quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Concerto ( Le Concert)

Radu Mihaileanu dirige "O concerto", um dos melhores filmes de 2010. Mihaileanu é um cineasta judeu romeno radicado na França. O filme é baseado em texto de Héctor Cabello Reyes & Thierry Degrandi. Se a história é emocionante, a forma de contá-la é inteligente e bem humorada. O filme se passa na Rússia pós Brejnev. O diretor caracteriza os russos impiedosamente. É preciso dar um empurrão para se mexerem, são uma "mulas" segundo Olivier Duplessis, o diretor do Teatro Châtelet. Radu Mihaileanu diverte-se com o saudosismo dos senhores idosos e ultrapassados, pertencentes ao Partido Comunista. Na França, o Partido está tão decadente que precisará vender o belíssimo prédio projetado por Niemeyer.

Esses detalhes, porém, fazem parte da conjuntura do filme, pois o acontecimento central deu-se em 12 de junho de 1980, no dia do concerto do maestro Andrei Filipov. A solista era a grande violinista Léa Strum. No meio do espetáculo, Ivan Gravilov quebrou as batutas de Filipov e proibiu-o de exercer a profissão de maestro. No regime de Brejnev, o maestro foi reduzido à condição de faxineiro do teatro e os judeus foram perseguidos. Mas Filipov jamais abandonará sua grande paixão, a música. Intercepta um convite dirigido à Orquestra do Teatro Bolshoi para apresentar-se em Paris. Decide reorganizar a sua, em substituição à oficial. Afinal sua orquestra era muito melhor que a do Bolshoi!

Os preparativos para a partida incluem piadas em série sobre as dificuldades e desorganização dos russos. A falta de experiência para gerenciar o empreendimento faz com que Filipov tenha que se valer do mesmo homem que o humilhara em sua última apresentação, Ivan Gravilov. O encargo é aceito de imediato, mas ele leva na bagagem uma enorme bandeira do Partido Comunista...

Valeriy Barinov, que interpreta Gravilov está muito bom. Seu francês tem um sotaque russo carregado. Por isso mesmo é divertidíssima sua conversa ao telefone com o diretor do Châtelet. A Aliança Francesa deveria usar o filme sem legendas para fazer os testes de final de unidade. Seria mais fácil entender Gravilov, do que a gravação com aquela voz falando muito rápido. A platéia divertiu-se muito com os gags nos preparativos para a viagem. Entre outros tiveram que caminhar 7 km à pé, com bagagem para chegar ao aeroporto! Os franceses por sua vez, improvisaram um novo letreiro na entrada do restaurante Le Trou Normand - uma das exigências da troupe -, o verdadeiro deixara de existir há muito tempo!

O drama central está centrado na identidade da solista, Anne-Marie Jacquet, convidada por Filipov. Mélanie Laurent, a Shosanna de "Bastardos Inglórios", interpreta Anne-Marie. Filipov era fixado em Léa, a antiga solista que fora deportada para a Sibéria, em razão dos acontecimentos de 1980.

Irresponsavelmente os membros da orquestra se perdem em Paris, a cidade das luzes. Fazem de tudo menos comparecer ao ensaio. Sobram quatro para realizar o concerto. E Filipov não deixa por menos, apresentarão o Concerto de Tchaykovsky... Radu Mihaileanu pode ter se inspirado em Fellini que, em "Ensaio de Orquestra", mostra os músicos como pessoas egoístas e cheias de defeitos. Porém, quando pegam seus instrumentos, e começam a tocar, tornam-se divinas, parece que têm parte com Deus. Em "Concerto" acontece o mesmo, finalmente Filipov consegue mostrar seu brilho e talento. A música supera todas as mediocridades, eleva-se em plano superior realizando o desejo do maestro de voar até a harmonia suprema!

A sequência final é extremamente emocionante e agora o silêncio da platéia é sepulcral. Não há como conter as lágrimas... Se leigos se comportam assim, imagine o maestro Frederico Gerling. Com certeza teria se emocionado muito... E eu, com tristeza soube de sua morte neste momento...

Léa cujo grande desejo é conhecer o olhar de seus pais, poderá finalmente saber sua própria origem e identidade. Mélanie Laurent é uma atriz fora de série, parece que enxergamos sua aura. Passa uma espiritualidade e uma autenticidade tão grande a seus personagens que você precisa saber, se for um filme com Mélanie Laurent, corra e vá ao cinema, não importa o filme. Mas se for "Le Concert" serão muitas as razões para assistí-lo. Feliz Ano Novo!


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

72 Horas (The Next Three Days)

Russel Crowe passa a sensação de credibilidade. Os diretores quase sempre reservam o papel de herói ao ator, mesmo que tenha de enfrentar causas perdidas. Carismático e fortão com doces olhos azuis, assim é o John Brennan de "72 Horas". Por isso tudo, a platéia não acredita que as coisas possam dar errado para os personagens de Russel Crowe. Apesar dessas sensações a vida do casal Brennan se transforma em verdadeiro inferno.

O professor John Brennan (Russel Crowe), sua mulher Laura (Elizabeth Banks) e o filho de 6 anos George ( Brian Dennehy) levam uma vida pacata, em Pittsburgh. Alguém bate à porta, o casal cuida dos afazeres da casa, da educação do filho e faz a foto diária da família, planejada para acontecer nos próximos 10 anos, até George completar 18 anos. Um bando de policiais entra na casa, com truculência, sem grandes explicações prende Lara acusando-a de assassinato.
Paul Haggis, o diretor, faz um triller movimentado, com muita ação e suspense. O drama se desenvolve em Pittsburgh, uma cidade moderna e high tech. O cenário é o de uma arquitetura contemporânea, destacando-se também o pós-modernismo de Michael Graves no "sky line".

Laura é acusada de assassinar sua chefe, com quem havia discutido. Todas as evidências a condenam. Estava na cena do crime, suas digitais estão na arma do crime e sua roupa está manchada com sangue da vítima. Brennan não precisa perguntar a ninguém para saber que sua mulher não é uma criminosa. Assim como as 72 horas de UTI em que os pacientes correm risco de vida, ele tem seu tempo reduzido a 72 horas para salvar sua família.

Paul Haggis mostra o papel do acaso. Por mais que um homem tente e consiga modificar a realidade, com vontade inabalável e crença em vencer o impossível, a vida de cada um é definida por momentos, principalmente os inesperados, regidos pelo acaso. A força interior de Brennan faz com que ele jure a sua mulher que a vida dos dois não continuará assim, ele cuidando do filho enquanto ela permanece presa, acusada injustamente. Ele não parece pertencer a este mundo, quando opta por viver do outro lado, como um fugitivo, capaz de quebrar todas as regras de cidadania.

Mas o diretor mostra também, a incompetência da policia, encarregada de reunir as provas que condenariam ou inocentariam Laura. Como portadores de "déficit de atenção", os policiais não conseguem enxergar o que está a sua frente.

Assim, Brennan deve atentar aos conselhos de Damon, o homem que conseguiu fugir sete vezes ( Liam Neeson) da prisão. Brennan terá que ser capaz até de matar, ou derrubar velhinhas em sua rota de fuga. Enfrentar os mais perigosos momentos. Se não for capaz de ir até o fim, o melhor será desistir antes, nem sequer tentar...


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Aparecida- O Milagre

Em 2010 que eu lembre são três os filmes religiosos. O primeiro, nem tanto, era sobre a vida de Chico Xavier, os outros dois sim efetivamente ressaltam a fé religiosa. Paulo Thiago, o produtor afirma que "Aparecida" não tem nada a ver com a onda de religiosidade que toma conta do país. Mas sempre foi assim, não é mesmo? O Brasil é um país religioso. Enfim, tudo faz parte de um grande negócio. Filmes religiosos eu só assistia em minha infância, no cinema dos padres ou no colégio das freiras. Lembro de "Marcelino , pão e vinho" e de outro, belíssimo, sobre a vida de Santa Maria Goretti. Era italiano, dirigido por Augusto Genina, de 1949, em preto e branco. Em meio a um cenário dramático e escuro, Maria Goretti prefere a morte à entregar-se a seu algoz. À distância, adulta, constato que o problema era a violência e a pedofilia. O mesmo que se abate ainda hoje sobre o Brasil.

"Aparecida" é dirigido por Tizuka Yamazaki. Só o nome da diretora recomenda a obra, por isso fui ao cinema. Trata-se da história de um pai, descrente e mal humorado que mais prejudica seu filho que o ajuda. Interpretado por Murilo Rosa, Marcos, o pai , é caracterizado como um personagem dos anos 40. Murilo Rosa é magro, veste-se como um homem conservador e usa um corte de cabelo e bigode parecido com as fotos de meu avô. O que falta ao ator é a intensidade no olhar. Como o cinema é a melodia do olhar, falta-lhe muita coisa. Seu grande problema é possuir olhos fundos e inexpressivos. Vejam só, é considerado um galã! sic!

Maria Fernanda Cândido é a amiga e protetora do pai descrente. O casal permanece em cima do muro. Tizuka destaca a angústia do personagem, por isso ele não consegue desenvolver um relacionamente amoroso. Na infância Marcos revoltara-se contra Nossa Senhora Aparecida, considerando-a culpada da morte trágica de seu pai.

Bete Mendes é Julia, mãe de Marcos. A ex-mulher, interpretada por Leona Cavalli é uma pianista de sucesso. Conseguiu consolidar a carreira artística após separar-se do marido. O personagem que reúne todos os predicados é o filho Lucas (Jonatas Faro), um jovem lindo e bem comportado, que não é compreendido pelo pai.

Quando o inevitável acontece, Marcos tem a oportunidade de dar a grande virada em sua vida. É o momento de humanização do personagem. Precisa vencer problemas que só podem ser superados através da fé. "Aparecida" procura mostrar que a fé remove montanhas. Concordo, é preciso ter fé, não importa se em Nossa Senhora Aparecida, em outros santos, ou ou... Quando esse filme sair em DVD vou comprá-lo para minhas amigas Enedina e Alice. Elas vão adorar.

Detalhe interessante, a casa onde morava Marcos e seu filho foi projetada por arquiteto. É uma casa modernista dos anos 60. O cenário por si vale o filme. Observem o espaço unificado no interior da residência, a escadaria inserida em um cilíndro espelhado com influências de Le Corbusier. E a relação entre interior, exterior. Belíssima. Infelizmente não consegui reconhecer a autoria do projeto.


domingo, 19 de dezembro de 2010

Para Eder

Eder, tudo bem?

