domingo, 23 de maio de 2010

Um Homem Sério

Joel e Ethan Cohen, os dois irmãos inseparáveis estão no Aero Guion com seu novo filme , "Um Homem Sério". O filme é diferente, não é narrado em tom de comédia, embora o personagem seja apresentado como um "clown", um pobre coitado, que está sempre às voltas com problemas criados pelos outros, para ele literalmente se dar mal. O filme tem a assinatura dos irmãos Cohen e podemos encontrar semelhanças com "Queime Depois de Ler", em que os personagens também são pessoas comuns, que fazem qualquer coisa para "se dar bem", sem grandes preocupações com o outro, ou com algum comportamento ético, no mínimo.

O homem sério é um professor universitário. Leciona Física e sempre afirma que nenhum aluno poderá entender a matéria sem antes ter estudado Matemática. A frase irônica ressoa: "Receba com simplicidade tudo o que acontece na sua vida!". Só pode ser brincadeira de Joel e Ethan, pois a vida do professor vira literalmente um inferno, como aceitar tudo com simplicidade? Como o professor poderia receber com simplicidade tudo o que acontece em sua vida?

Os irmãos mostram os opostos, um personagem fraco, que sem perceber, permite que os outros assumam as rédeas de sua vida. Alguém que se considera um homem sério, obediente às leis, cumpridor de seus deveres, que nunca fez nada de errado. Mas que não consegue evitar o caos em sua vida. Porque nada dá certo? Como os outros percebem suas fraquezas, e sabem que esse pobre coitado pode ser manipulado?

Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg) entra em casa e é comunicado pela mulher Judith (San Lennick) que tudo está terminado entre os dois. Assim, sem mais nem menos, ela lhe confessa que está saindo com outro homem, um conhecido, Sy Ableman (Fred Melamed). Os filhos são dois monstrinhos dentro de casa. O adolescente houve música durante as aulas, fuma maconha, deve 20 dólares para um colega e vive fugindo por esse motivo. A filha só pensa em lavar o cabelo e não suporta o tio que se hospeda na casa.

Na Universidade, as adversidades não são menores. Um aluno deixa dinheiro em cima da mesa do professor, como suborno para ser aprovado. Larry fica sem saída. Joel e Ethan Cohen falam de um Larry que está na luta do dia a dia. Quantos Larrys você acha que são subornados? Ou encontram-se em situações semelhantes? Consegue imaginar? Colegas que colocam em xeque a autoridade de bancas universitárias, casualmente coordenadas por Larry? Matrículas concomitantes, ou seja, alunos matriculados em disciplinas, com datas e horários concomitantes, para Larry administrar? Aluna que leva parentes advogados para ameaçar Larry? Ha! Dá para entender a ironia da frase: "Receba com simplicidade tudo o que acontece em sua vida!"

Assim em clima debochado e corrosivo os irmãos contam as desventuras de Larry. Como um cordeiro ele se deixa devorar, pela mulher, pelo amante dela, Sy, pelo mau comportamento e indiferença dos filhos, pelo tio e por todos que o rodeiam. Como na selva, o maior devora o menor. Todos tentam devorar Larry. Mas afinal Larry deve ser o grande culpado disso tudo. É ele, Larry que permite que essas coisas aconteçam.

Os irmãos Cohen sutilmente criticam a cultura judaica, com presença marcada no filme. Cada vez que Larry fala com um dos rabinos, encerra-se uma parte. O pobre coitado, ingenuamente acredita que um deles poderá dar-lhe conselhos de como resolver seus problemas. Larry fala com cada um em escala hierárquica. Os rabinos cobram caro pelas entrevistas. Todos conseguem uma forma de arrancar dinheiro de Larry, a mulher, o advogado, o vendedor de CDs, os rabinos. Enfim a conta dos aproveitadores e das dívidas do professor torna-se interminável.

Finalmente Larry terá que alterar a nota do aluno? Todos tem seu preço? E pior, você deve mesmo "receber com simplicidade tudo o que lhe acontece"? Tudo sempre pode piorar não é mesmo?

