a ocupação da Palestina, em 1948.

O roteiro nem um pouco linear é acompanhado da narrativa em que os personagens entram e saem de quadros belíssimos, com a câmera parada. A vivência e a sensibilidade do diretor mostram aspectos dignos de nota.

O pai (Saleh Bakri) é um jovem rebelde, impotente frente às circunstâncias, vê seu espírito abater-se. Não tem como resistir, envelhece e morre precocemente. A mãe idosa é muito igual às outras mães do mundo, quando desiste da vida. Desiste de lutar. Os fogos de artifício estouram iluminando a noite, enquanto ela, sentada no terraço olha indiferente para outro lado. Até dormita um pouquinho preparando-se para a morte.

Os jovens, por outro lado são a maior forma de resistência. De saco cheio daquilo tudo, vão para as festas e ignoram o toque de recolher. Os próprio soldados, dentro do jipe - que anuncia o toque de recolher- estão com mais vontade de aderir ao rock que esquenta a festa. Ou ainda, indiferente ao tanque de guerra que o mira de perto, o jovem continua falando no celular, marca encontro com a namorada ou amigos.

Finalmente o próprio Elia Suleiman que teve a sua voz caçada, que nunca pronunciou palavra, agora está elaborando seus traumas e dramas, colocando-os nos seus devidos lugares. O cinema lhe restituiu a voz e isso é o mais belo no filme. Ainda lhe "resta tempo" para falar e gritar para o mundo inteiro!


sábado, 20 de fevereiro de 2010

Um olhar do paraíso (The lovely Bones)

Peter Jackson é o diretor de "Senhor dos Anéis", "King Kong", "Os Espíritos" e outros tantos filmes importantes. "Um olhar do paraíso" é sua última obra. O filme é uma adaptação de um livro de Alice Sebold sobre uma menina de 14 anos que é assassinada e vê, do lugar onde está, o que acontece com sua família e seus colegas, após a morte.

Considerando que cada espectador vê e interpreta a sua maneira as obras dos diretores, suponho que Peter Jackson esteja em uma fase mística, em que encontra soluções mágicas para os problemas. A solução não está na justiça dos homens, mas no mero acaso. Assim, sem mais delongas, a mão do destino castiga os maus.

"Um olhar do Paraíso" trata do olhar sobre a vida após a morte. A menina morta, relata seus sentimentos e faz a narrativa. Jackson aposta em um clima fantástico, que beira ao bobinho e ao surrealismo. As imagens dos locais onde está a menina Salmon - à beira do paraíso onde não consegue entrar - são de um lirismo gasto. Ninguém mais acredita nesse cenário pós mortem. Parece as figurinhas que eu via no meu colégio de freiras, quando criança. Salmon não consegue se separar do que acontece com sua família, com seus pais e irmãos porque seu assassino ficou sem punição.

Assim como as criancinhas que não foram batizadas, Salim está em uma espécie de limbo, onde observa o que acontece após sua morte. Uma personagem mais espiritualista sente sua presença. Mouro o seu grande amor chega a beijá-la após a morte. O assassino está muito perto, permanece incólume depois de tudo o que fez.

Os atores são bons. Porque o filme também não é ótimo? Não dá para entender! Susan Sarandon faz a avó fumante. Viram como existem personagens fumantes? Como se seu nervosismo e instabilidade emocional fosse mais fácil de caracterizar com um cigarro entre os dedos. Mark Walberg é Jack Salmon, o pai, um ator de quem gosto muito. Trabalhou com Leonardo di Caprio e Matt Damon no excelente "Os infiltrados". Rachel Weisz que também é uma grande atriz faz a mãe. Mas é uma mãe frágil, que na hora de enfrentar os problemas foge para bem longe. A jovem e talentosa Saoirse Ronan é Susie Salmon. Saiorse desponta como atriz de primeira linha. Lembram-se dela em "Desejo e Reparação", da menina problemática que arruina a vida da irmã ( Keira Knightley ) e do namorado (James Mc Avoy)?

O que desponta como bobeira é a irmã descobrir pistas e tudo ficar por isso mesmo. Esperava-se que alguém saísse à caça do assassino, que o sumidouro, onde ele colocou a prova do crime fosse dragado, ou coisa parecida. Afinal havia testemunhas. O criminoso foi auxiliado quando deu sumiço à maior prova do crime. Mas não! consegue fugir, quase dá prosseguimento a seus crimes. Somente a justiça divina o pune. Não deixa de ser rídícula a forma como é punido! No mínimo deveria ter sido preso. Existiam provas para condená-lo.

O suspense não é melhor que o de um filme B. No máximo nos inquietamos quando Peter Jackson alterna as cenas do crime, no milharal, com as da família reunida no jantar. Ou quando a irmã investiga as provas do crime. Jackson alterna com cenas do assassino na direção do carro, o assassino chegando em casa. O suspense não é superior ao de " Paranóia", em que Shia Laboeuf da mesma forma que a irmã de Suzie entra na casa do vizinho assassino.

Decida se você quer ver este filme do famoso Peter Jackson!


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Preciosa (Precious)

Claireece Precious Jones (Gabourney Sidibe) é o nome da personagem. Como o próprio título indica, apesar de todas as desgraças "Preciosa" é uma história de esperança. É o nome da adolescente que vive no Harlem, em Nova York. Tudo é péssimo em sua vida. Um de seus maiores problemas é a aparência. "Preciosa" é obesa. É muito, muito gorda. Ganha o apelido de Orca. Como se isso não bastasse, é explorada pela própria mãe, Mary Lee, interpretada por Mo'nique. Desde os três anos de idade Claireece sofre abuso sexual. É violentada pelo pai, tem uma filha com Síndrome de Down, daí o apelido Mongo. A menina vive com a avó.

Quando tomamos pé na história de Claireece - que nome lindo!- parece que tudo está definido , que não há o que fazer. As cenas no apartamento onde vive com a mãe mostram a desgraça que é a vida da menina. Futuro para "Preciosa"? Parece não existir... O apartamento escuro, sombrio, sem janelas abertas, é a clausura. Simboliza uma vida sem rumo, sem futuro e sem esperança.

Quem vive no inferno é a mãe. Alguém que nunca buscou nada dentro de si mesma para justificar a própria existência. É difícil entender que uma mãe se omita e permita que o marido e pai abuse sexualmente de seu bebê. Aliás um bebê de ambos. O pior é a continuidade do crime, que dentro de casa passa a ser cotidiano. Agravante e inacreditável! a mãe sente ciúmes da filha porque o marido lhe deu dois filhos. Nem Almodóvar imaginou transgressão maior, crime maior.

Assim a mãe que vive de não fazer nada, inferniza a vida de "Preciosa". Abuso e maus tratos, de sairmos do cinema de cabelo em pé. Pior, isso existe, existe sim e está muito mais próximo a nós do que imaginamos. Basta ir a uma delegacia da mulher, ficar sentada na sala de espera para ouvir as conversas e os horrores...