Bom te rever em meu blog. Frost/Nixon é um filme muito bom. Já assisti, vou revê-lo. Valeu a dica. Um grande abraço e Feliz Natal e Ano Novo, que todos os teus desejos se realizem.
Doris Maria

Tetro

"Tetro", o novo filme de Francis Ford Coppola com certeza não merece os dois pontinhos que ganhou na cotação de Zero Hora. É muito mais que isso. "Tetro" é diferente de tudo que vi até hoje. O diretor ama Buenos Aires, La Boca e Palermo. Certíssimo, Buenos Aires é uma cidade envolvente, misteriosa e encantadora. Minha filha me disse que os idosos são bem tratados em Buenos Aires, melhor que no Brasil. Nossos irmãos argentinos são diferentes de nós. Coppola sabe disso, conhece o charme da cidade e a tradição literária dos argentinos.

Mas, "Tetro" possui apenas uma fraqueza, não é falado em espanhol, apenas algumas palavras. E o diretor não fez a menor menção ao tango, alma dos argentinos. Sei, talvez não quisesse cair no lugar comum. Mas ele, Coppola nunca cairia no lugar comum citando o tango.

"Tetro" é um filme denso e pesado. Trata-se da história trágica da família de Bennie (Alden Ehrenreich), o jovem de 18 anos, que chega a Buenos Aires em traje de marinheiro, como garçon de um navio. Vem em busca do irmão Ângelo.

Desde o início vemos uma Buenos Aires em preto e branco, verdadeira obra de arte. Os grandes diretores de cinema sabem o valor das nuances de luz e sombra no branco e preto. As cenas externas com iluminação focada em determinados pontos mostram o encanto da noite, os bares do bairro La Boca, uma descoberta da cidade, muito distante da visão produzida para turistas.
Bennie é um encanto, o próprio Coppola afirma que o garoto lembra Leonardo Di Caprio quando era menino (assisti à entrevista do diretor no programa do Jô). Verdade, o sorriso e a pureza do ator são irresistíveis. O irmão é o oposto. Não há como simpatizar com Ângelo (Vincent Gallo), por mais sofrido e trágico que seja o destino de seu personagem. Lembro de Vincent Gallo em "A Casa dos Espíritos", onde interpretava Esteban Garcia. O personagem marcou o ator, que por transferência passou a ser odiado (por mim, pelo menos), um Esteban representante da ditadura chilena.

Ângelo não quer mais ser Ângelo. Ao lado de Miranda (Maribel Verdú) tem uma nova vida e agora chama-se "Tetro". Mas os problemas não foram resolvidos, mudar de nome é simples formalidade, o que precisamos mudar é nosso interior. E Ângelo, ou "Tetro" continua o mesmo, amargurado, ressentido e cheio de ódio.

Bennie vem com doçura, em busca da história de vida, que lhe foi negada. Pouco sabe da mãe, do pai e da família. "Tetro" continua a negar-lhe amor e informações. Chama o companheiro de trabalho de irmão, enquanto nega esta simples referência a Bennie. As brigas e desavenças dentro de casa são marcadas pelas batidas das portas do antigo solar argentino. A porta pesada possui um enorme trinco que faz um estrondo quando fecha, separando o tempo de cada briga.
Aos poucos, secretamente, Bennie pesquisa o interior do irmão. Descobre seu talento e seus fracassos. Não entende, se "Tetro" é um artista, porque sente-se um fracassado por antecipação? Firme em seus propósitos, usa técnicas para ler a obra codificada do irmão. Os talentos de "Tetro" saltam aos olhos, como obras de arte, em criações escondidas de todos, como segredos de estado. O autor nega-se a publicá-las. Descobre também, que "Tetro" ao falar de seus personagens, está falando de si mesmo, e ele, Bennie, faz parte dessa história.

Tenta ajudar o irmão a superar seus traumas, publicando sua obra no Festival da Patagônia, onde a famosa Alone (Carmen Maura) é a figura mais importante. Como sempre a atriz está ótima, de óculos escuros à noite, com toda a sua cafonice, captada com muita sutileza pelo diretor.

"Tetro" mostra o grande drama do personagem -"Tetro"- cuja vida foi roubada pelo próprio pai, um famoso maestro, que esbanjava dinheiro sem nunca ajudar o filho. Para ajudar um filho não basta encher seus bolsos de dinheiro. Assim, o filme evidencia as grandes crises de identidade dos personagens, suas fraquezas e egoísmos. Nesse emaranhado de emoções circula Bennie. Tenta salvar o irmão pela arte, sem saber que ele próprio é a grande vítima do destino.
Maribel Verdú é Miranda, a terapeuta que apaixona-se pelo paciente. A atriz é convincente e adota Bennie como um filho em seu coração. Maribel foi indicada ao Prêmio Goya de Melhor Atriz. Preocupa-se quando o garoto inocente é obrigado a passar a noite em um hotel com duas mulheres experientes! no mesmo quarto! Quando bate à porta no dia seguinte, o garoto é um sorriso só, todo ensaboado!!! Única sequência leve no filme, duro, denso e pesado, mas uma verdadeira obra de arte.


sábado, 18 de dezembro de 2010

Oceans

"Oceans", o filme de Jacques Perrin e Jacques Cluzaud está novamente em cartaz no Artplex. Lembram do Festival do Cinema Francês em junho de 2010? Escrevi sobre esse filme. Assim, sugiro que você pesquise a palavra "Oceans" neste blog. "Oceans" é belíssimo. A gente se pergunta o que é a sensação de beleza pura? Bem, "Oceans" é a própria beleza e nos transmite essa sensação. Paradoxal, a cena que é a própria celebração da vida e da natureza é um momento de luta pela sobrevivência. Observem os animais reunidos no mar, todos juntos, nadando ou voando. Estão em busca do alimento.

Outra cena belíssima se destaca. Vemos Jacques Perrin com uma criança pela mão, caminhando em um museu oceanográfico. Todos os animais empalhados. A voz do narrador - acho que é Jacques Perrin - diz que em poucas décadas, milhares de anos de evolução foram destruídos. Centenas de espécies foram extintas. O narrador nos fala que ainda é possível a parceria entre os homens e os animais. Quando derreter o gelo dos pólos e estes se trasformarem em mares navegáveis, destinados ao comércio, não serão os animais que irão falar mais alto e pedir socorro. É preciso que os homens se conscientizem e tomem uma atidude. Ainda há tempo de salvar a terra!

E prestem atenção ao crime bárbaro, em que as barbatanas e o rabo do peixe são cortados a facão e ele é devolvido ao mar, para morrer lentamente... É o horror e a barbárie. É preciso dar um basta!

Não deixe de assistir, é uma experiência inesquecível.


Moscou, Bélgica

Voltei depois de mais de 15 dias! Trabalhos, viagens e compromissos com alunos...
Moscou, Bélgica é um filme feminino, embora o diretor seja Christophe Van Rompaey. Passou em Cannes em 2008 e ganhou o prêmio Acid. Apesar da história banal, é muito interessante. Quem não ouviu falar na mulher abandonada pelo marido, descasada, que precisa cuidar dos filhos? Só que esta aventura diária de milhões de mulheres no mundo inteiro é contada de uma maneira diferente e com muito humor.
Matty (Barbara Sarafian) mora na Bégica, em um bairro proletário chamado Moscou, na cidade Guent. Os personagens são trabalhadores, proletários que não cuidam da aparência no dia a dia. Em minha opinião está pode ser uma realidade européia, na Bélgica. Não do Brasil onde mulheres e homens, com raras excessões preocupam-se com a aparência, bregas, cafonas ou não, andam nos trinques e muito sensuais, independente de classe social.
Matty tem um cabelo louro que nunca viu pente. O marido que a abandonou é um horror, como ela ainda espera que ele volte para casa? devia dar graças a Deus por aquele bofe ter ido embora. Imaginem um professor de arte, mal arrumado, com dentes manchados, um bigode horrível e um chumaço de cabelo caído sobre a testa, que mais parece um bom-bril! Quando bate o vento vai tudo junto! Nessa cena inicial começa a diversão e já adoramos o filme. O cabelo desgrenhado de Matty teima em cair sobre os olhos e a testa. Ela não dá a mínima.
Quando sai do supermercado em companhia dos filhos, distraidamente bate em um caminhão! A encrenca está formada. Desce o caminhoneiro, um homem muito branco, chega a ser cor de rosa, com cabelo foguinho. Muito machão começa a dizer impropérios, que ela é uma barbeira, que não sabe dirigir, etc. Chegam no ápice da discussão, quando ele fala que Matty está um lixo, acabada de tanto mal arrumada!!! Os dois vão fundo na briga de trânsito! Assunto em que quase todos nós temos remotas e desagradáveis lembranças, não é mesmo?
O caminhoneiro, Werner (Johan Heldenberg) tem duas caras, assim na mesma hora em que fala impropérios, se interessa por Matty, que apesar de ser 12 anos mais velha, de fato é uma mulher interessante. A cantada não pára. Matty está na banheira, tomando vinho e pensando amargamente na vida quando toca o telefone. É o novo candidato a namorado. Ela aceita, argumentando que quer provocar o marido-professor, que abandonou-a por uma aluna, muito mais jovem que ele.
Moscou, Bélgica mostra o processo de libertação e superação da mulher. De início Matty espera , vejam só, que o marido tenha os seus dias de diversão e deslumbramento com a amante, e que depois, tome consciência e volte para casa. Chega a dar um prazo para ele tomar uma decisão. Fica esperando. Pasmem, ela se preocupa, se a outra passa as camisas do marido! Educada para ser submissa, Matty alienada, não se revolta com a situação.
O jovem caminhoneiro apesar dos problemas com a ex-mulher parece ser o homem certo para Matty. Assim, a platéia curte muito a relação dela com os filhos e com o novo namorado. A cena com a filha mais velha, Vera (Anemone Valeke) incentivando-a a se arrumar para Werner é emocionante. Os filhos de Matty são calminhos e adoráveis. Vera é gay, e acha que a mãe ainda não está preparada para conhecer sua namorada. Matty nem liga. Nossa heróina de cabelos louros e desgrenhados, interpretada magnificamente por Barbara Sarafian literalmente dá a volta por cima. Acho que os atores estão ótimos e por isso mesmo, vale assistir com os próprios olhos. O filme está em cartaz no Unibanco Artplex!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Para Juliana

Querida Juliana,

Que bom que gostaste do meu blog. Ainda bem que aqui não precisamos falar só de História e Teoria da Arquitetura ou de Evolução Urbana, não é mesmo?
Continue a me prestigiar.
Um grande abraço da Doris Maria

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos

Woody Allen volta a fazer um filme sobre o amor ou pelo menos sobre as relações que atam as pessoas. Quando o narrador nos fala dos sonhos, tristezas, fraquezas, dor e solidão de cada personagem, está falando de cada um de nós. Woody já fez filmes semelhantes, mas desta vez criou personagens mais humanos. Como sempre, as histórias são reveladas de uma forma levemente irônica e engraçada. Se a platéia ri, está sendo auxiliada por Allen a rir de si mesma. E isso é muito bom. Ajuda a elaborar as angústias e tristezas de cada um, para colocá-las nos devidos lugares. Desta vez, Woody foi exemplar ao criar personagens, vivos e autênticos. É verdade, acho que fui a única pessoa a irritar-se com os personagens do último filme dele, Vicky Cristina Barcelona. Desta vez ele se superou. Não conseguiria dizer qual dos atores parece mais verdadeiro, se Gemma Jone fazendo Helea ou Anthony Hopkins, representando Alfie.

