terça-feira, 29 de setembro de 2009

O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Maria de Medeiros é Marguerit Duvas, a francesa de alma grande, muito grande. Quem me dera ser como ela. Seria uma benção para qualquer mulher parecer com a francesa, nem que fosse só um pouquinho. Maria de Medeiros está tão bem como a pedagoga que adota o menino Roberto, que não consigo imaginar a verdadeira francesa com outro visual. Que nem a vez, que vi o filme “Roma” de Fellini. Eu jurava que o diretor tinha encontrado a Anna Magnani por acaso, quando ela fala: “Va Fellini, va”. Mas não, para conseguir tanta naturalidade tem que ser muito boa atriz. No caso, Maria de Medeiros, como Magnani está estupenda. E Luiz Villaça, o diretor faz jus às nossas expectativas com seu belo filme.

Os atores que vivem as diferentes idades de Roberto também estão ótimos. Particularmente irresistível é ver o garotinho de arma na mão (Marco Antonio) assaltando com a maior cara de anjo. E a decepção do menino quando é preso! Roberto (Paulo Henrique) aos 13 anos também demonstra no olhar todo o seu sofrimento, mas revela a sua alegria e o seu jeito de menino especial.

Roberto representa a infância roubada, e roubada de quantas crianças no Brasil? Todos nós sabemos disso. Mas, quem sabe, isoladamente pensamos que é inútil qualquer atitude, tamanho é o problema? E vem Marguerit Duvas para nos sacudir.

Pergunto-me se a mãe era ingênua a ponto de achar que o filho estaria melhor na Febem, que ao seu lado? Em minha maneira de ver as coisas sempre pensei que só menor infrator ia parar na Febem. E também nunca pensei que passasse pela cabeça de qualquer mãe, por mais simplória que fosse, a idéia tola de achar que seu filho pudesse virar doutor, se fosse para a Febem. Aliás, Febem é uma palavra tão mal vista e rejeitada por todos que, se restou alguma coisa teve que mudar de nome.

Os funcionários desses órgãos públicos sempre foram despreparados. O filme de Luiz Villaça mostra muito bem isso. Vocês notaram a insensibilidade da psicóloga, quando a mãe deixa o filho sem sequer poder despedir-se? E ela somente pareceu ter algum sentimento quando ficou amiga de Marguerit... A própria psicóloga admitia a gravidade da situação. Viviam em clima de guerra.

Pode não ser verdadeira a minha percepção. Em órgãos públicos de assistência social existem muitos ex-padres e ex-freiras. Como se sua atividade assistencialista pudesse aliviá-los do complexo de culpa – do imaginário deles – por terem abandonado a vida religiosa em favor da vida laica. Nem por isso são bons profissionais. A maioria é medíocre. E a Febem morreu disso também. Luiz Villaça não aborda esse aspecto, que até poderia enriquecer o filme.

Se Marguerit era uma mulher iluminada, Roberto sempre foi um menino especial. E um menino extremamente corajoso. Quando vemos o verdadeiro Roberto, contando suas histórias como ninguém. Entendemos porque o jovem Roberto era tão esperto.

A caracterização da pedagoga é para sentirmos o quanto ela era fora do comum. Marguerit é rodeada por cores belíssimas, muitos azuis iluminados como ela, que se apresentava: “Nasci em Marselha, na França, gosto da cor azul, sou pedagoga, meu signo é câncer, gosto do verão, gosto mais do dia que da noite e gosto de andar de bicicleta”. Generosa, iluminava tudo que tocava. O pão com que alimenta Roberto nunca me pareceu tão bonito e gostoso. O menino fala que nunca tinha visto tanta comida.

Impressiona em Marguerit a capacidade de amar e de ser mãe adotiva. Seu trabalho social não deixou de ser uma adoção. Daquelas mães que não precisam adotar crianças enquanto elas são pequenas. Daquelas mães que não escolhem a cor, nem a idade do filho adotivo. Daquelas mães que tem coragem de adotar uma criança de 13 anos, que perdeu as contas do número de vezes, que fugiu da Febem.

Marguerit faz Roberto entender que ele não é mais aquele menino da Febem, que teme tudo na vida. Ao que ele retruca: “Mas continuo negro”. Ela dá a melhor resposta: “Deus coloriu os negros e esqueceu a nós, brancos, por isso nem podemos tomar sol”.