"Preciosa" suporta tudo calada. Aliás para jovens nessa situação o mais difícil é falar. O silêncio é mais eloquente. Como a menina é muito alta e grandona, parece maior e mais forte que os meninos. É motivo de troças, é empurrada e derrubada por moleques de rua. Permanece quieta. Espanta que "Preciosa" não seja agressiva. Não sai querendo matar todo o mundo. É agredida e não revida. No máximo dá algum tapa com sua mão poderosa.

Afinal qual é a esperança para "Preciosa" que é expulsa da escola, quando a direção descobre que está grávida do segundo filho? Uma coisa é certa, se "Preciosa" teve o auxílio da professora Blu Rain (Paula Patton) e da psicóloga (Mariah Carey) encontrou forças dentro de si mesma, para reagir, para dizer não ao negativismo e buscar uma saída.

É como se ela dissesse;- "Eles não me vencerão"! "Eles" são todos os que a prejudicaram, todos os que não a amaram, todos os que a submeteram. É para eles que "Preciosa" diz:_"Não! Basta"!

Ponto positivo para "Preciosa", ela sonha. Sonhar é tudo que precisamos para irmos em frente, em busca dele, o sonho. Mais que nunca é preciso sonhar. Nas horas mais difíceis, nos momentos de crise e enfrentamento Claireece sonha com o professor de matemática. Pensa:_ "Eu sei que ele gosta de mim"...

O diretor, Lee Daniels, corta o sofrimento, nos momentos mais duros e insuportáveis para Claireece, corta a cena de violência. O quadro seguine é o sonho, a fuga da personagem. Vemos "Preciosa", amada pelo professor de matemática, amada pelo enfermeiro (Lenny Kravitz) - lindo! lindo! não percam!-, amada pelas professoras, amada pela Sra. Weiss, amada pelas novas colegas de aula. Vemos "Preciosa" como rainha, desfilando.

Enfim, podemos nos transformar naquilo que sonhamos. Afinal, como diz o poeta, agradecemos a Deus por nossa alma invencível, agradecemos a Deus por sermos o dono de nossa alma, agradecemos a Deus por sermos o senhor do nosso destino. "Preciosa" é um filme de esperança e torna universal a idéia, que nós todos podemos transformar o sonho em realidade. É preciso lutar - não devemos esquecer-, e "Preciosa" não se entrega. Entra em uma luta inglória, apesar de tudo e de todos, para vencer!

Não perca mais um filme candidato ao Oscar, de Melhor Atriz para Gabourey Sidibe. Mo'nique, a apresentadora que interpreta Mary Lee - a mãe desnaturada - também concorre ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante



terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O Mensageiro (The Messenger)

Woody Harrelson (Sargento Stone) e Ben Foster (Will Montgomery) são os dois oficiais do exército americano encarregados de noticiar às famílias, a morte de seus entes queridos, os soldados mortos na Guerra do Iraque. O exército os tornou quase idênticos, cabelos muito curtos ou totalmente raspados, olhos azuis, cabelo de um e bigode do outro - da mesma cor-, pele clara e uniformes iguais.

Pertencem ao exército, a família que melhor cuida de você, segundo o sargento Tony Stone. O patrão do par de vasos é o exército, que tira a própria vida, ou o melhor de seus filhos, no auge da juventude, em nome de uma guerra já condenada por antecipação. Guerra essa que a partir de 11 de setembro foi apoiada pela sociedade norte americana. Os resultados porém são catastróficos. É a própria contradição. Stone percebe o paradoxo e crítica as famílias que permitem que seus filhos vão para a guerra: "Eles pensam que é uma brincadeira"?

"O Mensageiro" poderia ser considerado um filme de estrada. Os dois oficiais rodam pela estrada até chegar ao seu destino, as residências das famílias dos soldados mortos. Existem regras para essa atividade. A primeira foi a de torná-los idênticos e despersonalizados para representarem o exército sem emoções. Provavelmente a segunda regra é não envolver-se emocionalmente com o parente mais próximo (PMP). Se o PMP não estiver, é preciso voltar outro dia. Outra, refere-se ao horário, não é de bom tom noticiar antes do café da manhã. É indigesto segundo Stone. Bater na campainha, não esperar muito tempo, se não atenderem, voltar outro dia. Não abraçar, não tocar nos parentes enlutados. Assim, os dois oficiais são treinados para a difícil missão.

Porém, uma coisa é saber de cor e salteado as regras, outra é não envolver-se, não sentir emoções, não solidarizar-se com o pranto dos familiares; outra é fazer o serviço. Esse é o grande dilema dos dois soldados. Sofrem e não conseguem se adequar. O filme trata das individualidades da dupla, de suas fraquezas, coerências e principalmente de companheirismo.

Se externamente Will Montgomery e Stone são quase iguais, as diferenças entre os dois são gritantes. Ambos são solitários. Stone é o companheiro durão que dita as regras e faz críticas ao colega. Montgomery, mais sensível é tocado no momento em que se vê frente à viúva de Phil Pitterson, Olivia Pitterson (Samantha Morton). De saída esbarra em uma das regras mais importantes. Não envolver-se com o PMP. Ambos estranham a reação da sra. Pitterson. Ela pede desculpas por aquela tarefa ter sido tão difícil para os dois. Um olha para o outro, sem entender nada. Justo eles que tinham levado porradas do pai de um dos soldados mortos.

Samantha Morton tem uma bela interpretação. Sempre achei a atriz muito estranha, mas faz uma Olivia, com perfeição. Sempre muito tensa, ao mesmo tempo sente-se atraída por Montgomery. Observem como são bonitas as cenas em que os dois se olham, ficam muito próximos um do outro. Ficamos esperando aquele beijo casto que não vem... Não se tocam, ou quase não se tocam. Como se a própria PMP não quisesse ferir a regra do exército. Mesmo assim Stone não perdoa! Lembram-se dela? a robô de Minority Report? ou a Mary Stuart em "Elizabeth, the golden age"?

As reações dos familiares sempre surprendem os oficiais e o espectador. No primeiro encontro o drama é assustador. A cena mais comovente é a do pai abraçando e consolando a filha, que casou em segredo com o jovem que foi para a guerra. Os dois chegam para noticiar a morte do soldado. O pai, que não sabia do casamento, critica a filha. Vê que não há o que fazer, abraça e consola a jovem, em uma cena em que desabamos junto. Como é importante um abraço nessa hora...

Os contatos com os familiares são difíceis e dolorosos. Quanto o espectador não aguenta mais a emoção, o diretor corta e mostra uma cena leve. O par de vasos também não aguenta o tirão e precisa relaxar em algum bar, divertir-se em algum namoro de ocasião. Stone é um homem solitário e durão. Ao que parece não tem ninguém. Daqueles, como digo que não tem um peixinho para cuidar, muito menos um gato ou um cachorro. As duas figuras uniformizadas batendo nas portas causam impacto. Muitos moradores efetivamente levam um susto. Sabem de antemão que os dois são aves de mau agouro, trazem más notícias.