O narrador nos conta que Helea era casada com Alfie. Como o próprio ex marido revela, ele sentia-se mais jovem que a mulher, que tinha se entregado ao envelhecimento. Quantos Alfies conhecemos? Aos 70 anos dedicava-se ferozmente aos exercícios físicos na academia. Na esteira, era capaz de sentir-se com 15 anos. Depois, quando precisava levantar-se do sofá, sentia o peso dos 70. Levantava-se como a senhora idosa da Praça da Alegria do Sílvio Santos, você lembra? he, he, he! Ela precisava apoiar-se em um guarda chuva para levantar-se! Alfie e Helea estão imbatíveis. A mulher não poderia ser mais insegura, tola e simplória! Vejam só, mesmo arrasada com a separação, conseguiu superar seus limites e encontrou uma alma gêmea, tão boba quanto ela!

Para mim, o nome de Naomi Watts deveria ser o primeiro no cartaz do filme, não sei porque colocaram o de Antonio Banderas, um chato que desta vez está suportável. Naomi é Sally, filha de Helea e Alfie. Naomi continua sendo a atriz, loira, magra, alta e charmosa, que pode usar um vestido tubinho bem justo ao corpo. Mas observe, a magra tem uma leve barriga saliente. Você lembra do macaco soprando o vestido esvoaçante de Naomi, no "King Kong" de Peter Jackson?Ou da corajosa mãe, no assustador "O chamado"?

Sally casou com Roy (Josh Brolin), o mais fraco dos homens. Não tem sequer um emprego. A mulher trabalha fora, aguenta um marido chato, enquanto ele escreve um livro e espiona a vizinha pela janela. Que nem a "Janela Indiscreta" de Hithcock. De tanto não fazer nada, seu único interesse é desejar a vizinha do lado, uma charmosa morena de família indiana (Freida Pinto). Quando Roy troca de lado e vai para o apartamento da vizinha surpreende-se espionando a própria mulher. Agora é Sally que se desnuda frente à janela. Se Roy é um voyeur, elas também sabem provocar, trocando de roupa com a janela aberta! Convenhamos! Todos se prestam para o desfrute...

Sally é uma mulher insatisfeita, que não encontrou a sua razão de ser nesta vida. Não sabe bem o que quer, mas não hesita em tentar dar uma exploradinha - nem que seja - na própria mãe. Woody Allen mostra como as pessoas precisam de amor, confiança, apoio dos outros e com todos têm pavor de ficar sozinhos! A solidão parece ser algo terrível! Aceitam qualquer arranjo para não padecerem a solidão. E ainda como muitos são capazes de usar de todas as formas ilícitas em benefício próprio...

Um personagem chama particularmente a atenção, o escritor, amigo de Roy. Observem como todos nesta vida precisam de aceitação. Para o pobre escritor, só o fato de Roy ter mencionado que gostara de seu livro foi o suficiente para deixá-lo muito feliz. Ingênuo entrega os exemplares de seu livro não publicado para o falso amigo. Logo Roy, aproveitador, o gordo, desleixado e desonesto marido de Sally.

Patético e muito engraçado é o relacionamento de Alfie com a prostituta interpretada por Lucy Punch. Lucy está ótima como a mulher arrivista. O que esperar de uma jovem como ela? Observem como Alfie sente-se completamente deslocado quando resolve acompanhar a garota em uma balada. Acho que naquele momento seus olhos abriram-se para o ridículo da situação.

Tudo o que acontece deixa o espectador com aquela vontade de rir e chorar ao mesmo tempo! Desta vez, acontece mais uma vez a incursão de um personagem no apartamento de outrem. Roy entra sorrateiramente no apartamento do amigo para roubá-lo. A cena não tem o suspense engraçado de outras, em filmes de Woody, quando os personagens entravam na casa de conhecidos para pegar algo que precisavam muito, ou a prova de um crime, ou a identidade de um bebê (Poderosa Afrodite).

E de repente o filme termina! Antes da hora! Queríamos protestar! Mas como? Não pode! Estava tão bom! Porque terminou?


terça-feira, 16 de novembro de 2010

Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right)

"Minhas mães e meu pai" é um filme interessante. Sempre é muito bom rever as atuações de Annette Bening e Julianne Moore. Ambas são excelentes. Annette Bening além de ser considerada uma grande atriz, ficou mais famosa depois que resolveu assumir as rugas. Segundo a mídia, Annette recusa-se a realizar qualquer tratamento que a faça parecer mais jovem.

O filme dirigido por Lisa Cholodenko trata do casal homossexual Nic (Annette Bening) e Jules (Julianne Moore). As mães conceberam Laser (Josh Hutcherson) e Joni (Mia Wasikowska) através de inseminação artificial, com doador anônimo. Na maior parte dos casos que envolve homossexualismo, os filhos aceitam os fatos com maior naturalidade. Talvez deva-se a isso o título do filme "The Kids Are All Right" ("As crianças estão bem"). No caso, se um dos filhos assim o desejasse, a partir dos 18 anos poderia conhecer a identidade de seu pai, se este o permitisse.

Josh sente curiosidade e precisa da irmã com seus 18 anos para investigar seu pai doador. A visão da história enfoca dramas e problemas que se repetem em qualquer família, hetero ou homossexual. As mães são muito preocupadas com seus filhos. Sabem dar "limites", o que muito casal hetero não consegue. E se preocupam muito com a escolha das amizades.

Lisa Cholodenko mostra que o cotidiano e os problemas do dia a dia afetam a todos, Nic e Jules sentem-se frente à mesmidade. Esse é o problema, e o pai doador vem para sacudir justamente o lado mais frágil da relação. Quando Paul (Mark Ruffalo) surge, a família entra em crise existencial. De um lado os dois filhos se alegram com a figura do pai, um homem jovem, bronzeado, que cultiva hortaliças, legumes e frutos orgânicos. Estabelecido um novo elo, surge a possibilidade de uma nova família e quem sobra é Nic. A interpretação de Mark Ruffalo é tão natural que ele nem movimenta os lábios para pronunciar as palavras. Observe.

Jules representa o lado frágil da família, nunca conseguiu se impor, não trabalhava. Nic nunca a encorajou a isso. Cuidava das duas crianças. Familiar não é? Isso acontece há séculos na família patriarcal e nuclear hetero. O pai provedor impede a mulher de trabalhar. Ao que parece Jules sentia-se oprimida por Nic e agora sente-se atraída por Paul, que representa uma forma de fuga da mesmidade homo. Elas se perguntam: Mas...você já viu um homossexual, de repente, se transformar em heterossexual? Ou voltar a ser hetero? Eis o dilema que precisará ser enfrentado pelo novo triângulo amoroso.

Estão em pauta os problemas de uma nova forma de família que ainda não consta nos livros tradicionais de história da família. Uma forma de relação que já se estabeleu, e exige seus direitos ao reconhecimento. Diga-se de passagem Lisa Cholodenko tratou o tema com delicadeza. Fugiu aos estereótipos. O casal no máximo usava camisetas neutras, sem parecerem mulheres "Maria-João". Julianne Moore em "O Preço da Traição" interpretou uma mulher que teve um relacionamento fugaz e homo com a outra que tinha contratado para testar seu marido, você lembra?

Não deixe de assistir às "Minhas mães e meu pai" e observe a sua própria reação.


domingo, 14 de novembro de 2010

Red - Aposentados e Perigosos

"Red - aposentados e perigosos" vale pelo elenco, Bruce Willis, Morgan Freeman, John Malkovich, Helen Mirren, Karl Urban, Mary-Louise Parker, Brian Cox , Richard Dreyfus e - acreditem- Ernest Borgnine. Existem filme que a gente não se pergunta se são bons ou não.

Somente pelo elenco vale conferir. "Red-aposentados e perigosos" é um deles.

Frank Moses (Bruce Willis), ex-agente da CIA é um aposentado que tem sua noite de sono interrompida por uma parafernália de tiros e agressões. Alguém quer matá-lo. As cenas iniciais são as mais impressionantes. Para mostrar o local onde Frank vive, a câmera faz um movimento de 360 graus, o lugar é calmo, tudo está coberto de neve e preparado para o Natal. Moses, em sua nova vida de aposentado adquire um semblante plácido, uma calma extraordinária. Está apaixonado por Stephanie Chan (Mary Louise Parker).

Após a tentativa de assassinato, em que ele acaba com os criminosos em minutos, resolve procurar seus ex-companheiros. Vai à casa de Stephanie que não o conhecia pessoalmente. Os dois somente conversavam por telefone. As cenas de perseguição e violência se sucedem em um thriller de emoções e muita diversão. Stephanie não entende o desenrolar dos acontecimentos. Sente-se sequestrada pelo homem amado. O exército de homens camuflados que os perseguem parecem bonecos, sem identidade, a quem Frank mata e destrói em segundos.

Os dois companheiros John Malcovich e Morgan Freeman são muito engraçados. Morgan vive em uma Casa de Repouso e o sonho de Malkovich é matar alguém. Sente saudades do tempo em que matava gente. Excêntricos os Retireds And Dangerous, daí a sigla RED, aposentados e perigosos aprontam pra valer.

Para completar o grupo, unem-se a Victoria (Helen Mirren), a super ex-agente , que recebeu uma ordem de matar o amante. Para provar sua fidelidade à CIA, deu três tiros no homem amado. Não o matou, a prova de amor foi não ter atirado para matar. Ele sobreviveu e agora é o russo que se reune ao grupo.