Emocionamo-nos e choramos quanto Roberto perde o medo e passa muitas vezes pela revista policial na entrada do jogo de futebol. Para ele aquilo foi pura alegria. Ali o menino adolescente entendeu que era um ser humano livre e um cidadão, embora ainda fosse criança. Sem pieguices podemos afirmar que Marguerit venceu pelo amor.

Para nós resta o sonho de um dia poder ouvir uma história contada por Roberto Carlos Ramos, o menino que virou contador de histórias, tão verdadeiras como a sua, como ele mesmo afirmava.


sexta-feira, 25 de setembro de 2009

CASAMENTO SILENCIOSO

O lugar é a Romênia ocupada pelos comunistas. A data é 1953, ano da morte de Stalin. O diretor Horatio Malaele com certeza ama Fellini, Dino Risi e as comédias do cinema mudo. Casamento Silencioso emprega o contraponto, a mistura entre comédia e tragédia, que ”pega” o espectador, mesmo que este se prepare para assistir ao filme. Todo começa com uma comédia desbragada, uma comédia pastelão. Mas, sentimos que a tragédia quando chega, derruba a todos.

Os ingredientes do humor grosso estão presentes desde o início. Lembram Dino Risi, em seus filmes com Vittorio Gassman. Cineastas e jornalistas fazem um filme. No local das filmagens existiu uma pequena cidade, que foi destruída pelos comunistas. A povoação foi substituída por uma fábrica. Os capitalistas atualmente desejam construir outra cidade para turismo. Visões estranhas perturbam alguns membros do grupo. Ao longe surgem mulheres de preto com velas na mão. De repente aparece uma jovem vestida de branco.

Em flash back temos a visão de paraíso da cidadezinha. Um campo amarelo e dourado encobre o casal apaixonado. Dos dois, ouvimos o grito de prazer. Com em toda comédia o anão risonho e a criança estão sempre presentes espionando e rindo. O grito do pai traz a jovem de volta à realidade.

Os personagens são caracterizados com truculência e vulgaridade. O pai da noiva é um dos mais exagerados nos modos rudes, querendo bater na mulher e na filha, mas estas o trazem com rédeas curtas e não se intimidam. Como todo pai, no fundo o que ele quer é que a filha case. Quando o noivo aceita casar tudo vira em festa.

Fundamentalmente o filme celebra a vulgaridade das classes proletárias romenas. A autenticidade e a falta de modos e educação dos pobres. Não é tão corrosivo quanto o Ettore Scola de “Bruti, Sporchi i Cativi”, mas se aproxima.

O diretor Horatio Malaele critica o passado comunista da Romênia sob a ditadura de Nicolae Ceausescu. Malaele dá uma trégua ao espectador até a metade do filme. Em plena festa de casamento, surgem os oficiais do governo comunista - naquele aclive do terreno filmado repetidas vezes –, ameaçadores, com seus uniformes de capotes compridos. A festa pára, todos ficam em silêncio, sabemos que a brincadeira terminou.

Mesmo assim Malaele mostra a resistência do povo romeno. Os soldados avisaram, estavam proibidos os casamentos ou qualquer tipo de festa, Stalin tinha morrido na noite anterior. Inconformado o pai da noiva transfere a festa para o porão e a comemoração passa a transcorrer em silêncio, como no cinema mudo. Simbolicamente representando o silêncio dos romenos, amordaçados pela ditadura comunista.

Afinal não é todo dia que a nossa filha casa não é mesmo? Em meio a brincadeiras, a platéia se diverte com as piadas, principalmente com o festival de peidos de um dos convidados. Tudo é fixação no escatológico e no grotesco.

Repentinamente o estrondo da parede. Lembra “Ensaio de Orquestra”, de Fellini, quando uma esfera enorme derruba a parede da sala onde a orquestra ensaia. Só que Fellini é Fellini e Horatio Malaele não pode esquecer a tragédia que se abalou sobre seu país. Entendemos tudo, os tanques invadindo a festa, as mulheres de preto, a noiva...