O filme é impressionante como crítica à Guerra no Iraque, sem mostrar cenas dos conflitos. " O Mensageiro", explicitamente, não é um filme de guerra, é antimilitarista. Entretanto, como tal não chega aos pés do clássico de Stanley Kubrick, "Glória Feita de Sangue" (1957), o melhor filme antimilitarista de todos os tempos.

Não deixe de observar a fotografia, sombreada nos limites do quadro, com efeitos fortes de luz, sombra e cor, destacando as figuras do plano. "O Mensageiro" é dirigido por Oren Moverman e foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para Woody Harrelson e Melhor Roteiro Original para Alessandro Camon e Oren Moverman. Nestes quinze dias que antecedem a semana do Oscar, aproveite, fique atualizado e assista a mais filme que poderá ganhar a estatueta no dia 7 de março.


domingo, 14 de fevereiro de 2010

A Fita Branca ( Das weisse Band)

Se "O segredo dos seus olhos", filme argentino candidato ao Oscar é um drama narrado de forma leve, "A fita branca" é o drama e o horror relatado de forma pesada. Ganhou a Palma de Ouro e os prêmios de melhor filme e melhor diretor, em Cannes, em 2009.

O tema é tão terrível que o diretor opta pelo preto e branco para acentuar os efeitos desejados. A carga de dramaticidade impede um filme a cores. Haneke emprega uma nova técnica de iluminação, criada por Christian Berger, o diretor de fotografia e ganhador da Palma de Ouro em Cannes. Berger desenvolveu o "Cine Reflect Lighting System", em colaboração com Bartenbach Lichtlabor. Ele cria novas técnicas e possibilidades para a câmera, proporcionando grande flexibilidade e liberdade ao diretor e atores. Apesar disso, algumas cenas são muito escuras. Em comparação, outras de exteriores são belíssimas, como a do campo de trigo, ou das fachadas das casas. Como um cenário tão idílico pode conter tantas tragédias?

As cenas escuras, as crianças vestidas de preto, louras, com o semblante impenetrável lembram o filme "Os Inocentes" (1961), com Debora Kerr, sobre a perda da inocência ou ainda "A aldeia dos Amaldiçoados" (1960), com George Sanders. Em uma pequena aldeia muitas crianças nascem ao mesmo tempo, andam juntam, são semelhantes e encarnam o mal.

Michael Haneke conta uma história em que ninguém é herói, todos ou quase todos estão comprometidos com o mal. Na aldeia, a educação das crianças é tão rígida que só consegue criar mentes doentias, crianças com um grau de maldade além do compreensível. Mas talvez compreensível sim, se pensarmos na repressão, nos abusos e nos maus tratos a que são submetidas. Martin (Leonard Proxauf), o filho do pastor dorme com as mãos amarradas na cama, para evitar qualquer tentativa de masturbação. O médico abusa sexualmente da filha Anni. Esse clima de repressão resulta em mortes e incêndios criminosos. Você consegue imaginar maldade maior, do que cravar uma tesoura no peito de um passarinho desprotegido? espancar uma criança com Síndrome de Dawn?

Michael fala de uma coisa querendo dizer de outra. Alegoricamente, a pequena aldeia alemã de antes da Primeira Guerra Mundial é uma antevisão do nazismo. É uma antevisão dos regimes totalitários e do terrorismo. A intolerância, o sentimento de superioridade, a exploração do outro, a inveja, a falsidade, a brutalidade, os atos perversos de vingança, todos são elementos que podem remeter a outro plano de leitura. Refere-se ao início da formação do ovo da serpente e da formação do nazismo. O diretor fala em entrevista ao Estado de São Paulo ( leia O Estado de 12 de fevereiro de 2010), que poucos filmes tratam do tema do nazismo em um período anterior. Haneke que falar dessa fase que gestou o nazismo em todo o seu horror. Hitler aproveitou-se de uma conjuntura existente. Havia uma predisposição da sociedade para um regime autoritário e de intolerância pelo diferente. Michael fala sobre essa sociedade que, fundamentalmente, reprime e deforma a mentalidade das crianças. Por isso é capaz de aderir às propostas de Hitler, sem nenhum questionamento. Faz lembrar a personagem de Kate Winsley, em "O Leitor", que sem criticar, obedece às ordens de encerrar os judeus dentro de uma igreja em chamas.

A história tem início com a narrativa do professor da escola (Christian Friedel), um morador, crítico e observador dos acontecimentos. Dos poucos não dedicados a fazer o mal ao outro. O relato do professor destaca as famílias do Barão, do administrador, do médico da aldeia, do pastor e do operário. Alguns personagens sobressaem, como a sra. Wagner, a parteira, que tem uma trágica participação nesta história horrenda. Da mesma forma salientam-se os familiares da camponesa acidentada, marido e filho.

A história trata dos primeiros acontecimentos que chocaram a aldeia. Em 1913, acontecem estranhos acidentes que levam à morte algumas pessoas. Os fatos se repetem. Ninguém assume a autoria dos crimes, que mais parecem vingança ou rituais de punição.

No primeiro acidente, o médico volta para casa a cavalo. O galope é brutalmente interrompido por um arame atravessado na estrada. Estranhamente, observa o professor, algumas crianças, se reunem em grupo, embora não houvesse razões para isso.

"A fita branca" simboliza a pureza e inocência das crianças. De fato, trata-se de crianças que atravessaram a linha da inocência e se colocaram do outro lado... "à mão direita", como afirma o diretor. O pastor (Burghart Proxauf) pune seus filhos brutalmente, açoitando-os, para que adquiram o direito de usar novamente o símbolo da inocência, amarrado ao braço direito. Essa idéia de faixas amarradas no braço, identifica o diferente. Aqui assinala os hipoteticamente inocentes, nos judeus, o sinal de humilhação. A fita branca também poderia ser o símbolo da cegueira do pai, que não quer ver a perda da inocência dos filhos. Quando o professor os coloca sob suspeita, o pai nega e o ameaça com prisão. Titubeia quando vai dar a comunhão à filha Klara ( Maria-Victoria Dragus), mas não deixa de fazê-lo.

O Barão representa o poder supremo. É temido e explora a todos. Vê seu mundo ruir. Lembram o personagem do primeiro ministro de Israel, em "Lemon Tree"? a quem restou somente olhar para um muro de concreto? Sua intolerância é tão imensa que a mulher o abandona. Em "A fita branca" a baronesa deseja fazer o mesmo.