Todos estão em uma lista negra de 11 pessoas que devem ser mortas. Os amigos procuram descobrir as razões de serem perseguidos de morte. Depois de muitas peripécias descobrem que o mais frágil dos idosos é o pior dos assassinos.

O filme possui cenas hilárias e divertidas de lutas e perseguições. Em uma delas anuncia-se uma música de western. Como num filme de bang bang eles enfrentam o duelo. Acontece o embate. Como no farwest, fica um de cada lado, para ver quem é mais rápido no gatilho. Descobrimos que o mocinho matou o bandido quando ele surge da nuvem de poeira, em meio a um cenário avermelhado.

A cena de grandeza não pode faltar. Morgan, como um irmão se sacrifica por Moses. Lembrei Beau Geste. E temos a outra cena de grandeza em que o investigador, que perseguia o grupo descobre os verdadeiros culpados e dá uma chance a Moses. Vale a pena ver todo esse elenco em ação! Há com certeza vale ver Helen Mirren atrás de uma super metralhadora em ação! E Bruce com o olhar mais doce mandando bala e apaixonado!

Não esqueça de conferir, todos os RED estão com dentes perfeitos. Submeteram-se ao mesmo tratamento dentário que o dr. Fortuna está fazendo nos porto-alegrenses. Agora você também pode ter o sorriso dos artistas de Hollywood. Basta consultar o melhor dentista de Porto Alegre, o dr. Fortuna, da Clínica Farias Santos. Mas este é outro assunto é claro!


A Suprema Felicidade

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão, mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão. Se o filme de Arnaldo Jabor tem muito de autobiográfico, nada melhor para defini-lo que os versos "Memória" de Carlos Drummond de Andrade. Por mais que se tente, é difícil imaginar que a vida do personagem Paulinho não seja um relato autobiográfico. Os diversos flashbacks trazem intercalados momentos do passado, revelados pela idade de Paulinho. Aos 8 anos o menino é testemunha do final da Segunda Guerra Mundial. Um acontecimento importantíssimo para marcar uma vida (Jabor de fato teria 5 anos). A narrativa é masculina, com tantos cabarés, colégio de padres e vida noturna. Mesmo sendo uma história de meninos é universal. Remete à adolescência das meninas, ao colégio de freiras, onde imperava a repressão. O beija mão e o sermão do padre - interpretado por Ary Fontoura - , as rezas e as salve rainhas são muito conhecidas das meninas, que nasceram depois da Segunda Guerra . Essa coisa finda, com certeza não teve nada de linda, e não foi esquecida.

Em algumas cenas, o filme parece ter personagens inspirados em Fellini. No sentido de uma identidade brasileira poderia ser uma chanchada dramática, misturada a atos que tem início e fim, como no teatro. Lembra uma peça de teatro, quando pensamos no cenário da rua onde morava Paulinho. A narrativa é entremeada por cenas em que Bené, o pipoqueiro entra no quadro, com sua carroça dizendo impropérios e horrorizando as vovós da platéia, com tanto palavrão. O pano de fundo são os sobrados com suas cercas e jardins. Outro personagem une os quadros, é o vendedor de jornais, sr. Joaquim. Ou ainda, é o funcionário da Prefeitura, com seu mata mosquitos. Uma cena de rua parece teatro; ao fundo as prostitutas circulam nas varandas do prédio de esquina curva. A navalha corta o peito da puta, nua. Exagerada e belíssima, a cena é emocionante e assustadora.

A alusão à chanchada fica por conta do musical, com muita gente se movimentando, dançando e cantando. A rua e a vizinhança são pretexto para o espetáculo onde a cidade dança o samba. Quase todas as marchinhas de carnaval que marcaram a história brasileira são cantadas.

Jabor mostra a família dos anos 40. O pai é um bem sucedido piloto da FAB, de início. É Marcus, interpretado por Dan Stulbach, o grande ator de "Tempos de Paz"- o Clausewistz. Nesse filme a interpretação de Stulbach era dramática e rasgava nossa alma. Em certos momentos de "A suprema Felicidade" é excessivamente patética e "over".

Assim, acompanhamos o crescimento e a trajetória de Paulinho, belíssimo, interpretado por Jayme Matarazzo - filho de Jaime Monjardim e neto de Maysa. A mãe, D. Sofia é Mariana Lima. A atriz esteve nas telas de cinema há poucos dias, também interpretando a mãe , em "Eu e meu guarda chuva". Mulher linda usa belos vestidos à moda dos anos 40, 50. Tudo é muito bem elaborado. A mãe influenciada pelos filmes de Hollywood fuma e sabe a letra de canções em inglês. Acompanhando a história da família, repetidamente vemos Paulinho tentando apaziguar os mais velhos, protegendo a mãe e lendo todo o comportamento neurótico e machista do pai.

Alguns acontecimentos parecem forçados e fora do lugar, beirando o clichê. Quem sabe, seriam desnecessários? Como a sequência do eclipse e a de Deise (Maria Flor) interpretando uma jovem "fora da casinha"(como diz a Niara). A interpretação de Maria Flor, caracterizando a personagem tresloucada também é exagerada. A filmagem da escadaria remete a Hithcock criando a sensação de que vamos cair junto. Mas, de mau gosto mesmo são as cenas das fotos do ectoplasma. Depois do filme de Chico Xavier, a alusão ao espiritismo está virando apelação no Brasil.

Tammy Di Calafiori é uma prostituta agenciada pela mãe. Imita Marilyn Monroe, a quem os homens somente têm acesso visual. Não podem transar, nem tocar, somente olhar. Que nem no filme intimista de Wim Wenders, ''Paris Texas''. Marcus vivia no cabaré olhando fixamente para Marilyn. O filho observa o pai sendo espancado, em cenas de degradação que lembram "O anjo Azul", o acompanha e o acolhe em seu coração. A cena de ambos sob a chuva simboliza o pai tentando lavar sua alma. Paulinho apaixona-se pela mesma mulher - a filha de Estela , na novela ''Passione". Espanta pela beleza, sentada nua, abraçada ao jovem é uma verdadeira obra de tarde. Parece ter saído de um quadro de Ingres.

A emoção e a grande riqueza do filme é Marco Nanini, o avô que inicia o neto na vida, e o prepara para ser adulto. O homem boêmio que não acredita na felicidade. O jovem encontra no avô o seu grande herói. Nanini é Noel, quem teve um avô como ele pode considerar-se feliz. Pode-se fazer o trocadilho com os versos de Drummond e dizer: " As coisas findas - na relação entre Paulinho e o avô - de fato são lindas". Volta e meia, o avô solta suas tiradas filosóficas como: "Nada é só ruim, ninguém é feliz, com sorte a pessoas podem ser alegres, a vida gosta de quem gosta dela." Noel é boêmio e filósofo. Ama muito o neto e acima de tudo, a vida.

"A suprema felicidade" é principalmente uma declaração de amor ao Rio de Janeiro. A homenagem final é Nanini, dançando sobre o fundo da cidade escura e iluminada. A filosofia acompanha a sabedoria do personagem: "Não há nada que o sr. me compre que me faça falta, exceto a vida".

O filme de Jabor é muito bom, emociona de verdade!


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Ondine

Neil Jordan dirige Ondine, um filme que mistura lendas, mitologia e realidade. Ondine é uma das divindades da água. Na mitologia germânica as ondinas se assemelham às ninfas. O barco de Syracuse (Colin Farrell) corta as águas do mar, em uma paisagem sem sol, triste e desbotada. O filme não tem luz, a Irlanda não tem luz. Paisagem pressaga e misteriosa, com o farol a atestar a solidão. O que os pescadores vêem todo dia é céu, mar, muita chuva e neblina. Tudo é cinza e sujo, esverdeado pelo limo e corroído pela ferrugem. A vida de Syracuse não é diferente. Ex alcoólatra, sua única alegria é cuidar de Annie (Alison Barry), a filha de quem gostaria de ter a guarda.

Syracuse tem a vida virada do avesso quando recolhe Ondine das águas. Impressiona-se com aquela bela mulher recolhida do mar, dobrada dentro da rede de pesca. Não somente ele, a cena é emocionante. Ondine transita entre o fantástico, o misterioso, as crendices, os presságios e a dura vida real. É um conto de fadas moderno. Se Syracuse é o anti herói, é ele que consegue enfrentar o mar e salvar a misteriosa Ondine. Uma ninfa, uma sereia ou uma mulher aquática? O mistério e o preconceito rondam a vida dos três.

Annie - a garotinha de 11 anos - é uma graça de menina. Leva vida dura, com sérios problemas de saúde, em muitos momentos não consegue andar. É levada nos braços do pai para a hemodiálise. Mas Annie, a menina triste, sente-se iluminada com a presença de Ondine, que se transforma na mãe dos sonhos, que poderá substituir a verdadeira mãe - má. Tão má, que bêbada quase mata a própria filha.

Syracuse e Ondine são frágeis, precisarão rever e assumir suas novas vidas. Dar uma volta nos acontecimentos. Assumir o que realmente desejam para formar uma família. A criança Annie sonha - a seu modo - tenta alterar o rumo dos acontecimentos. Cabe aos adultos a decisão e as responsabilidades. As crianças não são agentes dos acontecimentos, são vítimas.

Ondine explora o lado frágil do personagem Syra - como ele gostava de ser chamado. Syra preocupa-se demais com o que os outros pensam. Rola o preconceito contra a sua namorada aquática, que como as sereias, pode ser uma fada das águas, maléfica, que seduz os pescadores no meio da neblina e da bruma para levá-los para as profundezas do mar. Ou ainda pode ser uma foca que tirou a pele e escondeu-a. Ondina simboliza os sortilégios da água e do amor ligados à morte.

As ondinas tem uma cabeleira verde-mar que elas vêm graciosamente pentear nas superfícies das águas; são todas belas, maliciosas e às vezes cruéis. O belo jovem arrastado pela ondina não revê mais o dia e morre, exaurido em seus braços e arrastado para o fundo mar. Qual será o destino de Syra? nome inspirado em uma colônia grega?


