quinta-feira, 30 de julho de 2009

O GUERREIRO GENGHIS KHAN

Não despreze um filhote fraco ele pode se tornar um tigre violento. Temudjin ( Genghis Khan) nunca foi um filhote fraco, mas era uma criança indefesa quando teve que ficar por sua própria conta como ele mesmo fala, ao narrar sua epopéia. O Guerreiro Genghis Khan (Mongol) de Sergei Bodrov é uma obra prima do cinema épico. O filme se passa na Mongólia, mas Sergei Vladimirovich Bodrov o diretor nasceu em Khabarosvsk, na União Soviética, atual Rússia, em 1948.

Diretores russos como Serguei Eisenstein e Dziga Vertoy inovaram a linguagem, a teoria e a estética cinematográfica. Influenciaram o mundo inteiro, e muito possivelmente Sergei Bodrov. O cinema de Bodrov tem pontos em comum com Encouraçado Potemkin, na montagem, sequência de planos e beleza da fotografia. Ambos exaltam a força e o heroísmo. Potemkin celebra o heroísmo do operário. Mongol sublima o mito do herói, do homem extraordinário elevado ao status de semideus por seus feitos guerreiros e magnânimos. É possível ver o filme de Sergei Bodrov pelo seu viés ideológico. Encouraçado Potemkin era uma propaganda política, patrocinada pelo governo russo, após 1917. Na atualidade o mito do grande herói que unificou seu povo, na Mongólia, poderia de alguma forma ter eco no seio do povo russo e funcionar como propaganda, para o ressurgimento da Rússia como nação poderosa e influente no mundo atual? É uma pergunta de difícil resposta. Confesso, não saberia responder. Entretanto é possível ver a obra de Bodrov através desse filtro ideológico, em que os feitos de Genghis Khan servem de modelo ao povo russo na atualidade.

Como cinema o filme é belíssimo. Concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2008. A história se passa a partir de 1192, ano do rato negro. Após uma vida de sofrimento e luta o guerreiro Genghis Khan (Tadanobu Asano) vence, consegue unificar seu povo e transformar a Mongólia em um Império. O guerreiro quer que seu povo evolua de uma organização primitiva baseada nos clãs para uma organização social moderna, com base nas leis e no direito. Deseja tirar seu povo da barbárie. Cria uma legislação simples, enunciada por ele mesmo: Não matar mulheres e crianças, pagar as dívidas, combater os inimigos e não trair o Khan. Genghis Khan quer colocar lei e ordem num mundo sem lei e sem ordem, onde ele sofreu desde a infância em virtude de costumes bárbaros. Quando seu pai, o Khan (Ba Sen), morre, sua casa e aldeia são saqueadas e destruídas por Targutai (Amadu Mamadakov). Temudjin, o jovem Genghis Khan (Odnvam Odsuren) era o filho primogênito, por isso é perseguido por Targutai, somente não é morto porque é criança, e seu algoz não deseja contrariar os costumes. O menino anda com uma canga no pescoço, Targutai marca sua altura com uma espada em uma roda. Espera ele crescer, e que nem a bruxa de Joãozinho e Maria reclama que o menino não está crescendo rápido. Temudjin foge e é salvo por Jamukha (Amarbold Tuvshinbayar), os dois meninos se tornam grandes amigos e irmãos de sangue.

Genghis Khan possui uma narrativa visual que em alguns momentos dispensa legendas. A paisagem da Mongólia é mágica, como se não fosse preciso fazer muito para mostrar um lugar tão vigoroso e espetacular. Mesmo assim, a fotografia de Tuomas Kantelinen é um dos pontos fortes do filme e destaca a beleza de Borte (Khulan Chuluun), a mulher de Temudjin.