Existem duas referências diretas ao nazismo. O Barão mantém quase toda a aldeia sob seu controle, empregando a maioria dos camponeses. Em um determinado momento, torna-se praticamente o chefe de um campo de concentração. Observem o início da sequência em que a baronesa diz que vai abandoná-lo. Ele reclama que muitos camponeses foram embora, mas chegaram 90 poloneses que precisam de alojamento. Não viram nada semelhante em "O menino do pijama listrado"? ou em "A lista de Shindler"? No primeiro, o pai de Bruno, um oficial nazista muda-se com a família para comandar e viver junto a um campo de concentração. No segundo Ralph Fiennes, o Amon Goeth, comandante do campo de extermínio de Plaszow, na Polônia, diverte-se com sua arma caçando os prisioneiros, da janela de seu alojamento.

A outra e mais triste das semelhanças refere-se ao pensamento nazista em relação aos doentes, velhos e deficientes. A busca da raça ariana não tolerava deformados e deficientes. Paralelamente, as experiências médicas nazistas, de Mengele, por exemplo, empregam cobaias humanas. Enfim, esses acontecimentos pulam um passo apenas, além do que os monstros da aldeia fazem ao filho deficiente da sra. Wagner.

Alguns personagens se salvam nesta história de desumanidade. A Eva ( Leonie Benesch), a babá, enamorada do professor e o menino, filho caçula do pastor. A criança inocente ama os passarinhos e se preocupa com a tristeza do pai. O professor poderia ser considerado o herói, mas está mais para, o conformista. Depois de tudo, peca por omissão e deixa as águas rolarem...
Enfim toda a narrativa deste microcosmo remete à outro cosmo representado pelas atrocidades do nazismo.

Não perca "A fita branca", um dos favoritos ao Oscar. Corra, chegue cedo e garanta o seu lugar predileto na sala de projeção.


O segredo dos seus olhos ( El secreto de sus ojos)

Juan José Campanella é um dos diretores mais reconhecidos na Argentina. Em 2004 dirigiu "Clube da Lua" e em 2001, "Filho da Noiva". "O segredo dos seus olhos" é um dos filmes mais vistos na Argentina, com roteiro adaptado pelo próprio diretor do romance de Eduardo Sacheri. Acredito que no Brasil o sucesso será idêntico. A apresentação do filme fez grande sucesso no Festival de Cinema do Rio, em 2009 e concorrerá ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010.

1974, governo de Maria Estela Martinez de Péron. Esse pano de fundo ressalta o grande problema do desrespeito aos direitos humanos, na Argentina. Campanella nos revela o quanto é pungente a dor e o sofrimento do povo argentino. Sentimentos esses, que precisam ser lembrados e revividos para serem elaborados. A história de Benjamin Esposito (Ricardo Darín) se passa nesse período. Por isso estranhamos a máquina de datilografia que não funciona, não tem a letra "A", mas esclarece de fato os sentimentos de Esposito.

Benjamin Esposito vive toda a sua vida trabalhando em um Tribunal Penal, tendo como companheiro Pablo Sandoval (Guillermo Francella). Nas primeiras cenas Sandoval revela os sentimentos de Esposito, que o próprio não consegue admitir. Quando Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil) entra na sala, Sandoval a saúda, dizendo-lhe: ''Vos sos un angel vestido de negro". Esposito, espantado argumenta ao colega, como ele consegue ganhar todas, assim , no início da manhã, e não lhe deixa nenhuma oportunidade? Para Sandoval a razão é simples, ele não está apaixonado.

Assim inicia a trama em que "O segredo dos seus olhos" precisa ser desvendado. Esposito não possui a coragem necessária para tal. Por isso escreve a charada TEMO. O que será?

Esposito passa pela vida de funcionário do Tribunal, sem conseguir desvendar o segredo. Para ocupar seu tempo quando se aposenta, 25 anos depois, resolve escrever um romance sobre um crime passional que aconteceu em 1974, do qual ele é encarregado da investigação. Relembrando os acontecimentos, verifica que dois inocentes são acusados do crime. Pesquisando em fotografias da vítima, identifica outro segredo no olhar estranho de um dos jovens das fotos, fixo na jovem assassinada. Ali está o possível criminoso. Atropelando os caminhos da justiça, Esposito e Sandoval, encontram cartas do possível criminoso endereçadas à mãe. Mais uma charada a descobrir. Pistas aparecem em nomes aparentemente desconexos.

Guillermo Francella, o Sandoval é soberbo na interpretação do companheiro de Esposito. Bebe em excesso, não consegue voltar para casa. Na investigação porém, dá conta do recado. É ele que descobre, os nomes são de craques do futebol. Como ninguém abandona suas paixões, o assassino possivelmente frequenta um campo de futebol. Esposito e Sandoval saem à caça. O trabalho de procurar agulha em palheiro funciona. No meio da campo, no centro da grande paixão do criminoso, no meio da emocionante partida - ironia do destino- ele é preso.

Esposito já ouvira daquele funcionário corrupto do governo: "existem pessoas úteis, que fazem qualquer coisa que pedirmos", assim, são intocáveis. O assassino era um deles. Foi descoberto também em uma foto, como guarda costas da presidente Isabelita. O que fazer? Esforços inúteis, absolutamente nada, afirma Irene, existem diferentes tipos de justiça, na Argentina.

Mas o filme trata daquele amor e de coisas que não são esquecidas, de vidas que ficam suspensas e paradas no tempo. Vidas que não são retomadas. E de amores que não conseguem ser revelados mesmo passados 25 anos. Esposito resolve escavar todos esses sentimentos. Muitas vezes ele encontra o marido da vítima. Desconsolado, diariamente o homem tenta descobrir o criminoso descendo de algum trem na Estação Retiro...

Se Esposito a muito custo consegue desvelar a trama do crime. Mais uma vez é o grande amigo Sandoval que abre seus olhos, ele próprio sacrifica-se para salvá-lo.

Paixões ninguém esquece. Paixão ninguém abandona. O marido da vítima lhe dissera mais de uma vez, achava a pena de morte um favor conferido ao criminoso. Ele deveria pagar seu crime com prisão perpétua...Esposito deverá ficar atento à esta outra paixão irrefreável, a este gosto amargo por vingança...

Percebe que, se consegue desenredar a trama do crime, não consegue descobrir seus próprios sentimentos. Não consegue revelar "O segredo dos seus olhos", o segredo dos olhos de Irene, que se diz uma coisa, com certeza com os olhos fala de outra, fala de paixão.

"Os segredos dos olhos"e do coração de Irene, somente são revelados quando Benjamin Esposito completa os vazios deixados por sua infeliz máquina de escrever que não tinha a letra "A". Completa sua própria charada. Preenche o "A ", que de TEMO passa a ser TE AMO.