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Garfield, um super herói (Garfield Pet Force)

Prefiro escrever sobre um filme quando ele me emociona ou me diz alguma coisa. Ou ainda, quando o filme é bonito e bem realizado. Com Garfield não acontece nada disso. Garfield, nem parece Garfield. O desenho em 3D é muito inexpressivo. Não possui nenhuma cena de encantamento, muito menos efeitos em 3D. O único é a visão da torre ou a dança de Garfield, no final, com seu par sobre um chão de estrelas. Garfield é um apreciador de cachorro-quente, que se vê compelido a ajudar o super herói Garzooka, uma versão dele mesmo. Garzooka é um horrível boneco de plástico, com a cara do Garfield. Precisa recuperar uma arma perigosa, que mistura duas ou mais pessoas se forem atingidas por ela. Para evitar que a máquina destrua o planeta, Garfield deve ajudar seus amigos... Não lembro de ter visto nenhuma piada do gordo Garfield, que aliás mais parecia um boneco de borracha com manchas de cor marron. E o barrigão? e aquele jeito que só Garfield possui? Na platéia estavam apenas duas famílias com seus filhos, dois casais de adultos e eu! Parece que as crianças sabiam... Mais espertas, não foram ao cinema.


domingo, 24 de outubro de 2010

O Solteirão (Solitary Man)

Michael Douglas é a razão para assistirmos a "O Solteirã0". Ou pelo menos para pensarmos em tudo aquilo que não deveríamos fazer, e é isso mesmo o que Ben Kalmen faz. O filme está longe de ser uma comédia, só se for uma comédia verdadeiramente dramática. Tudo o que faz é causar mal estar. Brian Koppelman e David Levien dirigem o filme centrado na personalidade de Ben Kalmen, interpretado por Douglas. Em quase tudo o personagem é um ex. É um ex marido, ex vendedor de carros (bem sucedido), ex milionário e ex na vida, beirando os sessenta não lhe sobrou quase nada.

Se Ben Kalmen não consegue fazer nada direito, ganha uma certa simpatia da platéia, nem que seja pela curiosidade de ver até onde ele aguenta, com seu egoísmo e falta de confiança em si mesmo e nos outros.

O elemento denotador da crise ou da falta dela é a revelação do médico de que o coração de Kalmen não está nada bem. Ele nega-se aceitar sua nova condição de portador de uma doença possivemente crônica. Não realiza os exames médicos e nem divide com ninguém suas angústias. Pelo contrário, usa seu corpo e mente como se fossem um trator, para atropelar tudo, a si mesmo e aos outros.

Resultado, todos o rejeitam. Sofremos um pouco pelo personagem, embora ele não tivesse corretivo. Mete-se em brigas, dorme com meninas, causa dor e sofrimento às mães que poderiam estar no lugar delas. Provoca dor e humilhações. Adora o neto, mas não se comporta como um avô que se preze. Recebe o troco, é preso devido a negócios excusos. Não consegue pagar o aluguel. Vive pedindo dinheiro emprestado para a filha. É proibido de ver o neto. Assegura a rejeição do genro. Poucos o acolhem, o amigo que não via há trinta anos e a ex mulher.

Quando consegue transformar-se no herói e incentivar um estudante a enfrentar seus medos e seguir em frente, tem o desplante de dar uma cantada na namoradinha do jovem. A vida de Ben é feita de dar foras. Aliás é ele mesmo que dá um fora em si mesmo. Michael Douglas brilha no papel de Ben Kalmen e assegura o interesse pela debilidade do personagem que não consegue enfrentar seus problemas. A crise atropela o ex grande Ben Kalmen, que precisa encará-la de frente ou sucumbir de vez.


sábado, 23 de outubro de 2010

Juntos por Acaso (Life as We Know It)

Katherine Heigl e Josh Duhamel estão "Juntos pelo Acaso", a comédia romântica dirigida por Greg Berlanti. A história é belíssima. Holly Berenson e Eric Messer são os padrinhos de Sophie, o bebê que é muito amado pelos pais, padrinhos e amigos. Acontece o imprevisível, os pais de Sophie morrem em um acidente e eles tornam-se a única referência para a menininha. "Juntos pelo Acaso" trata do amor incondicional. Holly e Messer precisam superar todas as suas diferenças e dificuldades para cuidarem de Sophie. Sem serem casados ou terem um caso precisam morar na mesma casa. O clima está preparado. Imagine tudo o que acontece.

Assim, o filme mostra como Holly e Messer se envolvem com Sophie e tornam-se seus pais verdadeiros. Pais adotivos e verdadeiros. Pais adotivos que não são casados. Pais adotivos que sentem uma atração um pelo outro desde o dia em que se conheceram, mas que se recusam a admití-lo.

"Juntos pelo Acaso" mostra a doçura na relação que se estabelece entre mãe e filha e entre pai e filha. Até aquela disputa entre o casal, a respeito de quem é melhor pai ou quem é melhor mãe? Mostra as primeiras noites de uma mãe que não foi preparada para ser mãe. Toda mãe se prepara nove meses para ser esse árduo compromisso. Holly vira mãe da noite para o dia. Acontecem as trapalhadas mais engraçadas. Quando o casal chega ao limite e não consegue fazer Sophie parar de chorar, a salvação é a babá, uma adolescente, doce e pequenina. Parece menor ao lado do casal, pois Holly e Messer são muito altos. Mesmo garotinha, a babá solta um suspiro diante do sexy Josh Duhamel (Messer), um cara muito bonito, moreno, com dentes lindos, cabelo meio desfeito e sempre um pouco suado. Esse visual não passava despercebido por ninguém. O belo ainda corria pelas ruas de Atlanta para ficar sarado e mais bonito ainda.

"Juntos pelo Acaso" emociona porque evoca o presente, o passado ou o futuro de todo pai e mãe. Não existe mãe adotiva - como Holly - que não lembre o dia em que ganhou seu bebê, ou mãe que não lembre o dia do nascimento da filha. A primeira noite, o banho quente demais que queimava o bebê e a mãe não conseguia sentir a temperatura da água, pelando de tão quente. A papinha que voava para todo lado. Enfim a calmaria, quando a Fofa pegava no sono. A angústia quando a febre subia ou quando bebê levava um tombo e tinha que correr para o pediatra ou para o Pronto Socorro. Tudo isso vemos em "Juntos pelo Acaso".

Holly e Messer, que se desentenderam no dia do primeiro encontro, continuam a trocar farpas, buscam outros parceiros. Cria-se uma situação delicada, quando Holly sai com o médico e Messer fica cuidando de Sophie, ou quando ele leva seus programas para casa e ela fica de olho. Os dois levarão um tempão para descobrir o que é uma verdadeira família, e nem cinco minutos para amarem Sophie e tornarem-se responsáveis por ela.

"Juntos pelo Acaso" é um filme sério sobre o amor incondicional e a capacidade de amar filhos que necessariamente não precisam ser de barriga.


domingo, 17 de outubro de 2010

Comer, rezar e amar

"Comer, Rezar e Rezar" (Eat, Pray, Love) tem levado milhares de espectadores ao cinema. É baseado no best seller autobiográfico da escritora Elizabeth Gilbert. Nem por isso é menos água com açucar ou será água com adoçante artificial?

Julia Roberts interpreta Elizabeth Gilbert, a escritora que um belo dia descobre que seu casamento é um completo fracasso. Assume o divórcio e faz uma viagem em busca de si mesma. Primeiro vai à Roma, depois à Índia e depois, Bali.

Na Itália, a escritora tem contato com o mundo através da comida. Além de rezar, ela busca satisfação na comida. Muita massa com molho de tomate e manjericão, e muita pizza. Deslize do diretor Ryan Murphy, Elizabeth faz a apologia do gosto pelas coisas simples da vida, pelo comer e beber sem preocupar-se com os quilos a mais que qualquer mulher ganharia comendo daquele jeito. E pasmem, logo quem falando que não se importava em ganhar barriga de gordura, Julia Roberts! Uma das mulheres mais altas e magras do cinema! Ryan Murphy não pensou que existem milhares de mulheres gordas de verdade e com menos estatura que Julia? E para estas, sobra o quê?

Até aí tudo bem, James Franco faz Richard, o ator que interpreta os textos de Elizabeth. Acho que teria ficado melhor se coubesse a Franco o papel do mocinho, no final. James Franco é mais sexy e bem mais interessante que Javier Bardem, interpretando - mal - o brasileiro. Aliás, no que se trata de retratar os brasileiros, Ryan faz uma verdadeira caricatura. Os americanos não têm a menor noção do que é o Brasil.

Tudo é previsível em "Comer, Rezar e Amar". O espectador mais piegas não consegue se emocionar. Continuando em sua peregrinação Elizabeth vai para a Índia. Instala-se em um Ashram, onde pessoas vindas dos mais diversos cantos do mundo se encontram e vivem sob o mesmo teto. Praticam a meditação, precupam-se em servir a Deus e a seus semelhantes. Por isso vemos Elizabeth lavando e esfregando o chão, executando tarefas simples para chegar à purificação. Nos Cursilhos os frequentadores também exercitam essas tarefas simples, do tipo, a mulher do governador lava o banheiro para seus companheiros... Nem por isso Cursilhos são menos conservadores.

Assim "Comer, Rezar e Amar" parece um livro de auto ajuda. Como afirmam os especialistas da semiótica, é denotativo e de fácil leitura. Quando Elizabeth chega ao Ashram é recebida com desdém pelo cínico e sofredor David (Richard Jenkins), que finalmente rende-se aos seus encantos e lhe confessa seus traumas e problemas.

O Xamã, amigo de Elizabeth lhe recomenda que não veja o mundo através de sua mente, mas de seu coração. Como todo livro de auto ajuda, as frases feitas não fazem mal nenhum e podem nos servir como lema: "Ter um bebê é como fazer uma tatuagem no rosto, ou no nariz, tenha certeza antes de se comprometer", "Na Índia, nunca toque em nada que não seja você mesma", "Libere em sua mente o espaço que é ocupado por suas obsessões, verá que pode caber o mundo aí dentro". " Selecione seus pensamentos como seleciona suas roupas pela manhã".

Finalmente o filme termina depois de 2h30 de técnicas de auto ajuda, e adivinhem, quem cai nos braços de quem? Acreditem, apesar dos chavões os mantras são verdadeiros. Preste atenção: "Deus vive dentro de você como você mesmo".


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eu e meu guarda-chuva

Toni Venzolini, o diretor de "Eu e meu guarda chuva" é um poeta. Por isso seu filme tem muita doçura, mostra a mais doce visão da infância, e da relação do menino com a mãe e amigos. Se "Eu e meu guarda chuva" é um filme para crianças, os adultos que levarem seus filhos se identificarão com aquele passado idealizado, onde tudo termina dando certo. Venzolini fala através de seus personagens, diz que "a tristeza é boa para passar pelas coisas da vida e sair dela melhor". Assim Eugenio (Lucas Cotrim), o menino apaixonado por Frida (Rafaela Victor), a vizinha de 11 anos, queria que todo dia fosse hoje - para ficar perto dela- e que toda hora fosse agora.