Se vocês assistiram ao filme “Camelos também choram” de Byambasuren Davaa e Luigi Falomi concordarão comigo. É um documentário dos mais emocionantes, se passa no Deserto de Gobi, sul da Mongólia. Nele se destacam a beleza das mulheres e crianças, o colorido das roupas e as yurtas. Hah! As yurtas ou tendas são outra coisa que gosto nos filmes sobre a Mongólia. São geniais e ecológicas, em absoluta harmonia com a natureza, poucas habitações são tão bonitas. Exemplificam a sustentabilidade sem maiores custos. A yurta possui uma forma circular, formada por faixas finas de madeira, cruzadas em diagonal, formando quadrados inclinados. Nos dias menos frios, a estrutura - como um muxarabi -, deixa entrar o ar fresco. É coberta por grossas peles. Da estrutura cilíndrica se estendem barras até o anel de compressão da extremidade superior, criando a forma cônica, que faz às vezes de cobertura. Essa abertura circular central permite o escape da fumaça, fica exatamente sobre o lar, onde se faz o fogo. No interior da yurta a vida transcorre em um ambiente aconchegante, coberto por tapetes coloridos, móveis, arcas, altares e enfeites, onde são enfatizados os verdes e os vermelhos. Observe quando Jamukha (Honglei Sun) está no interior da yurta.

Além de acompanhar a trajetória heróica de Genghis Khan, o espectador poderá observar as sequências belíssimas do filme, com planos que poderiam ser comparados aos de “No tempo das Diligências” (“Stagecoach”), de John Ford. Observe quando o menino Temudjin foge sozinho pela neve, os pés - em close - afundam na neve. Observe a sequência em que Temudjin e Borte são perseguidos pelo bando de Targutai: Os cascos dos cavalos aparecem em close, o cavalo de Temudjin galopa em destaque, subitamente, a flecha é lançada, voa sozinha no espaço e o baque! Sabemos que o herói foi atingido, a câmera lenta aumenta a dramaticidade. A mulher é caçada e laçada como um animal. Aí nos revoltamos e sentimos o horror do tratamento que era reservado às mulheres, na época. A grandeza da personagem aparece em diversas situações. Borte se sacrifica mais de uma vez por Genghis Khan. Ele retribui a dedicação da amada, aceitando-a incondicionalmente, independente dos favores sexuais que ela tenha sido obrigada a fazer, independente de seus filhos serem ou não de outro homem. Genghis Khan valoriza as mulheres e é alertado por Jamukha, “que ninguém saiba que eles estavam fazendo uma guerra por mulheres”, pois na Mongólia não se fazia guerras por mulheres.

A relação entre os irmãos de sangue é outro ponto interessante do filme. Jamukha quer que Genghis Khan seja seu comandante. Borte diz que não é possível cozinhar dois carneiros na mesma panela. Temudjin parte, a rivalidade entre os dois irmãos acentua-se. Os dois se transformam em inimigos ferrenhos. Genghis, o herói, vence a batalha e não festeja sem antes libertar Jamukha. Ao partir, o vencido resmunga que ao libertá-lo está libertando o inimigo. Genghis Khan responde: “Estou libertando o meu irmão”. A grandeza e magnanimidade do herói se manifestam em diversas situações e nos deixam felizes, também precisamos de heróis. Quando Genghis Khan destrói seus inimigos deixa intacto o convento, atendendo ao pedido do monge que o protegera. Ele também protege o bruxo que o alimentara quando estava amarrado à canga. Após a vitória, o herói ordena que lhe deem uma grande parte do saque e coloquem a tenda do bruxo ao lado da sua.

Enfim, Genghis Khan é mostrado como um grande herói, que colocou ordem em um mundo bárbaro. Não importa se a lenda de Genghis Khan tenha outras versões, onde ele é brutal e sanguinário. A versão de Bodrov é a que está no Artplex, em Porto Alegre.

A música é gutural, cria tensões e compõe a obra de arte. As cenas de batalha estão muito próximas da perfeição. E Bodrov mostra alguns raros momentos de felicidade, quando o casal corre na estepe verde, com os dois filhos. O guerreiro persegue o filho mais velho, e é observado pela filha menor, com um vestidinho longo parece uma boneca. A felicidade termina e Genghis Khan parte para cumprir seu destino de conquistas, a mulher e os dois filhos se transformam em três figuras pequenas contra a grande paisagem vazia da estepe.