Não deixe de assistir a Casamento Silencioso, você vai adorar e amar o novo diretor Horatio Malaele.

domingo, 20 de setembro de 2009

A ONDA

O alerta é para todos, os regimes autocráticos e autoritários podem surgir num estalar de dedos, com atitudes aparentemente inocentes, que podem partir de qualquer um de nós, mas cuja repercussão é impensável e assustadora.

Para explicar e exemplificar para seus alunos o que é autocracia, o professor Rainer Wegner (Jurgen Vogel) faz uma espécie de laboratório com a turma, tentando mostrar como é possível surgir um movimento autocrático, nazista ou fascista até em sala de aula.

O nazismo continua sendo o grande fantasma que assombra e aterra o imaginário dos alemães. Os jovens preocupam-se com movimentos neonazistas e desejam sacudir a culpa por algo que não fizeram. Criminosas seriam as gerações anteriores. Não percebem que as atitudes fascistas estão muito mais próximas do que possam imaginar.

Para fazer surgir o movimento fascista, o professor transforma sua turma em um grupo unido, liderado por ele próprio, com um lema, baseado no nacionalismo, na obediência, em uma concepção ética de uma vida séria, austera e religiosa, que acredita que o homem deve obedecer a uma lei superior, que tem uma Vontade objetiva, que transcende o indivíduo e o transforma em membro de uma sociedade espiritual.

Os alunos demonstraram ser obedientes desde o início, muito mais obedientes do que os alunos de salas de aula brasileiras. Mas alunos com desvios de comportamento, com problemas de agressividade e sérios problemas familiares também foram mostrados desde o início.

Alguns tinham um padrão de conduta anti-social, agressiva e desafiadora, que aflorou com a formação do grupo a que os estudantes denominaram Onda. Um dos alunos, o mais problemático estava envolvido com drogas, colocava-se em oposição a outras gangues, desejava intrometer-se na vida particular do professor, e era o único a andar armado.

A Onda mostra que isoladamente os estudantes eram frágeis, mas o grupo dissolvia as responsabilidades individuais, e o uniforme dissolvia as desigualdades e as diferenças sociais. Assim em poucos dias o monstro estava formado. A saudação com pequenas diferenças era saudação nazista, interessava a vontade do grupo acima de interesses individuais, não importando os meios utilizados.

Quando a situação se agrava e fica incontrolável não há como frear o grupo, não há como mostrar que tudo deveria ser somente uma encenação.

O professor, vítima de si mesmo, descobre dentro de si o fascista latente, o grande agente de um sistema político nacionalista e antidemocrático. Pasmo, descobre que a semente do nazismo estava dentro dele, o monstro era ele próprio, que olha aterrorizado para a câmera. Essa é a cena mais chocante do filme, a descoberta de si mesmo.

A Onda é dirigido por Dennis Ganzel.


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

FALANDO GREGO

Maria Eugenia Vardalos, a Nia, conquista a simpatia do público em qualquer personagem que interprete. Nia tornou-se uma grata lembrança para todos nós desde que a vimos em Casamento Grego, onde interpretava uma engraçada e atrapalhada jovem de origem grega. Nesta comédia romântica ela é Georgia, uma guia de turismo, também de origem grega tentando acertar em seu novo emprego.

O filme passa de leve pela crítica à forma como os turistas são explorados e enganados nos países estrangeiros. E também critica as pessoas que fazem esse tipo de turismo, estereótipos, criaturas mal educadas, grosseiras, sem cultura, consumistas de bugigangas e falsas quinquilharias que levam como lembrança para seus países de origem. Se a Grécia foi o berço da civilização, hoje mais parece um país subdesenvolvido.

Demitida de seu emprego anterior, Georgia tenta uma vaga como professora de História em uma universidade americana. Enquanto aguarda a resposta trabalha como guia em uma agência de turismo. Recebe os piores grupos porque é boicotada pela empregadora – uma senhora grega para lá de brega, com blusa de oncinha – e pelo colega Nicos. Ambos a desejam fora da competição no ambiente de trabalho. Georgia também recebe as piores avaliações dos turistas.