O fime dos Cohen é bom e amargo como fel... Mas não deixe de assistir.


sexta-feira, 21 de maio de 2010

Comentário

Éder, muito obrigada pelos simpáticos comentários. Continue lendo meu blog, fico feliz! Acho mesmo uma boa idéia promovermos em conjunto a palestra do teu amigo na Semana Acadêmica.

Um grande abraço, Doris Maria

O Preço da Traição (Chloe)

Julianne Moore está surpreendente no remake "O Preço da Traição". O original é um filme francês "Nathalie X" (2003) com Fanny Ardant, Emanuelle Béart e Gérard Depardieu. Se o filme francês é um drama intimista, a versão americana não é menos dramática, porém o tom é mais leve, até por conta do décor e dos atores. No original a prostituta é uma mulher mais velha e trabalha em um lugar decadente. Em "Chloe", é a jovem bela e sexy Chloe (Amanda Seyfried). Os atores circulam em casas minimalistas, que empregam contrastes de cor, branco e marrom, no piso, somados a detalhes de obras abstratas, que seguem as idéias das vanguardas européias. Tudo é belo e sofisticado, tanto interiores, como exteriores. O filme é dirigido por Atom Egoyan, um diretor canadense de origem armênia. A jovem atriz Amanda Seyfried teve sucesso como a garota ingênua, em Mama Mia. O desafio de fazer uma mulher fatal ficou para "Chloe".

Catherine (Julianne Moore) é casada com David (Liam Neeson), um professor e compositor de música, que se dedica de corpo e alma a seu trabalho.

O casamento está desgastado, Catherine desconfia do marido. É abordada pela jovem Chloe, que faz programas com homens ricos. Catherine em sua insegurança e paranóia - este também poderia ser o nome do filme, bem feio é verdade - faz uma proposta indecente para a jovem, um acordo financeiro para que Chloe seduza seu marido. Catherine deseja testar a fidelidade do companheiro. No fundo ela sabe que David a trai. Só não sabe o quanto é traída. Daí a paranóia toda.

As duas passam a ter encontros secretos. Chloe revela em detalhes suas supostas aventuras eróticas com David. O clima de sensualidade e erotismo aprofunda-se. Catherine, sem saber, trai, sem dar-se conta envolve-se no clima de sensualidade proposto por Chloe. Para esta, o encontro amoroso homossexual não faz diferença, sua vida é sexo e suas aventuras podem ser homo ou hetero, não tem a menor importância. Seus valores são outros, ou melhor sua falta de valores explica seu comportamento. Chloe deseja escandalizar mesmo. Para vingar-se de Catherine seduz seu filho. Para Catherine, a revelação do encontro homossexual coloca sua vida e casamento em risco. Julianne Moore como sempre está muito bem, é uma grande atriz. Liam Neeson que durante as filmagens perdeu a mulher, Natasha Richardson, morta devido a um lamentável acidente de esqui, meio que some do filme. Bem tudo tem sua explicação.

O final não parece bem resolvido. É o clichê de sempre. Catherine revela a outra que existe dentro de si. Não apenas guarda com muito cuidado o prendedor de cabelos que Chloe lhe dá de presente, como usa-o para prender os cabelos em dia de festa... Ora, vejam só, nada foi esquecido, ela amou Chloe e muito... Daí a comoção que o filme provoca.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

A Riviera Não é Aqui

"A Riviera não é aqui" é uma comédia do diretor francês Dany Boon. O riso quase tem início na compra do ingresso. Peço uma entrada para "A Riviera não é aqui". A vendedora responde é "A Riviera não é aqui", rebato: "É a Riviera não é aqui". Risos, é óbvio veja só o nosso Brasil!

A comédia francesa é simpática. Os atores mais ainda, e parecem gente como a gente. Philippe Abrams (Kad Merad) é o personagem principal. Faz um homem de aparência absolutamente comum. É quase calvo, magro, feio, com a barba por fazer, usa um terno curto e apertado, incluindo a gravata "agarrada" ao pescoço.