Para não esquecer o tempo passado, tão distante que parece ficção, o filme nos fala que "existir é ser prisioneiro da terra, e que nosso amor é feito de memórias". Eugenio sofre sua primeira perda, a morte do avô provoca tristeza, vazio e sofrimento. Nada que o tempo não possa concertar, por isso os doces momentos de convívio com o avô passarão a fazer parte das memórias de Eugenio e o guarda chuva simbolizará a presença do avô, que agora que não tem mesmo o que fazer - está em outra dimensão -, poderá acompanhar Eugenio em todas as suas aventuras.

Não pude conferir a reação da platéia, pois a platéia era eu mesma. Tive uma sessão particular de cinema. Posso afirmar que gostei muito do filme-poesia, e que me diverti muito com o fantasma do Barão von Staffen, interpretado por Daniel Dantas. Mais engraçado ainda foi quando o Barão começou a fazer perguntas para os alunos prisioneiros e depois, quando eles não souberam responder, teve um ataque de raiva, tão grande que o fulminou! O Barão perguntava: "Qual é o nome da rainha que morreu na guilhotina?" " Qual é o valor de PI?"(no Note não tenho o símbolo). "O nome de quem aboliu a escravatura no Brasil?" "Qual é o nome da capital tcheca? "(essa ele devia perguntar para a Alair, minha mãe, que sabia o nome de todas as capitais!). Vocês já pensaram se algum professor resolvesse dar como presente, na prova para os alunos a questão: - "Qual o nome da maior cidade do Império Romano? ou "Qual o nome da cidade fundada por Romulo e Remo? E se eles errassem ? he... he...he... o professor era capaz de ter um infarto que nem o Barão von Staffen! É por uma dessas que hoje em dia os professores devem estar preparados! Professores não desistam! Sempre pode aparecer uma aluna como a Cíntia Ribeiro em suas vidas! Ela arrasou quando leu em voz alta, para a turma, as respostas que escreveu na prova!

E não deixem as salas de cinema vazias, corram para assistir "Eu e meu guarda chuva" pois é um bom filme!


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2

Se você lembra quando precisava ir a Montevideo para assistir "Estado de Sítio", de Costa Gravas, acredite, só o fato de "Tropa de Elite 2" não ter sido censurado já é algum progresso. Os créditos adiantam, apesar de existir a possibilidade de alguém ou algum político identificar-se com os personagens, este filme é uma obra de ficção. "Tropa de Elite 2" é um grande filme e Padilha é simplesmente o máximo.

Ouve-se no final a letra da música de Herbert Viana, "O Calibre", quando sobem os créditos. Diz tudo sobre o pensamento e a crítica de Padilha:

" Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)

Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
A que horas você nunca sai?
Há quanto tempo você sente medo?
Quantos amigos você já perdeu?
Entrincheirado, vivendo em segredo
E ainda diz que não é problema seu

E a vida já não é mais vida
No caos ninguém é cidadão
As promessas foram esquecidas
Não há estado, não há mais nação
Perdido em números de guerra
Rezando por dias de paz
Não vê que a sua vida aqui se encerra
Com uma nota curta nos jornais

Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)"

Prestaram atenção? Viram como é genial e como fala de cada um de nós?

Desta vez, Roberto Nascimento é o Cel. Nascimento, policial há vinte um anos. Por força das circunstâncias é obrigado a desenvolver atividades burocráticas junto à Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Nascimento relata sua luta contra o sistema. De início, como policial, acreditava que a polícia poderia ajudar a combater o crime e o tráfico. Dentro da Secretaria de Segurança consegue equipar o BOPE para combater o crime. Mas, como não está na rua e no enfrentamento diário com o crime, custa a descobrir que a situação é muito mais complicada do que poderia imaginar.

O personagem de Padilha transformou-se no novo herói brasileiro. Estamos carentes de heróis. Lembro quando Airton Senna levantando a bandeira brasileira transformou-se no herói do Brasil. Mas Senna levava uma luta individual, cujos louros tentou dividir com os brasileiros. Nascimento é o personagem que precisa enfrentar muitas lutas para conscientizar-se. É o personagem que sofre muito, mas que jamais desiste de tentar acertar. Acho que isso faz com que nos identifiquemos com ele.

Assim Nascimento precisa esquecer suas frustrações e unir-se ao homem que casou com sua ex-mulher e que, ainda por cima tenta tirar-lhe o amor do filho. Esse homem é o professor de história, um intelectual de esquerda - apesar de estar do lado certo -, com certeza emprega todos os seus argumentos para eleger-se deputado. Ele é Fraga, muito bem interpretado por Irandhir Santos. Mas, melhor ainda é Wagner Moura. Este sim, emociona qualquer espectador com seu carisma. Está lindo o jovem Wagner Moura, com cabelos levemente grisalhos, para fazer o Cel. Nascimento. Não é de hoje essa admiração por Wagner Moura. Adorei o personagem dele em " Saneamento Básico", com o cabelo todo amarrotado, cara de quem recém levantou. Arrancava muitas risadas da platéia.

"Tropa de elite, osso duro de roer, pega um pega geral, também vai pegar você", esse é o lema, cantado e apresentado com toda a truculência, no primeiro filme. "Tropa de Elite 2" é mais contido. Não vemos Nascimento em ação, nosso herói se vê às voltas com as milícias, a máfia da polícia, que elimina traficantes e os substitui no crime, cobrando taxas da população para proteção, compra de gás e TV a cabo, clandestina é claro! Rocha (Sandro Rocha) e o Cap. Fábio (Milhem Cortaz) se alternam como se disputassem o troféu de maior bandido.

Nascimento descobre que o buraco é mais embaixo - em suas palavras - descobre que a máfia da polícia está intimamente ligada a políticos, ao Secretário de Segurança e ao próprio governador. A muito custo consegue descobrir quem está por trás do covarde assassinato de seu companheiro André Matias (Andrté Ramiro). Descobre também que polícia confraterniza com bandidos em almoços comunitários. Não é de hoje que políticos são fotografados ao lado de marginais. Assim Padilha mostra o lado podre do poder.

Para deleite da platéia - ou pelo menos, para muitos espectadores- o Cel. Nascimento volta à ação em duas sequências, a primeira é no tiroteio, no atentado em que defende a própria vida. A segunda é na blitz que ordena contra o Secretário de Segurança. Sofram junto, se emocionem, chorem, mas lavem a alma! Vale a pena! O Cel. Nascimento dá - por nós- um montão de porradas no Secretário corrupto.

E depois, resolve empregar outros meios para combater um sistema corrompido. Embora não tenha ilusões, como afirma: "O sistema corta uma mão para salvar o braço. O sistema não tem cara, se reorganiza sempre". Nascimento se transforma na principal testemunha na CPI criada para investigar a corrupção das milícias. Responde ao deputado que tinha um programa de televisão (André Mattos): "O senhor, deputado, é um dos que estão sendo investigados e o senhor é responsável por muitos crimes. Aqui nesta Assembléia existem 6 ou 7 com ficha limpa". Alguma semelhança com a realidade? Quando sabemos que até hoje estão enrolando na votação da Ficha Limpa. Aliás, é um primor a interpretação de André Mattos. O deputado tinha uma boa receptividade junto ao povão devido a um sorriso de dente da frente quebrado!

Padilha capta o cinismo do sistema. O político corrupto alegando que foi eleito legitimamente, posa na frente do crucifixo e do letreiro "COMITÊ DE ÉTICA". Não perca, você poderá aprender lições que poderão ser úteis para o resto da vida. Como por exemplo, entender bem o que era a esquerda festiva. Ou ainda aprender a respeitar direitos autorais e parar de querer fazer cópias piratas de tudo o que vê, e continuar se achando uma pessoa íntegra. O Cel. Nascimento nos alerta a respeito desse comportamento ambíguo.

E vejam só o paradoxo, Nascimento é um policial, tudo aquilo que segundo as regras sempre foi considerado "o vilão da história". Por isso a palavra pré-conceito, ou seja, não devemos conceituar por antecipação. Chega de preconceito, então!

E finalmente, deveríamos parar para pensar:
"Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
há quanto tempo você sente medo?"


domingo, 10 de outubro de 2010

Dois Irmãos

Daniel Burman dirige "Dois Irmãos", um filme sobre problemas de família. Como ele afirma, família é uma coisa importante, que nos rodeia a vida inteira. Não é preciso lembrar, todos nós sabemos. Então de irmão, Deus! quem tem um sabe muito bem de quem se trata. Irmãos se amam e se odeiam. É sobre essa difícil relação e convivência que trata "Dois Irmãos". Burman exercitou seu tema predileto em "Abraços Partidos", "Ninho Vazio" e "Direito de Família". O personagem de "Ninho Vazio" era um intelectual muito insuportável, disso estou lembrada.

"Dois Irmãos" é melhor, retrata com precisão o penoso relacionamento entre os irmãos Suzana e Marcos. Ela parece ser a irmã mais velha, a dominadora. Marcos é o caçula? Será ? Sempre foi dominado pela mãe e pela irmã. O tempo passou, ambos estão com mais de sessenta anos. A morte da mãe provoca e desencadeia grandes mudanças. Susane tem aquela aparência de perua, não é uma perua porto-alegrense mas poderia ser. Porto Alegre é a cidade das grandes peruas brasileiras. É difícil encontrar iguais, ou peruas que as superem em outros lugares. Mas, peruas argentinas como Suzana - interpretada com nota dez por Graciela Borges- não ficam atrás.
O filme é baseado no livro de Sérgio Dubcowsky, Villa Laura.

Marcos, interpretado por Antonio Sagalla é o irmão emocionalmente frágil que não abre a boca, que não diz o que pensa. Será que ele pensa? Sempre dedicou-se à mãe. Desde pequeno viveu na barra da saia da mãe que passava batom em sua boca. Ele mesmo afirma depois de velho:- E com isso minha mãe queria o quê?

Susana - com um cabelão quase ruivo, todo encaracolado e escabelado - esconde-se atrás de óculos de sombra enormes e boinas muito, muito bregas. Diga-me uma mulher que não fique perua de boina!!! Não pára de falar um minuto. A boca é como toda boca de cinquentona que apelou para o botox. Fala e fuma ao mesmo tempo, e trambica. É uma agente imobiliária que tem suas razões em uma única coisa, odeia as famosas paredes dry wall. Fica batendo nas paredes para ouvir se têm som de tijolo.