Seu grupo não poderia ser pior, parecem uns trogloditas e beberrões. Richard Dreyfus faz Irv Gordon, o tipo “engraçadinho”, que Georgia detesta. Está sempre fazendo piadinhas. As mulheres divorciadas parecem duas caçadoras. A senhora com o marido quase inválido não é nada simpática. Ainda por cima tem o péssimo hábito de roubar. O casal que vive brigando, só causa transtornos com sua filha adolescente e mal humorada. A garota não ri nunca e só quer ir à praia. Fazer turismo na Grécia para aprender um pouco sobre cultura, história e arquitetura gregas jamais passaria pela cabeça daqueles turistas.

Assim, Georgia está com a vida em ruínas, e revela candidamente que não faz sexo há séculos, quando pensa que a seu lado ninguém entende inglês.

Richard Dreyfus o “engraçadinho” revela o seu outro lado. Transforma-se no alter ego de Georgia e do grupo. É ele que percebe que o motorista (Alexis Georgoulis) mal humorado perde a direção do ônibus e a própria cabeça quando vê Georgia soltando o seu lado feminino e sedutor. Kakas, o motorista era homem das cavernas só na aparência. Aliás, a guia seguia uma sugestão do próprio Dreyfus, não ser tão durona, ter mais jogo de cintura e introduzir a sedução para cativar seu grupo de tapados.
É Dreyfus que faz a cabeça de todos. Com a ajuda dele, Georgia consegue com que o grupo dê uma guinada em seu comportamento. Como um oráculo, em Delfos, na base da brincadeira Dreyfus faz com que cada um possa entender melhor a si mesmo e dar e melhor de si para o outro. Até a senhora larapia, quando resolve presentear Georgia o faz com um objeto que tem nota fiscal e tudo.

Dreyfus fica em alerta, quando Georgia erra o alvo em busca da alma gêmea. Aproxima-se de um dos turistas e não do motorista. Nem a platéia nem ninguém aguenta, o papo idiota do cara falando em seus hábitos de colecionador de melado! Todos enchem a cara, desde o barman! É uma das piadas mais engraçadas do filme. A outra é o sucesso que o motorista faz com as mulheres quando aparece na praia, lindo, bronzeado e musculoso em seu calção de banho. Assim, se Georgia sai em busca do seu kefi, todos os turistas do grupo também revelam o seu outro lado. Não são tão trogloditas assim...

O filme vale a pena se visto ainda mais quando entramos junto com eles em Delfos e depois na Acrópole! Oh Deus, nos abençoe, o Partenon e o Erecteu, templo das cariátides estão diante de nós!

UMA CANÇÃO DE AMOR

Uma canção de amor é um filme delicado e feminino dirigido pela argelina Karin Albou. O pano de fundo é a Tunísia de 1942, ocupada pelos nazistas. Karin Albou faz Tita, a mãe de Myriam (Lizzie Brocheré). A diretora argelina cria uma obra de intensa beleza. O tema central é amizade entre duas jovens que vivem na Tunísia, unidas pela amizade, e separadas por etnias, diversidades culturais e preconceito.

O trabalho de mulheres na direção de filmes tem se destacado nos últimos meses nos cinemas de Porto Alegre, veja-se o também belíssimo Caramelo.

O pano de fundo é o desejo introjetado nas mulheres de fazer um casamento sólido, que assegure o futuro de cada uma. Vai e vem e aparecem duas meninas que brincam de noiva, entoando o Chant des Mariées, a Canção das Noivas, cuja letra canta, que único que falta é o noivo.

Karin Albou mostra o eterno feminino, a vida de duas jovens, Nour (Olympe Borval) e Myriam. Nour é muçulmana, Myriam é a jovem judia que mora com a mãe. As duas vivem em harmonia na mesma casa. As mulheres, principalmente Nour tem uma vida reprimida. O espaço da casa mostra a absoluta falta de conforto para as mulheres, que vivem reclusas. Nas casas islâmicas, os dormitórios são pequenos nichos abertos, de forma retangular no pavimento superior, que abrem para o espaço de pé direito duplo, o pátio interno que contém a fonte de água. As mulheres são vistas ou nesses dormitórios que se debruçam para o pátio com seus peitoris de balaústres, ou nos locais dos banhos públicos femininos, onde permanecem com a cabeça coberta. O olhar masculino e repressor invariavelmente está cuidando de Nour, quando não é o pai é o namorado.

Khaleb, o primo pobre em todos os sentidos, cuja pobreza de espírito não tem limite, alia-se aos nazistas para pretender ser noivo de Nour. A alienação de Khaleb recai a sobre a família de Myriam, a quem odeia por tê-la flagrado espionando seu ato de amor com Nour.