Os companheiros de trabalho também estão muito bem caracterizados como pessoas comuns. Antoine Bileul é o próprio diretor Dany Boon. Não é muito alto, usa bermudas e camisa de mangas curtas para entregar as cartas. Os outros são gordos e apreciadores de cerveja. Somente as mulheres são bonitas e graciosas. Julie (Joe Felix) é a esposa de Philippe e a jovem loira, é a paixão de Antoine.

Philippe pede transferência para a Riviera Francesa, quer impressionar sua mulher e engatar um casamento que não vai lá muito bem. Desastrado, finge ser cadeirante. Quando consegue a ambicionada transferência, esquece, levanta da cadeira e cumprimenta o fiscal. Uma gafe daquelas! Risos e mais risos!

A transferência sai para o norte, para Pas de Calais . Todos odeiam o norte. Todos temem Pas de Calais. É muito frio, escurece às três da tarde, faz zero graus de temperatura, ou temperaturas negativas, -20, -30, -40. Os dedos ficam tão gelados que podem ser cortados! Ninguém se diverte, ninguém vai a restaurantes.

Os franceses se divertiram mais do que nós, por conta das gags relacionadas às diferentes formas de linguagem, entre norte e sul, em particular no que se refere ao dialeto "ch'ti" falado no norte.

Em geral as coisas não são tão feias quanto parecem. Pas de Calais não é o fim do mundo. Phillipe descobre que até é divertido! E agora? Como explicar ao filho que ele não irá perder os dedos, que não anoitece tão cedo e que é tão bom beber e conversar com todos? Ser bem recebido em cada casa? Phillipe tenta explicar para a esposa. Ela não ouve. Ele mente! Mente para a mulher. Afinal, porque é tão bom ser casado só no fim de semana?

Com muita sutileza, o filme fala de nossa incapacidade para vencer nossos medos, que teimam em nos dominar, que teimam em nos cegar.

Philippe pensa que Antoine, o colega que o acolhe em casa, é gay. Até aí vai muita risada. Antoine tem "medo" da mãe. Teme que a mãe não aprove seu desejo de sair de casa, de casar ou namorara simplesmente. Finge que é gay achando assim que está agradando à mãe. Antoine tem medo de enfrentar seus problemas.

E você? Pensou nos seus medos? Pensou algum dia em enfrentá-los? Você sabia que eles parecem maiores frente nossa indecisão? Tudo parece negro e sombrio.... Você é daquelas pessoas que têm medo da empregada? Tem medo da mãe? da filha? Do marido? Tem medo do chefe? Ou tem medo do que eles possam fazer com você? Tem medo que eles deixem de amá-lo? Se é que o amaram algum dia? Por isso finge que não vê. Finge para si mesmo. Você sabia que a sua empregada dormia na sua cama, na sua ausência, não é mesmo? E agora? Resta apenas vencer o medo e enfrentá-lo!

Não deixe de assistir a esta comédia que é um dos filmes mais assistidos na França. Para ver o que nossos heróis terão que fazer para enfrentar seus medos.


domingo, 16 de maio de 2010

Robin Hood

Ridley Scott o grande diretor de "O Gladiador "e "Rede de Intrigas" saiu do sério, como dizem aqui no Rio Grande e fez um filme melhor ainda! "O Gladiador" era um bom filme, porém, quando Scott foi obrigado a recriar todo o Império Romano - fiquei sabendo no "making off"- o grande público no Circo Máximo era representado sob a forma de minúsculos alfinetes. Tudo eram efeitos especiais. Não consegui tirar essa imagem da cabeça. Além do que, também nunca esqueci as imagens de Kirk Douglas e Jean Simmons no inesquecível "Spartacus", de Stanley Kubrick. A cena da luta entre Kirk Douglas e o negro Woody Strode, sempre fez parte de minhas lembranças. Assim não me entreguei para "O Gladiador" de Ridley Scott. Mas "Robin Hood" é outra coisa. É um filme muito bom. O diretor tem a paisagem de seu próprio país para contar a história. Aliás, uma paisagem belíssima. E como inglês, faz uma pequena provocação aos franceses mostrando seu filme no primeiro dia do Festival de Cannes.