Não perca este filme maravilhoso que tem todos os predicados em texto cheio de bom humor. Em alguns momentos a platéia desanda a rir, com as piadas de Sandoval, que atende ao telefone dizendo : "Aqui es el banco de sangre", ou "aqui es el banco de esperma"! como se tudo fosse uma comédia. Afinal mesmo os maiores dramas podem ser contados de uma forma menos carregada e mais leve, não é mesmo?


sábado, 13 de fevereiro de 2010

Nine

O filme de Rob Marshall trás uma história que já vimos. Uma história muito conhecida do grande Federico Fellini. Não há como não pensar no "Oito e Meio" antes do "Nove". Em seu depoimento à disposição no DVD "8 1/2", Fellini afirma que ele próprio teve um bloqueio de criatividade. Tudo estava pronto para o início do filme, só que ninguém sabia que não lhe passava nenhuma idéia pela cabeça.
Assim, a história trata de um diretor de cinema em Roma tralhando nos estúdios da Cinecittà, envolvido por uma multidão de fãs, paparicado por todo mundo, empresários, atrizes, set de filmagens, produtores e cinegrafistas, em plena crise de criação. Todos correm atrás dele, não lhe dão um segundo de paz. É "signore diretore" para lá e "signore diretone" para cá. O que soa melhor em todo o filme é o nome dele, Guido Contini. Mas os italianos pronunciam a letra "U" como em "linguiça". Fica muito sonoro e agradável ouvir aquele Guido a toda hora. Guido tem pesadelos. Vê, em sonhos passagens de sua vida, quando era menino e brincava com as outras crianças. Quando olhava os peitos de Saraghina, a prostituta, e quando recebeu castigo físico dos padres, em presença de sua mãe. Pasmem! a mãe permitiu!

O mais engraçado é que Fellini em entrevista fala que inventava tantas histórias - muitas lembranças de sua cidade natal, Rimini - que não sabia mais quais eram verdadeiras. Sua mãe teria dito: - "Mas Fellini, nunca estiveste em internato"! Assim os padres, que batiam de vara no menino Fellini, não existiram! Em todo caso, se não bateram em Fellini, bateram em muitas outras crianças!

Em "Oito e Meio" o próprio Fellini é vivido por Marcello Mastroiani. Em "Nine", Guido Contini é Daniel Day Lewis. Marcello Mastroiani é o grande ator do cinema italiano. Não precisamos lembrar suas atuações inesquecíveis. Mas existe um filme interpretado por Mastroiani, que marcou a minha vida, é "Dois Destinos" (Cronaca Familiare), de Valério Zurlini, de 1962. Trata da história de dois irmãos. O primeiro Enrico, interpretado por Mastroiani, está doente. Dino (Jacques Perrin) vive com uma outra família, mais rica. Há uma oposição entre os dois irmãos, diferentes em tudo. O escritor do romance, Vasco Pratonili e o diretor captaram com tal beleza, essa história, que jamais esqueci a dor e a tristeza dos irmãos Enrico e Dino. Estava ali, com toda a força e rigor a relação com o irmão e com a avó. Eu, que tenho uma irmã, conheci e vivi com minha avó, estava lá, bem lá dentro do romance de Pratolini.

Por isso fica complicado e não há como não comparar Daniel Day Lewis com o mito. Apesar disso o ator está convincente. Parece mesmo Guido, um homem arrasado, muito alto, sempre de terno escuro que anda cabisbaixo por não conseguir criar sua obra. Acho que os espectadores não vão ter muita paciência com o musical, enfim...

Lewis é envolvido por mulheres famosas, Sophia Loren faz a mãe, Penélope Cruz é a amante Carla. Nicole Kidman faz a grande atriz e Marion Cotillard é Luisa, a esposa. Lembram dela em Inimigos Públicos? é a mulher de Dillinger , interpretado por Johnny Deep. Marion é uma grande atriz e uma mulher muito bonita. A inglesa Judi Dench faz a eterna conselheira e companheira de trabalho e Kate Hudson é a jornalista americana.

As grandes atrizes não contribuem tanto para o sucesso do filme com exceção de Marion Cotillard. Sophia Loren só empresta sua silhueta famosa. Fez tantas plásticas que nem fala direito. Judi Dench - dá licença - nem se preocupou em mudar um pouquinho a personagem "M"que fez em Cassino Royale, que mandava em 007 ( Daniel Craig). Está absolutamente igual. Nicole Kidman que já foi belíssima, continua bonita, mas fez plástica nos lábios e deixou de ser a Nicole de "Cold Mountain", em que contracenou com Judi Law e "Um sonho Distante" com Tom Cruise.

Nesse sentido o "Nine" fica em desvantagem em relação ao "Oito e Meio", que tinha a bela Claudia Cardinale, Anouk Aimée, Sandra Milo e a música! Há! aquela música inesquecível de Nino Rota. Se você não lembra, ou é muito jovem e nunca viu! corra na Livraria Cultura e compre o DVD. Assim poderá continuidade ou iniciar a sua própria Cinemateca, com um clássico do cinema.

Se "Oito e Meio" possui as cenas antológicas de Fellini, com toda sua família circense, "Nine" também tem a sua cena inesquecível. Guido recuperado da crise, entra em paz consigo mesmo e dá um carinho para si próprio. Ou seja pega o menino Guido no colo. É ele o menino, a criança que vive em Guido que poderá dar asas à criatividade e iniciar o grande filme!


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Bons Costumes (Easy Virtue)

Stephan Elliot o diretor de "Bons Costumes" é reconhecido por seu filme de sucesso, "Priscila, a Rainha do Deserto". "Bons Costumes" trata do preconceito e da diferença entre classes sociais na Inglaterra. Efetivamente é uma questão de luta de classes, com um enfoque tipicamente inglês. As precupações com as aparências e o preconceito em relação ao diferente são muito evidenciados. Trata-se da história de uma família da aristocracia rural inglesa. O filho casa com uma americana e provoca um baque na família quando apresenta a esposa aos pais. Kristin Scott Thomas (sra. Wittaker) e Colin Firth (sr. Wittaker) são ótimos, mas não custa repetir, como Kristin está bem, fazendo a reprimida senhora Wittaker, que a todo custo deseja preservar a família e propriedade. Magérrima, olhos azuis, cara de desdém, usa um coquinho indefectível, e uma saia comprida. A caracterização é ótima e a diferencia muito da mulher doidamente apaixonada de "Partir". Olha de cima para baixo para a mulher do filho, a jovem Larita Huntington ( Jessica Biel) , uma americana que conquista troféus pilotando carros de corrida. Imagine, isso acontecendo nos anos 20! Deve ter tido o impacto de um meteoro!

Jessica é considerada uma das mulheres mais sexy do mundo. Lembram-se dela em "O ilusionista"? Seu sorriso, no entanto parece mais de desenho animado do que de gente. Jessica revela seus dotes de atriz desta vez, representando uma mulher com atitude e idéias na cabeça. Contrasta com o marido, o jovem John Wittaker (Ben Barnes), filho mimado da família em decadência. John é imaturo, faz todas as vontades da mãe. Mantém a mentalidade predatória e conservadora da aristocracia rural inglesa, que não quer acreditar na própria derrota. Comporta-se como um adolescente. Para ele, o casamento é mais uma aventura que não consegue levar adiante.