As duas amigas têm a maior curiosidade uma pela vida da outra. Nour não entende as razões pelas quais sua amiga Myriam pode aprender a ler e sair à rua, com a cabeça descoberta. Myriam, prometida pela mãe em um casamento arranjado, tem a maior curiosidade pelo relacionamento amoroso entre Nour e seu primo Khaleb. Myriam por sua vez nega-se a casar com o bem sucedido médico Raoul (Simon Abkarian). O médico termina assumindo sua condição de judeu e tem um gesto de generosidade e grandiosidade que nos impressiona.

Nessa conjuntura de guerra e repressão vivem a muçulmana e a judia com os olhares sempre angustiados e temerosos. A opinião de amigos e familiares revela a confusão das pessoas, que não sabem o que é pior, viver sob o domínio dos franceses ou dos nazistas. E pior, o bombardeio dos aliados termina destruindo o povoado.

Impressiona no filme o olhar triste de Myriam com seus olhos claros como o azul do mar em dia de sol luminoso. E o contraste com a beleza rude de Nour, ambas em plena juventude. Nessa conjuntura de guerra e opressão sobrevive a amizade entre Myriam e Nour, que conhecem a fundo sim o significado das palavras amizade e fidelidade femininas, sim!


terça-feira, 8 de setembro de 2009

SEQUESTRO DO METRÔ 123

Tony Scott, irmão de Ridley Scott é o diretor de The taking of Pelham 123. Os irmãos Scott não são mais crianças, Ridley nasceu em 1937 e Tony em 1944. O irmão mais velho tem um currículo de filmes invejáveis, Rede de Mentiras, Alien o oitavo passageiro, Blade Runner, Thelma & Louise, O gladiador e muitos outros. Os dois irmãos têm trabalhado em parceria em muitos projetos. Em minha opinião um dos melhores filmes de Tony Scott é Déjà Vu, porque mexe com nosso imaginário, alterar o passado e corrigir determinados erros. O filme é tenso, com muita ação e suspense. Acontecem situações onde o personagem, e o espectador se perguntam, já vivi isso antes? Em nossa vida muitas situações parecem já terem sido vividas... É isso que atrai no filme, o Déjà Vu?

Em O Sequestro do Metrô o diretor mostra a mesma capacidade de filmar com movimento e tensão. Cria cenas de tirar o fôlego, como a corrida louca do trem sequestrado. A parceria com Denzel Washington vem desde antes de Dejá Vu. Chamas de Vingança - Denzel era o guarda costas desencantado da menina Dakota Fenning - e Maré Vermelha também trazem Denzel como ator principal.

O Seqüestro do Metrô é uma refilmagem dos anos 70, The taking of Pelham 123. O filme é tenso e violento. Eu esperava que, ambos repetiriam os estereótipos de personagens que criaram para si mesmos, mas não o fizeram, estão ótimos! Denzel é o cara durão. Um homem bonito que pode ser filmado em close, pois continua atraente. Mas, notei que desde filmes anteriores ele está pesadão. Li que Denzel engordou para fazer Walter Garber, o operador de trens. O fato é que há tempo ele perdeu a forma. Se o personagem exigia um cara levemente curvado e mais pesado, Denzel está assim desde muito antes! He, he, he. Ele precisa praticar mais exercícios e comer menos, isso sim é verdade. Denzel pode ser um ator fascinante que nem Clint Eastwood, que apesar da fama tem um corpo horrível, uma cintura lá em cima (nada a ver com idade). John Travolta estava balofo. Agora está bem, fez uma dieta e caminha como que deslizando pela Ponte do Brooklin. O caminhar é o mesmo de outros filmes, não é somente o personagem...

O foco do filme além das cenas de movimento, tensão, gritaria, violência e morte é o embate entre Walter Garber (Denzel Washington) e Ryder (John Travolta). Não é o primeiro filme de Scoot, em que um dos personagens sente-se traído pelas instituições. Ryder era um especulador de Wall Street, que teve sérios problemas, foi preso e agora quer vingança. Seu ato de terror não é pelos 10.000 milhões de dólares em notas de 100,00 que ele exige, caso contrário executará um refém por hora, mas pelo pânico que provocará nas bolsas, em benefício próprio.