Preste atenção à música, no final, quando aparecem os créditos e as pessoas todas se levantam, quando deveriam ficar quietas em seus lugares. É moderna, é intensa, é belíssima.




domingo, 26 de julho de 2009

STELLA, O OUTRO PONTO DE VISTA

Depois que li o comentário de Pedro Ceballos e que conversei com a minha terapeuta sobre o filme Stella, reconsiderei algumas afirmações que fiz em meu comentário sobre o filme.

Quando Bubu senta ao lado de Stella, na cama, ele oferece o livro, coloca a mão obscena no ombro da menina e avança. Avança e inicia o abraço pecaminoso, que tanto nos revolta. Sylvie Verheiden não mostra além. Fiquei sabendo que o filme em parte é autobiográfico. Na cena seguinte Stella desce as escadas. Fiquei aliviada pensando que ela teria escapado do pedófilo. Mas num ambiente permissivo como o da casa de Stella isso dificilmente aconteceria. Considerando que a mãe traía o pai dentro da própria casa, que era um vale tudo, Stella dificilmente escaparia do abuso.

Na verdade a menina não amadureceu para acolher a mãe em seus braços. A inversão de valores fez com que a mãe se aconchegasse nos braços da filha, uma criança, que na inocência de seus 11 anos não tinha capacidade de perceber os verdadeiros problemas que a cercavam. Mas, Stella teve a coragem de tentar colocar um limite na mãe, quando levantou a arma para ela e o amante. Não conseguiu. Na verdade a menina não gritou, não berrou, não esperneou, não deve ter se admirado com o que aconteceu. Era assim mesmo em sua casa, tudo era permissividade. De fato Stella se calou. Mas, quem sabe não para sempre...

A ERA DO GELO 3

A Era do Gelo 3 é o segundo filme dirigido por Carlos Saldanha. O primeiro foi A Era do Gelo 2, em 2006. O primeiro da série foi A era do Gelo, em 2002. Acho melhor assistir ao filme em 3D, as vozes são da versão brasileira. Diogo Vilela e Cláudia Gimenez estão ótimos como Manny e Ellie. Quem quiser ouvir Ray Romano, Queen Latiffa e Denis Leary terá que ver a versão legendada. Os efeitos em 3D de Bolt eram superiores. Desta vez o melhor fica por conta da neve e da chuva, que parecem cair sobre o espectador.

O bando unido por laços de família, amizade e solidariedade é o tema de A Era do Gelo, que agrada crianças e adultos. Em todas as situações vemos o grupo lutando pela vida e apoiando-se mutuamente. O desenho que caracteriza cada personagem é muito bom. Manny (Ray Romano, Diogo Vilela , na versão brasileira) é o grande mamute que está grávido juntamente com Ellie (Queen Latiffa, Cláudia Jimenez, na versão brasileira). A personalidade de todos é humana. Eles são humanos em forma de bichos. Cada um com seus problemas nos encanta. Se você é um adulto, com mais de sessenta, que ama o cinema e não tem problemas em assistir à Era do Gelo, como não identificar-se com o grande trigre dentes-de-sabre, Diego (Denis Leary, Márcio Gracia, na versão brasileira), que corre feito doido atrás do veado, e lá pelas tantas fraqueja, sente um aperto no coração e é obrigado a aceitar suas limitações? Se você está esperando um bebê, ou se já esteve grávida, como não identificar-se com a mãe, a grande mamute que precisa tomar cuidados na hora do parto?

E Sid, o bicho preguiça? (John Leguizamo, Tadeu Mello, na versão brasileira) Não interessa se Sid era macho ou fêmea, o que importa é que ele queria ser mãe, e contra todo e qualquer bom senso resolveu adotar três pequenos dinossauros. Adorável também foi a aceitação da mãe, da assustadora Velociraptor, que quando retoma seus filhotes, tem a paciência e a bondade de levantar Sid pelo rabo e aconchegá-lo na toca.

As sequências em que Sid rouba os três ovos de dinossauros e precisa protegê-los de todos os perigos são ótimas. As crianças adoram. E o que dizer do irriquieto casal, Scrat (Crhis Wedge) e Scaratte ( Karen Disher), que descobre que se ama, mas que ama acima de tudo a avelã?