Russel Crowe tem carisma e faz o perfeito Robin. Se não é "o atleta", de qualquer forma está muito bem nas cenas de ação. Nem lembra o físico descuidado do jornalista de cabelos longos de "Intrigas de Estado" (post aqui).

A história pode ser pura ficção, não importa, mostra que o Rei Ricardo Coração de Leão não é puro heroísmo como reza a lenda. Um de seus soldados, Robin Longstride, quando se vê aprisionado e torturado pelas forças reais, desiste de qualquer aliança com o soberano. Quando por uma ironia do destino, fica de posse da coroa do Rei, se vê obrigado a comunicar à rainha mãe, Eleanor, a morte do filho Ricardo. Em suas aventuras encontra o cavaleiro, Lord Robert Loxley, à morte. O moribundo encarrega-o de entregar a própria espada a seu pai, Lord Walter Loxley, interpretado por Max Von Sydow. O grande ator de Ingmar Bergman tem um de seus melhores papéis em Robin. É emocionante a cena da cremação do velho pai. Quando todo filho se pergunta se fez ou não fez a coisa certa cremando seu pai. Rolam as lágrimas...

Uma das chaves do filme é o tema do amor entre pai e filho. Ridley Scoot nos fala sobre os sentimentos de um filho que se sente abandonado pelo pai. Acredita que seu pai nunca o amou. Fala do amor desinteressado e puro do pai adotivo, Lord Loxley, que ajuda Robin a buscar a verdade dentro de si mesmo. Fala desse outro pai que o incentiva a relembrar o sofrimento, perda e morte do pai, quando era apenas um menino. Lord Loxley é um homem de espírito forte. Também é apenas um velhinho, fraco e cego, não menos corajoso. Ele permite que Robin veja o mundo sob outra forma. A relação entre os dois é de uma beleza ímpar.

Há poucos dias li que um professor da Usp fala sobre filmes que provocam uma espécie de êxtase cinematográfico no espectador. Deve ser isso que o público sente nas cenas de batalha, quando todos os ingleses se unem para vencer o inimigo comandado pelo Rei Felipe II. Sabemos que "Robin" é um filme maniqueísta, não importa, vibramos com Lord Logstride, na batalha em que precisa vencer o inimigo. São poucos segundos, parecem-nos uma eternidade. Robin precisa vencer o traidor Godfrey (Mark Strong), que trás a marca da maldade no próprio rosto, e salvar Marion. Ela quase sucumbe sob as águas do mar. As cenas são belíssimas. As gotas de água cegam o espectador como uma chuva de prata. Movimento, ação e água, sob a forma de riscos de prata. Finalmente a cena definitiva. Robin prepara-se para acertar o inimigo. A sequência é cuidadosamente estudada. Aparece o arco com a ponta da flecha em primeiro plano, as mãos do herói se preparam. O olho mira o alvo. À distância Robin atira a flecha para cima. Acompanhamos sua trajetória. O inimigo cavalga na praia, à distância, afastando-se. Seu destino está traçado. Nada mais segura a flecha. Isso é o que entendo como o êxtase que o filme nos provoca. Sabemos todos os sacrifícios que o herói terá que passar e o acompanhamos felizes.

Tão maravilhosa quanto a Varínia de Spartacus, é Cate Blanchett, como Marion. A relação entre os dois tem início quando Robin vêm entregar a espada do filho morto, para o pai, Lord Loxley. Marion era casada com o filho de velho. Por sugestão do então pai, Robin assume a identidade do morto, transforma-se no marido de Marion. Aí começam as deliciosas cenas de gato e rato. As cenas de sedução entre o casal que precisa dormir no mesmo quarto. Afinal, não são marido e mulher? Todo diretor de cinema sabe que esse tema rende. As espectadoras adoram! Funciona com mulheres dos 13 aos 64, com certeza! Elas sentem-se como a própria Marion! hi! hi! hi! Embora se recusem a confessar.

O original no filme de Ridley Scott é que sua história é anterior à lenda. O Robin que está em cartaz em sua cidade tem início muito antes de toda a lenda de Robin Hood, quando o fraco Rei João Sem Terra o declara um fora da lei. A força e a luta de Robin contribuem para que o Rei assine a Carta Magna, que é considerada o início da Monarquia Constitucional. O prefeito movimenta-se para pendurar o cartaz em uma árvore. Uma flecha ligeira arranca a folha de papel de suas mãos e a crava na árvore!