Ryder estabelece uma aliança com o operador de trens desde o início. O diálogo entre os dois é revelador. Walter Graber era um executivo que tinha sido rebaixado à funcão de OT por suspeita de suborno. Ryder também se sente traído. Por isso, para ele, o único homem de confiança é Garber, alguém igual a ele, traído como ele.

O início do filme é bonito e tenso. Os personagens são vistos em diversos cortes movimentando-se em direção ao metrô, passageiros, funcionários e sequestradores. Estes possuem aqueles semblantes de mentes perturbadas e tensas, mastigam alguma coisa e se movimentam com decisão. Garber, na estação controla a tudo através do painel eletrônico. Por isso é ele que entra em contado com o vagão de trem, quando vê na tela os problemas com o Pelham 123, em uma referência à hora de partida do trem: 1h 23 minutos.

Ryder descobre que Garber foi rebaixado por acusação de suborno. Quer saber de tudo, sente que o outro foi tão traído quanto ele, por isso precisa saber tudo em detalhes e exige uma confissão.

Quando é contrariado rapidinho vai lá e mata um dos reféns. Muito possivelmente Ryder tem transtorno de personalidade, despreza as obrigações sociais, não sente a menor empatia para com nenhum dos passageiros do metrô. E demonstra o quanto é baixa a sua tolerância à frustração, ao revidar provocando morte e pânico no metrô. Como criatura normal nunca conseguiu descarregar sua agressividade em atividades positivas e transformadoras. O seu padrão é de desrespeito pelo outro. Assim Ryder engana e manipula o outro para obter vantagens pessoais, mente, ludibria e finge. Como personalidade sociopata é altamente irritável e agressiva. Cercou-se de personalidades semelhantes como Phil Ramos (Luiz Guzmán) um antigo funcionário do metrô que conheceu na prisão. Os dois planejaram o assalto.

Tony Scott cria o personagem e Travolta o encarna com perfeição. O visual, de gorro grudado na cabeça, enormes óculos escuros e bigode chinês casam com perfeição com sua personalidade. E Ryder encafifa com Garber, ele mesmo afirma ironicamente? Que Garber seria sua mulher na prisão!

O filme conta com a presença de John Turturro, que faz Camonetti, o policial encarregado do caso. O homem experiente que orienta Garber em sua difícil missão. Mas o ator que rouba a cena é James Gandolfini, fazendo Mayor, o prefeito de Nova York. O ator caracteriza tão bem o político fraco, demagógico e oportunista, que não consigo imaginar o prefeito de Nova York com outro visual, que não o de Gandolfini.

No embate final entre os dois, o que fazem é medir forças. Quem é o mais forte? Um dos revelará finalmente quem é o seu verdadeiro herói.

Assista ao filme e veja se Garber consegue atender ao pedido de sua mulher, voltar para casa com um galão de leite! (4 litros). Afinal o que toda mulher deseja é que seu marido volte são e salvo para casa, sem esquecer as compras do dia!


COMENTÁRIOS

Pedro e Cristina, que bom que vocês voltaram a opinar no meu blog. Assim fico mais animada para escrever.

Pedro, a segunda parte de Inimigos Públicos No 1 ainda não estreou em Porto. Estou curiosa esperando...


Abraços, Doris

CARO SR. HORTEN

Sr. Horten (Bard Owe) sempre viu a vida através da janela do trem. Todos os dias iguais, todos os trajetos iguais, todos os ângulos iguais, como se o seu olho fosse o olho do trem, o olho único da perspectiva de fuga central. Saiu dali, quase morreu, ficou tonto, complicado e desnorteado.

O filme me faz lembrar livros coloridos e ilustrados que li quando criança. Muitas sequências parecem absurdas e sem ligação uma com a outra, tipo o “João Felpudo”? Ou o “Zé Colado”? .O personagem é apresentado, a seguir aparecem suas imagens e aventuras em diversas situações, algumas disparatadas. Quando pensamos que o pior vai acontecer, o herói escapa e parte para outra. A sucessão dos quadros que se seguem é descolada da anterior. O diretor usou a câmera parada, o que contribuiu para essa sensação de tempo passado e meio borrado em nossa memória. Como se já tivéssemos vivido o tempo perdido de Horten.