Colin Firth, fisicamente, é muito diferente da mulher. É óbvio que o casamento entre ambos deixou de existir há muito tempo. Representa o homem problemático, egresso do armistício da Segunda Guerra Mundial. Volta ao mundo mas não consegue adaptar-se a ele. Passa ao longe e não consegue esconder o olho comprido deitado em Larita. Mas ela é a mulher do filho. O sr.
Wittaker se contém...

A guerra ao novo membro da família está declarada, a sra. Wittaker e suas filhas montam todas as armadilhas para enredar a jovem estrangeira. O preconceito de uma aristocracia em seus últimos momentos é muito bem colocado por Stephan Elliot. O sr. Wittaker é o personagem oportunista, o marido e pai ausente, que nunca fez nada, que deixou tudo passar. De repente resolve se posicionar e fazer o que já deveria ter feito há muito tempo. Mas suas atitudes soam vãs e inúteis. Com certeza Larita não precisa de um homem como o pai de seu fraco marido!


O filme é baseado em uma história de Noel Coward, filmada por Hichcock em 1928, com o mesmo nome, Easy Virtue.


domingo, 7 de fevereiro de 2010

É Proibido Fumar

Glória Pires fuma muito, muito. Mas interpreta de uma maneira tão e tão natural, que é como se estivesse vivendo a própria vida. Até parece que ela interpreta quando vive a sua vida verdadeira e vive de verdade quando interpreta a personagem Baby. É como se o personagem fumante fosse mais verdadeiro e pungente do que o seu oposto... O espectador não consegue desgrudar os olhos de Glória Pires. Baby é uma mulher solitária, que não tem nada de boba. Possui um gosto bastante comum. Diríamos, um pouco vulgar na maneira de decorar o apartamento. É justamente isso que nos atrai para a personagem. As roupas que usa são exóticas, no mínimo. E aquele tique nervoso - de estar com um cigarro entre os dedos e soltar labaredas de fumaça - é divertido.

A diretora Anna Muylaert carateriza muito bem os personagens. O músico parece que esqueceu que os anos 60 passaram há muito tempo! he! he! he! Max, o vizinho está no bagaço, a barba por fazer... Se era moda, Deus nos livre! E o cabelo? Era daquelas pessoas que parece que nunca tomam banho. Mesmo que o fizesse não adiantava. E vimos ele tomar banho e sair com cara de sebento. Além do que não dizia nada com nada, só falava besteira. Mas não é que a Baby encafifou que queria o músico?

Baby recebeu o apartamento onde morava como herança da mãe. Vivia discutindo com a irmã Teca (Dani Nefussi) por causa de um sofá que tinha ganhado da tia Diná, e que a outra irmã tinha se adonado. Para o cúmulo, a tal irmã tinha trocado o forro vermelho e colocado um estampado, que Baby odiou.

O que adoro nos filmes brasileiros da atualidade é essa maneira escrachada de falar das coisas e das pessoas. Esse jeito de caracterizar os personagens, ricos, pobres, classe média, etc. Esse mau gosto, esse jeito kitsch de ser do brasileiro faz com que nos identifiquemos. Prestem atenção no apê de Baby. Possui muitos quadrinhos de flores, muitas folhagens, muita begônia e muitos guardanapinhos de crochê. Até parece uma selva amazônica. É a cara de Baby, e é a nossa cara também. A estante é um verdadeiro bazar, cheia de bibelôs e lembrancinhas de viagens. Não seria familiar a algum de nós? Com certeza essa história de "the less is more" não é para brasileiro. É para arquiteto, que na teoria ama Mies van der Rohe.

- "Nóis semo é brega mesmo, hi, hi, hi!"

As irmãs também são ótimas. Teca (Dani Nefussi) é aquele tipo de mulher gorda e desleixada, com um vestido estampadinho que aperta e tenta levantar seios gigantes, que se unem com uma linha reta no meio. E ainda tem uma enorme mancha de suor embaixo do braço... Pop ( Marisa Orth) é a outra irmã megera, magra e desonesta, que não liga o mínimo para Baby. A que tomou o sofá e terá que devolvê-lo.

A própria Baby parece uma Mercedes Sosa de 1,53 m, sem cintura. Não é muito gorda , mas é reta. Quando se arruma para o jantar com Max fica bem bonita, com lábios vermelhos e o cabelão, para ouvir do idiota do músico que o salmão estava seco e faltava creme de leite!

Mesmo assim, cisma que quer o cara e faz o que deve e o que não deve. Insiste, logo com o tal músico que diz para ela:

- "Dá pra ti fumar mais pra lá?"

Pior, quando faz o que não deve, deixa pistas. Assim as coisas se quadram. Max, é sabido, não vale um tostão. Só pensa em Stellinha (Alessandra Colasanti) uma perua, muito alta e vistosa que recebe tratamento exemplar... Que triste... Pobre Stellinha...

Como ninguém é honesto, todos tem seu preço. Quem quer comprar, tem que pagar!

Vale a pena assistir Glória Pires e Paulo Miklos. Eles estão ótimos. O filme ainda está passando no Moinhos.


sábado, 6 de fevereiro de 2010

Invictus

Clint Eastwood é o diretor, "he is the best" sem sombra de dúvida. Depois de Gran Torino, Clint nos apresenta este belo filme sobre a vida de Nelson Mandela, baseado no livro de John Carlin, "Playing the Enemy". Desta vez Clint trabalha com o filho Kyle Eastwood, músico e compositor. Kyle e Michael Stevens assinam a música.

O filme é sincero e emocionante. Se você não gosta de rugby, não importa. Se você não entende rugby e acha que esse esporte não tem nada a ver conosco, que nosso negócio é futebol, pode até ter razão, mas isso também não vem ao caso. Como sempre os temas de Eastwood são honra, dignidade, honestidade, coragem, amor, persistência, capacidade de perdoar, jamais desistir de tentar acertar. Clint consegue elevar o rugby à condição de arte.

Os atores Morgan Freeman e Matt Demon estão em seus melhores momentos. Freeman foi indicado ao Oscar de Melhor Ator, em 2010. Encarna Mandela com perfeição. Se tentarmos lembrar alternadamente o verdadeiro Mandela e Freeman - como Mandela- , veremos que as imagens se fundem, são muito semelhantes. Penso em Mandela e posso vê-lo com o rosto, as roupas e os gestos de Freeman.

Mandela com seu pensamento lúcido e otimista domina a cena. A frase do presidente ecoa em nossas mentes e pode servirnos de lição pelo resto de nossas vidas. Na verdade é o poema de William Ernest Henley, que dá nome ao filme: "Agradeço aos deuses. Pela minha alma invencível. Sou o capitão da minha alma. Sou o senhor do meu destino". Se fizermos desses versos o nosso mantra diário, quem sabe que futuro promissor poderemos alcançar!