Como Suzana descaradamente não paga contas, é obrigada a vender a casa da família. Obriga Marcos a morar em "Villa Laura", no Uruguai. A vida de ambos passa a ser o vaivém sobre o Rio da Prata que separa Buenos Aires do Uruguai. Se ele, de início o faz contrariado, termina descobrindo uma certa libertação. Seria uma forma do diretor elaborar seus próprios dramas familiares? Enfim, toda obra de arte fala do próprio artista. Burman deve falar de si, ao falar de Marcos e Susana.

Os três países hermanos, Brasil, Uruguai e Argentina têm suas rivalidades, acredito que, como os irmãos do filme, no fundo se amam. As cenas mostram o Uruguai, a "Villa Laura" como algo no passado. As casas construídas no alinhamento, rebocadas com mica, cinza, com a porta central ladeada por duas janelas, parecem mesmo o "déjà vu". Onde vimos, se nunca fomos à "Villa Laura"? A paisagem existe, com aquela cor triste de natureza defronte ao rio. Esses lugares emocionam e trazem uma tristeza profunda, que não se sabe de onde vem... Prefiro minha sala de estar, com meus objetos e minha cachorra.

Marcos inicia seu processo de libertação com as aulas de teatro. É verdade, o diretor é exigente. Em pouco tempo o senhor sério e cabisbaixo encontra parceiros para o jogo e participa das encenações para a apresentação de Édipo Rei, mas de um Édipo em que Jocasta sumiu. É o desejo do diretor.

A personalidade problemática de Susana revela-se entre outros, no entêrro da mãe. Não demonstra o menor sentimento. Dura como pedra, continua falando sem parar num entêrro a três, a morta e seus dois filhos. O olhar de Marcos fala de seu interior, mas não diz nada. Aceita o massacre da irmã.

Quando Marcos resolve dizer a verdade, o faz sutilmente. Susana em mais uma de suas façanhas coloca um copo na parede para ouvir os vizinhos, pede para o irmão fazer o mesmo. Ele não ouve nada - o apartamento vizinho está vazio - mas diz que ouve uma voz que pergunta o que ela fez com o dinheiro que sobrou da venda da casa. Susana responde que não ouve nada... Assim as verdades são pronunciadas, sutilmente, sem raiva e sem ressentimentos. "Dois irmãos" fala de problemas não resolvidos entre irmãos com uma boa dose de humor, como nos coquetéis, onde eles comparecem às custas de convites roubados. Enchem o porta bomba e cuia de chimarrão, de doces e salgados e vão embora.

Susana não quer perder a ascendência sobre o irmão nem que tenha que mentir e inventar que o diretor o acha um mau ator. Finalmente surge a chance de Marcos dizer o que pensa, na belíssima improvisação durante a encenação da peça. E Susana surpreende. Temíamos que viesse para envergonhar o irmão. Eis finalmente o tão desejado reconhecimento. E finalmente Marcos fala, diz o que pensa. Todos precisam saber o que pensamos.


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Reflexões de um liquidificador

André Klotzel é o diretor de Reflexões de um Liquificador, um filme que ri de coisas sérias. Os atores são muito bons e parecem demais com "gente". Aliás Selton Mello é o liquidificador , mas parece gente. Ana Lúcia Torre é Elvira uma senhora idosa, que mora em uma casinha em um subúrbio paulista. Nada mais paulista do que o filme de André. As ruas, as casinhas pequenas , apertadas, fechadas por janelas basculantes na sala de estar. Vocês já viram isso? Em São Paulo tem. Tudo muito feio, gasto e apertado. São Paulo é assim. Como pode ser tão feia? e ao mesmo tempo tão atraente? Casinhas com entrada lateral e garagem no térreo, tudo colado. São Paulo é assim. André sabe muito bem disso. As senhoras idosas vivem suas vidas de abandono. Não lutam, se deixam levar. Até que quebram a perna , como Elvira , ou precisam amputá-la. Sabem? Aquelas senhoras que bebem muito às escondidas. Nem abrem as janelas de suas casinhas. Toda semana vendem garrafas de bebida para o senhor da kombi. Bem, a vida de Elvira não é muito diferente. Não bebe. Conversa com o liquidificador.

Elvira vive bem com o marido, Onofre (Germano Haiut) um senhor idoso. Ele precisa voltar a uma vida de trabalho. Consegue um emprego de vigilante. As folgas vão ficando cada dia mais raras. Até que o marido nem quer mais fazer refeições em casa. Chega só para dormir. Dorme placidamente com um sorriso nos lábios.

Elvira vai se atacando. Como toda mulher solitária, fala com alguém. Algumas falam com o cachorro, outras com o gato. Outras falam com seus entes queridos que faleceram como se eles estivessem ali, tomando mate com elas. Outras falam com a "santa" reforçando promessas. Mas falam, precisam ouvir a própria voz de vez em quando. Com Elvira acontece o mesmo. Fala com o liquidificador. O gasto e sujo liquidificador faz tudo o que Elvira quer. É o seu alter ego. Mais ou menos como o papagaio da Ana Maria Braga, eu acho...

O caso é que Elvira aos poucos fica furiosa e desconfiada do marido. O carteiro faz fofocas. Ela quase não acredita. Onofre tem outra!

Então ela faz o seu plano diabólico tendo o liquidificador como cúmplice. Um nojo, que nem o crime da mala, ou o crime da Rua do Arvoredo em Porto Alegre. O açougueiro fazia linguiça de gente.

Elvira deve ter aprontado alguma. Onofre some. Não foi mais visto. A pobre senhora não pode ver beterraba batida no liquidificador, não pode beber o suco de frutas que adorava! Sente náuseas de tudo o que é batido no liquidificador. Pudera! Pode-se imaginar o que a dupla pode ter aprontado!

O delegado encarregado de investigar o sumiço de Onofre, de cara faz a sua conclusão. É um especialista. Anda com passinhos silenciosos, para ninguém desconfiar... He...He...He... com enormes algemas penduradas na cintura. Assim ele anda disfarçado, ninguém nota que ele é detetive! sic!

O liquidificador fala pelos cotovelos. Diz tudo o que pensa e que está cansado de moer aquilo! Na delegacia, o delegado conta sua grande descoberta para o chefe! Este lhe responde: Dá licença colega! Dá para inventar outra? Para de fantasiar cara! Vai fazer alguma coisa séria. Deixa a pobre senhora em paz! Matar, serrar, descarnar e moer no liquidificador?? Tais brincando cara! Vai ver se estou lá na esquina! Te toca cara!


Wall Street- O Dinheiro Nunca Dorme

Gekko é o magnata interpretado por Michael Douglas, que há 23 anos terminava atrás das grades, no primeiro filme de Oliver Stone sobre Wall Street. Em "Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme", Douglas, ou seja, Gekko, sai da prisão, sofrido, raposa velha, que não perde a ganância por dinheiro. Pretende vingar-se.

O primeiro baque, o mais forte que o personagem não supera; ninguém o espera do lado de fora da prisão. Outros presos, uns "nobodys", saem aos risos com os familiares. Mas logo ele, o poderoso Gekko está de volta à vida em desvantagem. Sozinho, ninguém quer estar a seu lado. Pelo menos a filha não quer vê-lo.

Shia LaBoeuf é o futuro genro, que também vive no meio da ganância de Wall Street. Shia LaBoeuf tem 24 anos! é mais jovem que minha filha Lucia! Acho esse menino uma graça! É o na-marido da filha, Carey Mulligan. Você sabe não é? Hoje em dia todo pai e mãe, que tem uma filha poderá ter o na-marido da filha.

Gekko envolve o genro numa cilada em que o dinheirão vai parar fora do alcance do casal. Assim, Oliver Stone domina o tema Wall Street, com a guerra em torno dos milhões de dólares, com os personagens vencidos e vencedores. Com um mundo de farsa que pode ser movido por simples boatos.

Na famosa cena da festa em que todos cochicham algo no ouvido um do outro, o diretor mostra as jóias das mulheres, tudo diamante pendurado em orelhas! e a boataria correndo... Boatos capazes de arruinar vidas como a de Louis Zabel (Frank Langela) o mentor de Shia LaBoeuf. Você viu o filme? Notou o detalhe? Os brincos de diamantes pendurados nas orelhas das mulheres? Não notou? Nem eu! He! He! É preciso estar atento nos filmes de Stone, cujo pai tinha uma certa intimidade com o mundo da compra de ações.

Oliver Stone mostra que existe vida e sentimentos além de Wall Street, e que existem coisas que dinheiro não compra. Gekko fala isso, diz que está ali muito menos pelo dinheiro do que pelo prazer do jogo. O magnata se comporta como um cafajeste, insensível ao video que mostra o coração do neto batendo forte na barriga da mãe. Descobre que será avô. Na hora não se deixa abater pelos sentimentos e mantém o roubo do dinheiro da própria filha.

Tudo tem seu tempo. Oliver Stone até que é piegas para quem sabe mostrar o mundo cão da ganância de Wall Street. Aguardem a segunda chance de Gekko. Afinal, para um velho - Gekko já está caco - uma filha, um neto e um genro simpático representam tudo de bom na vida. De verdade, tudo o que o dinheiro não pode comprar.


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vincere

"Vincere" é simplesmente "Vencer". Marco Bellochio dirige este belíssimo filme que conta uma história feminina, de resistência e teimosia. Faz um cinema que em termos de denúncia é tão ou mais importante que o trabalho de historiadores que fazem uma história a contrapelo, a história dos vencidos. O filme é impressionante, prende o espectador do início ao fim. Ficamos envolvidos e estupefatos com o sofrimento de Ida Dalser, a amante de Benito Mussolini - relegada e abandonada - com quem teve um filho.

Bellochio conta o início da vida política do ditador fascista. Quem viu o filme não esquecerá as cenas de sexo entre Mussolini e Ida. A mulher perdida de amor e Mussolini, de olhos abertos, saltados, enormes. Olhos que brilham na penumbra, parece que vão estourar e sair das órbitas. Ninguém melhor que Bellochio para caracterizar a falta de sentimentos do ditador. O rosto adquire uma falta de expressão tal, que o homem parece apenas um touro reprodutor. A partir daí Mussolini aparece poucas vezes. Em uma delas, descaradamente, aceita a oferta de Ida, que tinha vendido tudo o que possuía, para o amante poder fazer rodar seu jornal. Os objetivos do ditador são claros, vida política, domínio e poder, custe o que custar.