Horten tinha aquela vida sombria e regrada. Era um homem sozinho. Havia uma bela mulher, mas ele nunca assumiu o relacionamento.

Prestes a aposentar-se deverá fazer sua última viagem como motorista de trem. A proximidade da aposentaria trás consigo angústia, tristeza, insegurança e medo da velhice. Os sinais de depressão – a doença da moda – vêm a reboque. Muitas pessoas têm usado a depressão, para justificar o seu comportamento irresponsável. Mas depressão não é incapacitante, não justifica descaso e irresponsabilidade. No caso era verdadeiro, o pobre sr. Horten quase sucumbiu a sua depressão.

Simbolizando os sentimentos obscuros e confusos do personagem o filme é opaco e de cores sombrias. O apartamento do sr. Horten fica junto à estação de trem, ele nunca precisou caminhar muito para chegar ao trabalho. Tudo contribuía para fechar o seu círculo. A neve branca que tudo igualava, oprimia mais ainda. O inverno norueguês, o frio e a neve contribuem para a tristeza e a tendência ao alcoolismo. As pessoas pareciam tristes, infelizes, bebiam muito. E pior, bebidas destiladas que fazem mal para velhinhos, justamente os que mais bebiam.

Sr Horten tinha um passarinho azul, de quem cuidava pouco, limitava-se a cobrir a gaiola do pobre animalzinho, que tinha uma vida tão triste quanto a de seu dono, prisioneiro de si mesmo. Se o passarinho azul entrasse por vontade própria no apartamento do Sr. Horten, ele seria um homem feliz.

Como nas historinhas infantis, o herói corre riscos, mas inexplicavelmente não se machuca. Enfrenta novas aventuras. Horten freqüenta lugares lúgubres como ele. Encontra pessoas sós, como ele. Morte e a tristeza rondam o personagem. Depressão e confusão mental o levam a estar no lugar errado, na hora errada. Como o idoso demente e senil, que não encontra o caminho para voltar para casa, se perde e dorme em qualquer lugar.

Vive situações absurdas, como a visita ao prédio em reformas, quando não consegue chegar ao apartamento onde seus colegas comemoram. O prédio, todo coberto por panos esvoaçantes era, e não era habitável. Simbolizava a própria confusão do personagem, perdido no mundo. Horten entra no apartamento de pessoas estranhas, sem bater à porta. Encontra um menino que parece o Pequeno Príncipe, conversa com o menino, que quer a sua presença. Vela seu sono, dorme e acorda no lugar errado. Perde-se e não chega nunca na festa.

Vai tomar banho na piscina, deixa o tempo passar, dorme sentado e se acorda com o barulho do casal apaixonado, que corre pelado para se jogar na piscina. Horten se esconde nessas horas.

Na velhice as pessoas lembram com nitidez seus primeiros anos de vida. Horten lembra sua infância. Lembra da mãe, de sua coragem, e de sua força para lançar-se de patins do alto da pista. Ele nunca teve coragem de realizar tal proeza. Esse era o débito que tinha para com a mãe e que o perseguiu a vida inteira.

A lição e a volta por cima vem através do velho senhor, com quem faz amizade, em outra de suas aventuras. O amigo tinha poderes, dirigia o carro de olhos vendados. Entra em sua vida para dizer a Horten que é tarde, mas ainda há tempo. É preciso ter coragem! Horten deve assumir as rédeas de sua vida, deve ter coragem, reagir. E ainda é o velho amigo que lhe dá a oportunidade de cuidar de alguém, cuidar da adorável Molly, a velha cachorra que precisava de um novo dono.

O filme é dirigido por Bent Hamer, foi selecionado para uma mostra no Festival de Cannes. Ganhou o prêmio de Melhor Direção no Festival de Flanders. O filme concorreu à premiação do Oscar 2009, e está passando na Mostra do Unibanco Arteplex. Haverá uma sessão segunda feira, dia 7 de setembro. Não perca.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

AMANTES

James Gray, o diretor de Os Donos da Noite e de Fuga para Odessa sabe falar de relações familiares, dos conflitos, do aconchego, das exigências e de toda a complexidade desses laços. O filme Os amantes concorreu à Palma de Ouro, na seleção oficial de Cannes, em 2008, e perdeu para Entre os muros da escola, de Laurent Cantet.