Depois de passar trinta anos em uma cela minúscula, na Prisão de Robben Island, sob o número 4664, Mandela torna-se presidente da África do Sul, em 1994. Pretende governar e enfrentar os problemas do país sem uso da violência. Sua meta é fazer a transição do apharteid para um regime democrático, onde negros são tratados com o mesmo respeito devido a brancos, buscando uma reconciliação interna e externa.

Mandela demonstra seu pensamento nas menores atitudes. Desde os encarregados de sua segurança. Aceita homens brancos como membros de sua guarda pessoal, contrariando o pensamento dos fiéis guarda-costas. Para estes, os homens brancos poderiam atentar contra o presidente. Aos que não confiam em suas atitudes magnânimas, responde: - "Você só quer saber de seus sentimentos, não serve à nação".

Mandiba, como é carinhosamente chamado por seus acessores, deseja unir a África do Sul em torno de um ideal comum. O mais novo instrumento dessa mudança é o rugby, liderado pelo capitão Jacobus François Pienaar (Matt Demon). Aos que o interpelam, afirmando que mudou de time, responde com sabedoria: - " Se eu não posso mudar quando as circunstâncias o exigem, como posso esperar que os outros mudem?" O rugby deverá se transformar no novo símbolo de uma nação que busca dignidade e igualdade para cada um de seus compatriotas, sem revanchismo. Mandela não quer vingança, aceita os mesmos funcionários do governo anterior. Considera o rugby um cálculo político e humano. Interfere quando seus partidários votam a mudança do nome do time e de suas cores dourado e verde. Sabe que lideranças a serem apaziguadas estão no Springboks.

Preocupa-se em transformar as mentes. Em conversa com François, afirma - em relação a seu povo e aos jogadores -, que gostaria de saber : - "Como torná-los melhores do que pensam que são". Alguém já pensou coisa melhor para você, algum dia? Em minha opinião esse tipo de incentivo é tudo o que precisamos e pode nos jogar para a frente como um estopim. Na vida em geral, o que vemos é o despeito, o cíumes, a inveja e a vingança.

Matt Demon é um grande ator, está convincente como o capitão François Pienaar. Treinou muito para aumentar a massa muscular e aprendeu a correr. Observem como ele corre leve, parece um carro novo, deslizando com muitos amortecedores. Liderado por Mandela, François convence seu time de jogadores, parrudos e truculentos. Consegue que os brutamontes - meio antas preconceituosas de 300 kg- se apresentem para um time de crianças pobres. Mandela consegue mudar as mentalidades. Os resultados aparecem. Observe quando o grupo de seguranças - formado por negros e brancos que se odiavam - esquece as diferenças e joga junto no intervalo.

Ao cumprimentar os jogadores, Mandela pronuncia o nome de cada um. Para ele, ninguém é invisível. Trata a todos com o mesmo carinho e atenção. Quando o time finalmente ganha a Copa do Mundo de 1995, o presidente sabe que o significado daquilo tudo ultrapassa em muito a simples vitória de um time, é muito maior. Foi conquistada a grandeza de um povo e de uma nação.

Os filmes de Clint Eastwood rasgam nossa alma em pedacinhos que ficam flutuando e demoram a se juntarem novamente. Espero com essa imagem tentar explicar um pouquinho da emoção que senti ao ver o filme. Me diga se você sentiu o mesmo, e não esqueça o poema inspirador, o Invictus:

Do fundo desta noite que persiste

A me envolver em breu- eterno e espesso,

A qualquer deus- se algum acaso existe,

Por mi'alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,

Sob os golpes que o acaso atira e acerta,

Nunca me lamentei - e ainda trago

Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,

Somente o horror das trevas e divisa;

Porém o tempo, a consumir-se em fúria,

Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda - eu não declino,

Nem por pesada a mão que o mundo espalma;

Eu sou o dono e senhor de meu destino;

Eu sou o comandante de minha alma.



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O fim da escuridão (Edge of Darkness)

Mel Gibson continua sendo o Mel, que arranca suspiros das mulheres e povoa o imaginário feminino de mil e uma maneiras. Até o porteiro do hotel se for lindo e parecido com Gibson, pode ser chamado de Mel. Neste filme, Mel está dramático, é um policial durão. O diretor é Martin Campbell, que fez o excelente Cassino Royale, onde mostra um 007 sofrido, humano e apaixonado. Aqui, Mel também é um sofredor, que busca as razões do assassinato da filha e cai numa rede de intrigas sem precedentes. O filme é inspirado na minissérie da TV Britânica, e tem roteiro de William Monahan (Os Infiltrados) e Andrew Bowell.

Depois de ficar muitos anos por trás das câmeras, Gibson volta a atuar e demonstra que está muito à vontade em seu papel de pai vingador. O fio condutor da história é a relação entre pai e filha. O relacionamento entre os dois é doce e verdadeiro. Parece que já vimos aquilo, nos é muito familiar. A cena da menina encantada com o pai, olhando cada gesto seu ao fazer a barba, é belíssima. Thomas Craven (Mel Gibson) conversa com a filha (Emma Charlotte Craven) desde quando a filmava em 9 de junho de 1990, até depois de sua morte, aos 24 anos. Talvez, por ser um homem solitário, habituou-se a conversar com seus entes queridos independente da presença física destes. Um bom hábito, praticado por muitos de nós náo é verdade? Assim como ele, também nos sentimos aliviados conversando com nossos entes queridos, vivos ou mortos.

Martin Campbell filma de uma maneira clássica. Cada plano é estudado de forma a compor segundo regras clássicas compositivas. Pode-se observar como ele alterna os primeiros planos com o rosto enrugado de Mel, a porta fechada, abrindo, o rosto de Mel, seu olhar, que passa pela estante do quarto da filha, tentando unir os cacos da história. Gibson senta na cama, vemos seu corpo inteiro, novamente seu o olhar percorre as fotos, ouvimos a voz da filha, ele responde... A visão perspicaz e incansável do pai desvela a terrível história de crime e corrupção. Uma cena anterior explica a seguinte. Quando o policial pede uma tesoura, na hora do reconhecimento do cadáver da filha, na cena seguinte, vemos sua mão carregando um cacho do cabelo da jovem. Nada parece ser gratuíto, cada detalhe contribui para a narrativa.

As cenas de ação e perseguição mostram Gibson dominando, à vontade em seu "métier". O policial transforma-se no pai-anjo vingador, num filme antológico, com raízes no policial noir. Sabemos que em segundos, algo terrível vai acontecer, e Martin Campbell consegue nos surpreender. Mesmo assim pulamos na cadeira quando a jovem - que vivia afirmando que possuía apenas uma loja de malas - sai do carro, após conversar com o Mel, imbatível na cena seguinte. Mira o alvo, o revólver explode o carro que o persegue, o vidro do carro assassino espirra sangue. As cenas são espetaculares, bem como o embate com os vilões da história.