Assim vemos o grupo lutando para sobreviver na Era do Gelo. Para resgatar Sid precisam entrar em uma grande caverna, enfrentar um mundo pré-histórico cheio de estranhas criaturas. Defrontam-se contra horripilantes seres jurássicos e plantas assassinas. Lutam contra estranhas plantas assassinas, são perseguidos ferreamente por uns e apoiados por outros, como Buck, a agitada doninha de um olho só, caçadora de dinossauros.

A Era do Gelo fala de amor, de família, de perigo e de proteção. Amora o bebê de Manny e Ellie é um bichinho quase humano, é docinho e tem penugem. A história de Jason Carter Eaton mostra bichos, eternas crianças, como a platéia. Acho que é por isso que as crianças amam o filme. Exalta valores que precisam ser cultivados para que os jovens cresçam com mais amor e menos violência.



HARRY POTTER E O ENIGMA DO PRÍNCIPE

O melhor de Harry Potter é a reação da platéia, formada por jovens animados, que dão umas risadinhas, uns risinhos por nada e todos sentam no fundo! Acabou o tempo em que jovens sentavam na primeira fila. As quatro primeiras fileiras estavam vazias. Sentei na segunda quando aquele Sr. Nervoso começou a sacudir uma garrafa pet, vazia, dentro de um saco plástico em pleno Harry Potter! Assim não é possível assistir ao filme!

Os Comensais da Morte, liderados por Lord Voldemort viajam como fumaça que se dissolve no ar. Provocam explosões na moderna cidade de Londres. No Milenium Building, com vista para a Swiss Re Tower as pessoas parecem apreensivas com as destruições inexplicáveis. A Ponte do Milenium começa a trepidar, a estrutura começa a vibrar, os cabos de tensão não suportam e ela estoura em milhares de peças para desgosto da platéia e dos arquitetos.

Alvo Dumbledore (Michael Gambon)
sabe as razões e leva seu aluno predileto, Harry Potter (Daniel Radcliffe) em uma viagem fantástica. Harry Potter é o eleito para combater o mal representado por Valdemort. Para entrar em outra dimensão basta apoiar o braço em Dumbledore, assim como os cegos fazem quando se apóiam nas pessoas para atravessar a rua. Numa fração de segundos estão na cidadezinha medieval. Encontram Horácio Slughorn (Jim Broadbent) transfigurado em sofá. O velho ator inglês está muito bom como o professor Slughorn.

Dumbledore quer saber os segredos que só Horácio conhece. Para isso o convida para lecionar em Hogwarts, a Escola de Magia. Horácio fugia dos Comensais da Morte, cada semana ficava em um lugar. Dumbledore num passe de mágica transforma a velha casa de Horácio, num primor de limpeza, brilho e renovação.


Harry Potter está no sexto ano da escola, é o eleito para aproximar-se de Horácio e desvendar o segredo que explica como Lord Voldemort, o inspirado das trevas se transformou no bruxo do mal. Slughorn dá aulas de Poções, substituindo Severo Snape
(Alan Rickman), que conseguiu realizar o sonho de lecionar Defesa contra as Armas das Trevas. Lilian, a mãe de Harry Potter foi sua aluna, e tem a foto – que se move – na parede da casa de Horácio. Ele foi professor de Tom Riddle, o Lord Voldemort.

Tom Riddle quando jovem é representado por Hero Fiennes-Tiffin, sobrinho de Ralph Fiennes. Tom sabe que é diferente, tem poderes sobrenaturais, consegue mover objetos e fazer mal a quem o prejudica.

Draco Malfoy é aluno da Escola de Magia e aderiu ao mal. Dumbledore e Harry Potter seguem Malfoy e descobrem que na Casa Borgin & Barke, fundada em 1863 acontecem ritos misteriosos, que são uma espécie de iniciação como Comensal da Morte. Ali se reúnem Bellatrix Lestrange (Helena Bonham Carter),
Narcisa Malfoy (Helen McCrory) e seu filho Draco Malfoy, que julga ser o escolhido para assassinar Dumbledore. Draco fez um voto perpétuo para matar Dumbledore e quem quebra o voto morre.