James Grant é o diretor que promete ser um novo Scorsese, e é reconhecido como alguém que ama o cinema, o melodrama, o teatro, e ama acima de tudo Visconti e o neorrealismo italiano.
Leonard Kraditor é Joaquin Rafael Phoenix. O ator tem presença e carisma no filme, é quem segura o grande enredo. Mas a troco de quê ele foi dizer no programa de David Letterman que não queria mais fazer cinema? Custo a acreditar! Vai fazer o que então? Ser rap? Como disse o Clausewitz ( leia meu texto sobre o filme Em Tempos de Paz): a gente tem que fazer o que sabe fazer! E Joaquin Fenix sabe atuar.

Apesar desse gol contra, Joaquin Fenix, o Leonard é o personagem que se destaca e mexe conosco. Ele é a âncora e a força para o diretor poder falar do que quer falar, de família e de relações familiares. James Gray é de origem judaica, e ele fala dessa família. Gray vivencia o tema família, com toda a sua complexidade de relações. A família judaica tem características marcantes na forma afirmativa de apoio que fornece aos seus componentes. Essa solidariedade segue uma cadeia que passa de pais para filhos e parentes, numa intrincada ramificação que se cristaliza em relações de suporte e vínculos recíprocos. Essas idéias inconscientes inter relacionadas e ligadas a afetos, influenciam fortemente as atitudes e o comportamento do grupo familiar de Leonard. Existe um grande envolvimento e apoio entre os membros familiares. À sua maneira, James Gray conhece e explora com profundidade o tema. É diferente de Woody Allen, por exemplo, que o faz de forma leve e divertida.

Gray é dramático, até melodramático. Mostra que a família, ao mesmo tempo, ama e asfixia. Se os laços familiares são de apoio, podem se transformar em correntes que nos sufocam e reprimem. A família de Leonard - como a nossa - ama, sente ciúmes, desconfia, vigia, fofoca, domina, manipula e tenta ditar os destinos de seus membros. Se a família representa a felicidade também pode ser um tormento.

Leonard é bipolar. Mora com os pais. É alguém que teve experiências negativas, frustrantes e sente-se perdido no mundo. Mas é alguém muito amado e cuidado pela família. E aí foi dito tudo. Parece que o apoio da família pode nos levar longe, muito longe.

No início do filme Leonard tenta o suicídio, mas não que morrer. Sentimos que está distante. Fenix – Leonard – no filme aparenta até mais que os seus 35 anos, poderia perfeitamente ser um homem independente. Mas é um filho que precisa se encaminhar na vida e não consegue. Assim como não consegue se entusiasmar com o trabalho da família, uma lavanderia. Vive perdendo os ternos que deveria entregar aos clientes.

Como alguém perdido no mundo, se confunde entre duas mulheres, Michelle (Gwyneth Paltrow) e Sandra (Vinessa Shaw).

A mãe Ruth Kraditor – representada por Isabella Rossellini – não perde o filho de vista. Até por baixo da porta ela espia, de madrugada quando ele volta das festas. Cuida o horário dos remédios e sente no ar os problemas do filho.

A família tem planos para Leonard. Os pais pretendem casá-lo com Sandra a bela jovem, filha de uma boa família, cujo pai investirá nos negócios que poderão assegurar o futuro de ambos.

Mas não é bem isso que Leonard deseja. Michelle (Gwyneth Paltrow) surge em sua vida, tão confusa e desprotegida quanto ele. Por isso mesmo os dois – semelhantes – se aproximam. O jovem se apaixona, e se Leonard trai, é duplamente traído por Michelle, que tem por amante Ronald (Elias Koteas) um homem mais velho. Os dois querem fazer de Leonard o The go between, o mensageiro do filme de Josef Losey, de 1970. Não existe humilhação maior. O personagem possui algo de patético quando vai se envolvendo com Michelle e Ronald, como num melodrama do neorrealismo italiano.

Michelle é tão perdida quanto Leonard, mas não tem a família, com todas as mãos puxando-a para cima...

O inevitável acontece. James Gray faz um desfecho realista, mas depressivo. Leonard sem glória volta para a família, mas volta...