Aí tem início a lenda de Robin Hood!


sexta-feira, 7 de maio de 2010

Tudo pode dar Certo (Whathever Works)

"Vicky Cristina Barcelona" é um filme muito caricato do antigamente genial Woody Allen. Antes de casar com a filha adotiva de sua mulher, Mia Farrow, Woody reproduzia em seus filmes tudo o que falava no divã do psiquiatra. Depois de casar com Soon Yi - fato deplorável para mim, pelo menos - Woody Allen não fez nenhum filme instigante. Não pela idade da menina, mas por ser filha adotiva, poderia ser sua filha também. Essa relação sempre me pareceu muito próxima do incesto. Os filmes anteriores a 1997, quando se divorciou de Mia Farrow provocavam um frenesi e um riso solto nos espectadores. Dois dos melhores em minha opinião são "Um misterioso Assassinato em Manhatan" e "Poderosa Afrodite".

É provável que Woody Allen tente compensar seu aspecto pequenino, esmirrado, com óculos de aros escuros e grossas lentes, com o convencimento sobre sua superioridade intelectual. Todos, em sua opinião são burros, ignorantes, simplórios, sem cultura e educação, como o demonstra personagem de Larry David no filme de hoje, "Tudo pode dar Certo". Da mesma forma que o "clown" que se dá bem em "Um convidado bem Trapalhão" do genial Peter Sellers, Woody sempre conquista as mulheres mais lindas, maiores e mais altas que ele, grandonas e sexys. Lembram da poderosa Mira Sorvino? Ele desejaria mulheres desse tipo para exibir como troféu?
'Tudo pode dar certo" mostra a mesma tendência. Com a diferença que a loira burra - como Larry David pensava e evidenciava - termina encontrando alguém de sua idade para namorar. Não sem antes ter passado pelos braços de Woody, quer dizer, Larry David.

O filme parece uma peça de teatro, com diversos atos. No primeiro o personagem de Boris Yellnikoff (Larry David) é apresentado. No segundo, surge a jovem Melodie St. Ann Celestine (Evan Rachel Wood) . Cada vez que batem à porta do apartamento de Boris tem início um novo ato. No penúltimo temos o encontro de Larry com seu destino, com a sua sorte e no último todos se encontram.

Assim este novo Woody Allen não encanta. A platéia ria mais do que eu. Seria cautela de minha parte? O personagem de Boris Yellnikoff, interpretado por Larry David é o alter ego de Woody Allen, aquele que substituiria o próprio Woody com perfeição. Mas enfim, porque um alter ego? Se o próprio Woody representasse a si mesmo seria mais convincente. Woody Allen é infinitamente melhor que o antipático Larry David.

O personagem é um velho mal humorado, que não acredita no mundo. Tentou se matar , mas apenas chamou atenção dos outros. Divorciou-se e foi morar no centro. Por mero acaso encontra Melodie e abriga a jovem em seu apartamento. Larry vê os outros de forma malévola, irônica e maliciosa. Seu riso e meias palavras invariavelmente expõem os outros ao ridículo, desdém ou menosprezo. Tudo de forma cômica, é óbvio. Aliás, um menosprezo que o próprio Larry sente por si mesmo. Seu visual parece falso e patético. Está sempre de bermudas ou com um chambre sobre estas. E o pior, é manco. É pateticamente manco. Se as manquinhas não conseguiam namorado, como Eugênia, a manca e pobre em "As Memórias Póstumas de Brás Cubas" porque seria diferente como o horroroso Larry? Com certeza Woody Allen nunca leu Machado de Assis.

Mesmo assim a ingênua Melodie casa como Larry. Quando percebe que não o ama, conta-lhe que se apaixonou por um jovem de sua idade, Randy James (Henry Cavill). Ele recebe a notícia com desdém procurando diminuir em tudo a bela jovem, que poderia ser sua filha ou neta.