Para ele Ida foi um tropeço, um incômodo a ser evitado. Para ela, Mussolini era tudo. Ida nos parece uma mulher alienada. A atriz Giovanna Mezzogiorno emociona como a amante que deseja ser reconhecida como esposa e mãe. Prestem atenção à cena em que assiste ao filme de Chaplin, " O Garoto" , às cenas dramáticas do menino erguendo as maozinhas em súplica pelo pai.

É inevitável a pergunta, como pode Ida ter se apaixonado pelo ditador? Se vale o ditado o amor tem razões que a razão desconhece, acho que se aplicaria à ela. Terminamos por aceitar, de fato Ida amou Mussolini, mais que tudo. E tinha tanta certeza desse amor que jamais aceitou o abandono. Jamais calou-se para não sofrer represálias. Sofreu e continuou repetindo o quanto o amava. Foi transgressora para a conjuntura fascista da época. Por isso foi perseguida, por querer ser reconhecida como a primeira e verdadeira esposa de Mussolini, com seu primogênito.

O pior de tudo - por incrível que pareça - é que Mussolini fazia sucesso com as mulheres! Até as freiras a invejavam, diziam que devia considerar-se feliz, por ter sido amante e ter tido um filho com o ditador. Qualquer ex-amante poderia desfrutar de um certo status, mas jamais poderia ambicionar legalizar sua relação amorosa com o Duce. O ditador bufão era tudo o que as mulheres desejavam! sic! Acredite se quiser!

Ida não era o modelo de mulher desejada pela sociedade repressiva da época. Seu psiquiatra a aconselhava a fingir pelo menos, tornar-se uma mulher obediente, ligada às lides domésticas. Não ficar gritando aos quatro ventos que era a signoria de Mussolini, que tinha um primogênito com ele! Inútil, Ida teimava e sofreu um implacável processo de perseguição. Tornou-se cega para a vida. Nunca aceitou aquilo que as pessoas dizem que uma mulher separada ou desquitada ou divorcida ou ainda abandonada pelo marido deve fazer: refazer sua vida. Ida negou-se a ver que o psiquiatra estava apaixonado por ela. A resistência minou qualquer sinal de bom senso. O filho , coitado, nunca teve a menor chance. Viveu pobre e abandonado, sem a menor dignidade.

A sociedade italiana dos anos 30 era tão repressiva quanto o Irã de Ahmadinejad. O que o ditador reservou à Ida possui analogias com o castigo imposto à Sakineh, a irariana supostamente adúltera que foi condenada à morte por apedrejamento. A história das mulheres sempre foi repleta de dor e sofrimento. Por isso, a personagem Ida apesar de contraditória é um símbolo da luta e resistência feminina contra a opressão. O caso de Ida é mais um exemplo, mas que espanta, causa estranhamento e vergonha na Itália de hoje. Daí a sua importância, a personagem trágica, que não abre mão de seus direitos e luta até o fim.

No fascismo italiano, a condenação estendeu-se ao filho bastardo. A mãe, Ida, só não foi executada, mas teve a condenação de ser presa em um hospital psiquiátrico. O destino do filho é mais trágico ainda. Inocente, o jovem torna-se dominado e exasperado pela figura do pai, a quem nunca conheceu. Imitava com exasperação, até à exaustão, o discurso louco, desesperado e tresloucado de Mussolini .

Instituições disciplinadoras como prisões, hospitais psiquiátricos e internatos, apesar de terem sido criadas no século XIX, funcionam a todo vapor na Itália fascista dos anos 30, prenunciando o nazismo que se abaterá sobre o mundo, logo em seguida. "Vincere" causou polêmica na Itália quando estreou. O fantasma do fascismo ainda tira o sono dos italianos.


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Baarìa, a porta do vento

"Baarìa" ou Bagheria é uma comuna italiana. Fica na Província de Palermo, Sicília, possui 50.321 habitantes e é a cidade natal do diretor. Giuseppe Tornatore conta a história da Itália, faz a crítica do fascismo, da máfia e até do comunism0. O tom é de comédia. Tornatore diz coisas sérias, mas faz suas críticas em tom leve e de brincadeira. Acompanha a trajetória de Peppino Torrenuova, desde menino, sem aprofundar o interior do personagem. Assim todos os personagens interessam na narrativa, que busca captar o tempo e os acontecimentos que cristalizaram a história da pequena Baarìa. Através do conjunto dos personagens Tornatore mostra as mudanças e a passagem do tempo, em sua cidade natal e na vida de Peppino, o personagem principal.

Tornatore aprendeu com os mestres Fellini e Ettore Scola. Lembra os maneiristas dos séculos XVI e XVII, que sem superar o Renascimento, tentavam fazer de uma outra maneira, reelaborando os clássicos. Os mestres Fellini e Sccola chegaram à perfeição no cinema. Assim Tornatore imita suas maneiras buscando lapidar a sua arte cinematográfica. Dá a sua contribuição pessoal e tira partido dos melhores precedentes. Busca resultados notáveis, e talvez seja justamente isso o que incomoda os críticos.

Fellini em sua narrativa mostrava o mundo e os personagens como um grande circo. Aliás era o circo que o fascinava.Os personagens eram caricatos, uns ensadecidos, outros loucos mas todos nos emocionavam muito. Ettore Scola em " O baile" também reconstituía parte da história da França abrangendo muitas décadas. Em "O Jantar" desenrolava muitos dramas paralelos, muitos personagens e muitas vidas, reunidos em uma mesa de jantar. Era uma comédia dramática, que tecia a relação entre todos os personagens. Scola privilegia a política, bem como Tornatore. Mas ninguém vai superar a crítica da miséria que Scola faz em "Brutti, sporchi e cattivi" (Feios, sujos e malvados), bem como ninguém vai superar o Fellini de "Abismo de um sonho", um dos filmes de minha vida.

Assim "Baarìa" , bem como "Cinema Paradiso", nos provocam aquela sensação da ilusão do já visto. Coisas da psicologia, embora tenhamos a sensação do já visto, nenhuma situação no mundo se repete, igual, duas vezes. Então por que não aproveitar o cinema de Tornatore?

A favor do diretor temos a escolha dos atores, Peppino (Francesco Scianna) e Mannina (Margareth Made). Ambos são lindos. Ele parece ter inspirado escultores clássicos como François Rude, na Marselhesa (do Arco do Triunfo). Rosto e perfil do ator são uma verdadeira escultura. Ela lembra Sofia Loren, não tanto pela semelhança, mas devido à beleza e sensualidade.

Já vimos em outros filmes itaianos, a pobreza da região de Palermo, rochosa e desértica. Confirmamos, continua belíssima. Os personagens são lugar comum, como os pobres interesseiros que só querem comer massa, ou o patrão desonesto que explora e tortura seus empregados, as velhas fofoqueiras, os jovens belos e inexperientes, os velhos desdentados e cansados. Os adolescentes que só pensam em sexo. Não importa, apesar da caracterização simplória, a crônica de "Baarìa" possui o seu lado interessante.

Divertido mesmo foi o amigo de Peppino que queria se matar. Pediu um veneno para o farmacêutico e se deitou para morrer... Impagável e irritante era o cara que vendia dólares na frente da Igreja, onde tudo acontecia tudo, desde passeatas, casamentos, protestos do Partido Comunista, bem como a prepotência da máfia. Com o passar do tempo passou a vender canetas.

As reminicências de Tornatore viraram filme. Se um pedritense fizesse um filme do tipo, apareceria a igreja, o Padre José, o Goda - o mendigo que dava um soco nas costas da gente- o Baldito, as beatas d. Maria e a d. Netinha -a professora de Educação Física, uma gorda que não fazia exercícios -, a Caixa d´Água, as brigas entre o Partido Trabalhista , o PL e a UDN. Tudo em volta da Praça e da Caixa d´Água, sem esquecer - é claro! - a Rua da Estação. Ha! E sem esquecer, óbvio, o Cine Teatro Glória, que era a verdadeira jóia da cidade! É isso gente, o filme de Tornatore mesmo maneirista universaliza as lembranças do diretor e remete também às reminiscências de cada um de nós.


Nanny McPhee e as lições mágicas (Nanny McPhee and the Big Bang)

Emma Thompson ganha todas em Nanny McPhee. Estamos no cinema, a experiência é tão agradável quanto abrir um livro de histórias infantis, todo aquarelado, com cores luminosas, muitos azuis, amarelos e toques de vermelho, com a vantagem da animação e de tudo o que o cinema pode nos oferecer. Nanny McPhee é a continuação de "Nanny McPhee, a babá encantada". O filme, dirigido por Suzana White, se baseia no livro de Christiana Bond, em que a Nanny chama-se Nurse Matilda.

Isabel Green (Maggie Gylhenhall) é a mãe. Ewan Mc Gregor, o pai, está ausente servindo no exército, é a Segunda Guerra Mundial. O elenco recomenda: Emma Thompson é a adorável Nanny, um bicho de tão feia, com um dentão a dominar a boca. Ninguém liga, amamos essa Nanny que faz mágica para conter as crianças pestinhas. Pena que o pai apareça tão pouco. Ewan Mc Gregor continua com aquele sorriso cativante, que mostra os dentes superiores e inferiores. Acho adorável esse sorrisão com muitos dentes à mostra. Na sequência temos o antipático Ralph Fiennes, Maggie Smith e Rhys Ifans.

A vida em família já estava bagunça, com uma mãe que não conseguia acabar com a briga entre seus três filhos. Chegam dois sobrinhos que moram na cidade. Vieram passar uns dias na fazenda. Loirinhos e almofadinhas são muito mal educados, aprontam demais! A menina chega ao cúmulo de pegar o vestido de noiva da mãe. Anda para todo lado com aquele vestido lindo, que vai ficando preto de barro... Então surge o milagre! Nanny McPhee, a babá, que somente aparece quando alguém precisa muito dela. Mas, mesmo que você a ame, ela não ficará com você se não for necessário.

Com toda a diplomacia e muita magia Nanny vai conquistando a criançada aos poucos. Entre uma lição e outra vai contando os louros. Hoje aprenderam a primeira lição, parar de brigar. Hoje aprenderam a segunda lição, dividir irmamente. Até que conseguem chegar à quinta lição, aprender a ter fé.

A história é cheia de peripécias, com porquinhos que correm, roliços e gordinhos, nadam sincronizado. E ainda temos pássaros inteligentes que pensam e arrotam muito! E mais uma motocicleta voadora!

A platéia é formada por pais e seus filhinhos. Os pais adoram, o filme fala por eles. E parece até que as crianças aprenderam a lição mesmo! Se você não tiver uma criança para levar pela mão, não ligue, vá assim mesmno!