O que a platéia adora mesmo é a paquera e o triângulo amoroso. Harry Potter tem uma paixão secreta por Gina Weasley (Bonnie Wright)
, irmã de Ronald “Ron” Weasley. O frisson na platéia é o primeiro beijo dos dois. Ron tem um namorico com Luna Lovegood (Jessie Cave), mas descobre que não a ama. Hermione Granger (Emma Watson), a grande amiga de Potter, por sua vez é apaixonada por Ron.

O outro ponto alto do filme que os adolescentes vibram é quando Ron toma a poção do amor. Sente-se apaixonado por Romilda Vane. O garoto fica literalmente bêbado e tonto de amor. Esse sentimento de amor e paixão fulminante é uma característica da adolscência e aproxima os jovens do grupo de Harry Potter. Amor, paixão e drogas como afirma o diretor são os temas da atualidade e no filme as poções mágicas substituem as drogas.

Na hora do jogo e da disputa, os companheiros precisam ser corajosos. Como não poderia deixar de ser Harry Potter incentiva o amigo e lhe oferece a poção mágica. Ron toma a poção, sente-se forte e ganha o jogo. Na verdade, Potter, como o bom menino, não tinha dado nenhuma poção mágica a Ron, era placebo, para incentivar apenas.

Dumbledore prepara o jovem Harry para combater o mal, representado por Voldemort, e substituí-lo na difícil missão. No alto da torre, em cenas que lembram Um Corpo que Cai, o mestre não cansa de repetir, eu sou velho, eu não tenho valor, tu és jovem e tens mais valor. Como se o bruxo, sentindo-se velho e cansado, se deixasse matar pelo inimigo. Nesse confronto final e surpreendente veremos Harry Potter preparando-se para enfrentar o lado das trevas, aceitando sua nova missão com a ajuda dos amigos e companheiros.

Por que os jovens gostam de Harry Potter? Porque cresceram juntos, eles e Harry? Porque a história é uma luta do bem contra o mal? Porque o herói é um jovem como cada um dos espectadores? Pergunte a uma criança e ela lhe responderá?



INIMIGOS PÚBLICOS

Michael Mann, o diretor de Inimigos Públicos idealiza Dillinger, o gangster dos anos 30, que rouba bancos, e faz questão de não tocar no dinheiro dos clientes. Durante os assaltos, no auge da tensão ele diz para os clientes apavorados, que soltam suas moedas e poucas notas: fique com o seu dinheiro, eu roubo bancos. O próprio Dillinger afirma para seus comparsas que se preocupa com a opinião pública. Não aceita propostas de roubos que não envolvam bancos.

Mann mostra Dillinger regido por uma ética e uma moral próprias; não aceita traições, sua dedicação ao trabalho é total, não admite falhas ou fraquezas, sua fidelidade a Billie Frechette (Marion Cotillard), sua amada, e a seus companheiros também é total. Sua conduta é qualificada sob o ponto de vista do que ele considera bem ou mal. Sua moral abrange um conjunto de regras de conduta válidas para seu grupo, em particular. Quando o companheiro é baleado, no primeiro assalto e não consegue subir no carro em fuga, Dillinger aperta a mão do amigo. Acompanha-o no momento derradeiro, nunca mais esquece seu olhar; e somente solta sua mão quando vê que está morto. Não poupa a falha do outro camarada e o mata.

A história de Dillinger inicia em 1933, quatro anos após o início da Grande Depressão. Michael Mann mostra o personagem do gangster com um homem charmoso, Johnny Deep é um homem sedutor, com o bigode à moda anos 30. Usa chapéu, trajes claros, ou azul escuro, e segura sua metralhadora com o cano apontado para cima. Os óculos escuros e redondos completam o visual do belo gangster, parece um modelo de desfile de moda. As fotos do verdadeiro Dillinger mostram um homem comum e inexpressivo, que usa calças largas, amarrotadas, com um sorriso meio bobo.

Arthur Penn fez o mesmo em Uma rajada de Balas, em que os personagens de Bonnie and Clyde não eram maus ou assassinos sanguinários. Eram jovens, belos e corajosos. Os atores Warren Beatty e Faye Dunnaway estavam no auge da juventude e de suas carreiras. Eram os anos 60 e o filme celebrava a revolta dos jovens contra o sistema autoritário, onde eles quase sempre eram sacrificados e não tinham perspectivas de futuro. Hoje cansamos de ler o quanto Bonnie and Clyde eram estúpidos, burros, malvados e assassinos.