Finalmente, de forma rápida e caricata, o filme trata de outras formas de relacionamento amoroso, que rompem barreiras. No final todos se acertam e confraternizam. Larry finalmente se expressa de forma adequada quando exorta a platéia a viver, amar e contar com a sorte.


domingo, 2 de maio de 2010

Alice no País das Maravilhas

É muito bom assistir o filme de Tim Burton. Acho que a expectativa e a publicidade em torno do filme são justificadas. A história original de Charles Lutwidge Dodson, pseudônimo de Lewis Carroll foi modificada pelo diretor, que se superou. Alice é um filme muito bonito e muito menos opressivo do que muitos outros de Tim Burton. Desta vez ele não abusou dos cenários opressivos, das florestas fantasmagóricas, das árvores e galhos tortuosos, das cores escuras, da neblina e do azul escuro. "Alice no País das Maravilhas" tem mais luz, cores e criatividade. É claro que as florestas azuladas, as árvores e galhos retorcidos continuam ameaçando, mas temos cenas belíssimas, que parecem ter sido inspiradas em Escher ou ainda parece que Tim Burton resolveu colorir um cenário romano de Piranesi.

A história de Alice transformou-se em um clássico da literatura inglesa e suscitou muitas interpretações à luz da psicanálise. Como a original, a Alice de Burton é dirigida para uma platéia de adultos e outra de crianças. Ou ainda, para aqueles adultos que não aproveitaram a história no seu tempo devido e, antes que seja tarde demais, se deliciam com Alice e seus amigos.

Muitos aspectos psicológicos aparecem na história que Carroll dedicou a uma menina de 10 anos. Ele era pedófilo? Teria.... A história da foto da menina - de arrepiar os cabelos - é verdadeira?

Enfim, Alice que era uma menina de 8 anos na história original, agora tem 17. Mas, ainda é uma adolescente que não sabe o quer. Cai em um buraco e vive uma outra vida embaixo da terra, com muitas aventuras num mundo dominado pela Rainha de Copas. Através de aspectos simbólicos essa vivência permitirá o seu rito de passagem da adolescência para a vida adulta.

O melhor exemplo que Alice (Mia Wasikowska) leva para a maturidade é a boa lembrança do pai, o homem sensível que a comprendia e aconselhava, dizendo-lhe que a melhor maneira de enfrentar o impossível é acreditar que é possível.

Entre as aventuras e aspectos simbólicos da história original, Burton destaca algumas falas que podem nos tornar um pouco mais felizes e menos culpados. Quando Alice conversa com o Chapeleiro (Johnny Deep) ele se queixa, que não sabe bem se é louco ou desmiolado. Alice diz que ele é mesmo um doido, e que seu pai dizia que essas são as melhores pessoas.

Assim, quer dizer, as pessoas para quem os outros dirigem um olhar consternado, quando ficam sabendo as loucuras que cometeram; de fato, são as melhores pessoas e não são de forma alguma, piores que as outras, são diferentes. Esses desmiolados Chapeleiros da vida recebem olhares acusadores e abismados, são censurados injustamente. É preciso aceitar que um dia elas poderão perder ou esquecer as chaves da casa, e por esse motivo ficarão sentadas no corredor do prédio na madrugada. De fato um dia elas poderão ficar encerradas entre a porta principal e a grade que deveria protegê-las. Dormirão no hotel por terem esquecido as chaves da casa no trabalho. Ou, comprarão duas vezes o ingresso para o cinema, para a mesma sessão, simplesmente porque o perderam. Ou ainda, essas pessoas errarão o endereço do velório da amiga, ou terão que chamar os bombeiros para arrombar a casa, pois esquecerão a chave lá dentro, e - com um bebê no colo - não conseguirão entrar de volta! Os bombeiros, não menos desmiolados, procurarão em vão o bebê dentro de casa! Atenderão ao chamado pensando que o bebê estará preso dentro de casa! Essas criaturas desatentas são como o Chapeleiro, simplesmentes desatentas. Se for verdadeiro o que o pai de Alice diz, então elas são as melhores pessoas! Acreditem! Apenas são diferentes, como fala a menina para o Chapeleiro.