Nada como comparar o comportamento de Jack Bennett (Danny Huston), o criminoso diretor da Northmoore, antes e depois das descobertas do pai. Quando Bennett recebe Craven na sala da empresa, demonstra todo o seu poder. Encarando o próprio mal, pergunta a Craven: - " Qual é a sensação"? Quando Mel o persegue, e como policial obriga o carro do diretor a parar, Gibson dá suas porradas geniais. Vemos o pavor no rosto do criminoso. Craven dá o troco e pergunta ao covarde Bennett: - " Qual é a sensação?" Campbell reservou para o final a melhor cena. Mesmo tardiamente, Craven vinga-se do mal maior. Observem a cena da morte de Bennett, é genial, nos identificamos e nos vingamos junto a Mel.

Além de Craven, o personagem fascinante do filme é representado por Darius Jedburgh ( Ray Winstone). O personagem possui um Departamento, que é formado por uma única pessoa, ele mesmo. Jedburgh, há mais de trinta anos, exerce seu ofício de proteger as falcatruas do governo, na função de consultor de segurança. Em seus diálogos com Craven, sentimos a aproximação entre os dois. Jedburgh fala a Craven, que lembra o grego Diógenes, que andava com uma lanterna à procura de um homem bom. Despede-se e responde para si mesmo: "- Nós já encontramos esse homem". A identificação entre os dois passa pela importância que ambos atribuem à família. Craven mesmo vivendo o inferno de ter perdido a filha, afirma que valeu a pena ser pai. Jedburgh responde que não sabe o que significa perder um filho, mas sabe o que significa não ter filhos. É não ter ninguém para carregar seu caixão.

Jedburgh deixa claro que sua função é impedir que Craven junte as peças do quebra cabeças do crime. Mas eis o crescimento do personagem. A reação de Jedburgh em seu reencontro com o senador e com os membros corruptos do governo é impressionante. Quando ele afirma que um povo merece coisa melhor... Prestem atenção! É genial ! É ainda a carência dos valores familiares que faz Jedburgh enfraquecer no último momento, quando enfrenta o jovem guarda a quem pergunta: - "Você tem filhos?" O guarda, jovem, loiro e aparentemente puro? responde que sim. Por um segundo Jedburgh titubeia e sela o seu próprio destino...

Assim, neste filme maniqueísta, no final, tudo fica arranjado e nos seus devidos lugares. Observem como vale ver Mel Gibson despreocupar-se com idade, rugas e cabelo ralo. Cuidem, os belíssimos olhos azuis continuam os mesmos.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Férias

Voltarei dia 04 de fevereiro !

Abraço, Doris Maria

Chéri

O romance clássico da escritora francesa Colette estava na minha estante, Chéri e O fim de Chéri. Recomecei uma leitura interrompida há séculos! Colette descreve com precisão a França da Belle Époque. O romance é escrito com uma delicadeza feminina, que é muito bem captada pelo diretor Stephen Frears, o mesmo de Ligações Perigosas e A Rainha. Frears faz a reconstituição de época com perfeição. Nunca os exteriores, os jardins de inverno e os terraços foram tão bem retratados. A luz e o brilho, os interiores e exteriores lembram as pinturas dos grandes artistas franceses. Michelle Pfeiffer faz a cortesã Léa de Lonval, originalmente Léonie Vallon, uma bela mulher que entra na curva da meia idade. Preocupa-se por estar perdendo a beleza, embora afirme que não precisa mais dela. Frears ressalta que na França desse período houve prostitutas poderosíssimas. Léa era uma delas. Sua antiga rival, Madame Peloux é mãe de Chéri, o jovem que Léa introduz na arte do amor.

As conversas , os interesses, tudo é superficialidade e futilidade. Chéri é uma criatura que não existe hoje em dia, será que existe? Trabalhar nem pensar! Foi educado como uma criança mimada que passa aos cuidados de Léa. Após seis anos de relacionamento, os dois percebem que formam uma parelha. O filme é fiel ao romance de Colette. Chéri é interpretado por Rupert Friend. Magro, longos cabelos escuros, melífluo, com ar de tédio ele passa seus dias atendendo aos desejos de Léa que o "adotou", mas também é dominado pela mãe, Madame Peloux. Kathy Bates faz a perfeita megera. Gorda, cínica vive de tramar contra Léa. Mas as duas conversam e tomam chá juntas, um chá regado a veneno destilado por Madame Peloux, que gentilmente e com voz doce diz para Léa : - "Agora que sua pele do pescoço e colo está flácida, o perfume adere e fixa melhor!".

Pensem um pouquinho, acho que temos muitas Madames Peloux em nossas vidas, muitas Madames Peloux querendo impor suas vontades mesquinhas sobre cada um de nós. Madames Peloux que não devem ficar sem resposta, quando nos aprontam com a voz mais doce. Talvez por isso mesmo eu tenha gostado tanto desse filme. Quem sabe, essas pessoas, agora, poderiam simplesmente passar a serem chamadas de Madame Peloux. Como Léa, nos acautelaríamos, exercitando o convívio com as pequenas cobras venenosas.

Michele Pfeiffer, no primeiro filme de Frears - Ligações Perigosas - estava jovem e bonita. Como Léa agora está madura e continua belíssima e charmosa. Depois de muito urdir e preparar cavilosamente Madame Peloux lança sua teia e ensaia um casamento de interesse entre Chéri e Edmée. Chéri deixa-se levar. Quando percebe, está casado com uma jovem que não ama. Léa se afasta na maior solidão. Se o personagem Chéri, com seu visual e caráter parece superado, as tramas e os enredos são atuais, e podem ser transpostos para os dias de hoje.
Frears denuncia a farsa nos relacionamentos, a maldade pura, os interesses por trás de atitudes aparentemente inocentes. Denuncia a mesquinhez e insignificância que domina as relações femininas. Denuncia o inferno do eterno feminino, tão bem compreendido, pela também francesa historiadora Michelle Perrot. Se o casamento de fachada com Edmée era simbolicamente uma vitória da família e uma tentativa de regrar o sexo em um altar de celebrações legítimas, contraditoriamente, no caso, era a garantia de uma família sem moralidade, um casamento de alcoviteiras. Sozinho e desestruturado Chéri percebe que permitiu que sua mãe transgredisse e dispusesse dele como um objeto de sua propriedade, que estava emprestado para Léa.

Para Chéri, Léa representava muito mais os valores de estabilidade e função familiar do que Edméee. Chéri é frágil, lembra os personagens de Fellini, parece estar saindo de um filme de Fellini. Dominado pelos outros não sabe bem o que quer da vida. Quando percebe seus próprios sentimentos, vê o quanto ama Léa. A vida a dois aparentemente provisória , de fato era um relacionamento sólido, uma vida de prazer e felicidade, irremediavelmente perdida?

Não deixe de assistir ao filme ou conferir o romance de Colette que está saindo pela Editora Record.