Alice não sabe bem quem é, não entende seus sentimentos. Quase fica noiva de um jovem com quem não possui a menor afinidade. No susto, sai correndo atrás do Coelho Branco e cai num buraco, num mundo onde a lógica está de cabeça para baixo. Cai no reinado da Rainha de Copas, uma anã minúscula e autoritária, com uma cabeça enorme que só sabe dizer: "Cortem-lhe a cabeça". A rainha é interpretada pela mulher de Tim Burton, Helena Carter. De seu rosto a expressividade está nos olhos, surpresos ou cheios de ódio dos subalternos. Como se fosse possível, a boca é um pequenino coração.

A lógica do absurdo confere traços surrealistas à história de Carroll. A diferença de estatura de Alice - ora fica muito grande, ora muito pequena - representa a insegurança da personagem quanto à própria identidade. Nessa hora, nota-se a beleza do figurino, que parece virou moda neste inverno.

Os personagens são insólitos e divertidos. O Gato de Cheshire - com uma boca cheia de dentes iguais e nenhum canino - torna-se feio e irreal, mas é querido e amado! E o melhor, consegue ficar invisível na hora certa. Tweedlede e o Tweedledum - os irmãos gêmeos - são engraçados, só dizem bobagens, iguaizinhos.

Contra a vontade, o fiel cachorro Bayard sai à caça de Alice. Sua mulher e filhotes estão sob custódia dos asseclas da Rainha. E a Rata mal humorada salva nossa heroína na hora certa. Fura o olho do monstro, embora viva dizendo que Alice não é a verdadeira. Quando aquele peso de toneladas cai sobre a menina, seu medo é o maior do mundo. É isso que Alice precisa enfrentar para crescer, seus próprios medos. Os nossos medos são de meter medo não é verdade?

Nossa heroína vence seus próprios fantasmas, dorme na casa de Capituranda, e lhe devolve o olho arrancado pela Rata. O bichão passa a ver o mundo literalmente com outros olhos e se transforma na cachorrinha de estimação de Alice, em sua melhor amiga. Lambe e cura as feridas da menina. Alice pula no lombo do monstro e sai a enfrentar o mundo.

Absolem a lagarta azul é voz da sensatez. Alerta para o que está escrito no Oráculo. A jovem deverá enfrentar o pior dos inimigos, o Jaguarte (Jabberwocky). A cena de preparo para a batalha é como um desenho de Escher, simétrico e fechado em si mesmo. De um lado Alice montada em Capituranda e do outro, o exército da Rainha, o Valete de Copas e Jaguarte. As ruínas greco romanas lembram Piranesi. Corajosa, investida da indumentária e da coragem de uma Joana d'Arc, Alice corta a cabeça do monstro, que rola pesada pelos degraus da escada.

Através de Absolem, ela descobre que lágrimas não vencem batalhas, mas sim, muita coragem para lutar e vencer. A adolescente passa a ver o mundo sob outra perspectiva. Consegue devolver o reinado à Rainha Branca (Anne Hathaway), irmã da Rainha de Copas.

Como é uma história do bem contra o mal, a ordem é restabelecida e a Rainha é punida. Seu amante e guardião , o Valete de Copas é condenado a ficar junto com ela, na prisão, o resto de seus dias. Ele prefere a morte! Hi, hi, hi... O safado desejava seduzir Alice, que nem o autor? A Rainha destruída descobre a falsidade de sua corte. Os que a rodeiam, a cobrem de mentiras, cheios de narizes postiços, barrigas e orelhas falsas. Cuide você também daqueles que são apenas falsidade e bajulação.

Alice descobre que não chegou ao País das Maravilhas. Constata que é desnecessário dar um beliscão em si mesma para acordar e fugir do pesadelo. Enfrentou seus monstros, cresceu e encontrou a paz. Não precisa chorar, como bem fala Absolem. Lágrimas nunca venceram batalhas. Alice pode voltar à cena do noivado e falar para todos o que deseja para si mesma. Tranquiliza a mãe e lhe diz: "Não se preocupe, encontrarei algo de útil para fazer com minha vida".