Em O Poderoso Chefão, as atividades e os negócios da família mafiosa passam a fazer parte da engrenagem do sistema capitalista, e não possuem o enfoque de Gomorra. Al Pacino é o jovem que deixa seus sonhos para assumir o lugar do pai na chefia da grande família. Francis Ford Coppola nem por sombra mostrou um Marlon Brando ou um Al Pacino que não fossem heróis. Quem não chorou com a morte do velho chefão, no jardim, perto do neto? Ou quem não chorou com a morte da noiva de Pacino - uma italiana de cabelos escuros, muito bonita -, na explosão dentro do carro?

Os vilões do filme são J. Edgar Hoover (Billy Crudup) e Melvin Purvis ( Christian Bale). O grande vilão que já foi denunciado por todos que refletiram sobre o tema é Hoover. Até o juiz, no filme, o considera inadequado para o cargo. Nunca fez uma apreensão pessoalmente, não tinha experiência na luta diária no meio das ruas. Os métodos que usava eram tão criminosos, desonestos e cruéis, quanto assaltar bancos. Ambos eram os homens da lei, mas não se diferenciavam muito dos que estavam fora dela. O próprio Edgar Hoover ordenava a Purvis que tirasse as luvas de pelica. Não importava os meios empregasse para atingir seus objetivos. E com esses métodos, conseguiu elevar o FBI ao status e ao poder que possui hoje.

Purvis chega a ser patético. Eu que não tenho o menor apreço por Christian Bale tenho que reconhecer que ele está muito bom como o inexpressivo Purvis, Muito feio, com o cabelo colado e repartido no lado, com uma fatiota impecável e triste. O infeliz Purvis terminou com sua própria vida, um ano depois de ter assassinado Dillinger pelas costas.

Na Era de Ouro do gangsterismo os gangsters eram celebrados pelo público, porque roubavam e enfrentavam um poder que os roubava e usurpava. O mito do gangsterismo é celebrado no cinema desde então. Dillinger ama o cinema. Mais de uma vez o vemos na sala de projeção. Em uma delas sua figura aparece na tela com a recomendação: “Olhe para a direita, olhe para a esquerda, você pode estar ao lado de Dillinger, o inimigo público n o 1”.

Em sua última sessão, assiste a um filme de Clark Gable e William Powell, “Vencido pela Lei”. Num sentido premonitório, o que acontecia na tela do cinema antecipava o que lhe aconteceria alguns minutos depois. Dillinger idolatra o gangster representado por Gable. Pensa da mesma forma: se for para viver uma vida medíocre, o melhor é morrer logo! Um gangster precisa levar uma vida de emoções e viver cada dia como se fosse o último! Quando perguntam a ele porque faz tudo aquilo, ele responde, eu recupero o tempo perdido! No que fazia muito bem! Além de tudo, Dillinger considerava-se intocável! Acreditava piamente que estava no topo do mundo.

Paradoxalmente, já que não morro de amores por Christian Bale, a cena mais emocionante do filme é quando Purvis segura Frechette no colo, quando ela é abusada e torturada pelo policial brutamonte. Nesse momento, Purvis mostra seu momento de dignidade, quando consegue escapar do jugo de Hoover e agir por si próprio.

Melvin Purvis é o personagem que não tem sequer vida privada, é um solitário, cujo único interesse é acabar com Dillinger. Michael Mann insinua que Dillinger pode provocar ciúmes e inveja em tipos como Purvis e o policial que o matou. Ele vira mito e causa tanto furor, que é amado e odiado ao mesmo tempo. Odiado pela coragem que tem ao enfrentar o establichment, e invejado por seu poder de seduzir o público e as mulheres, em particular e por sua capacidade de amar e ser amado por Frechette. Coisas que em suas pequenas vidas, eles os policiais jamais conseguiriam. E quando conseguem matá-lo comemoram como se fosse Festa de Ano Novo.

Talvez isso seja tão verdade que explique as razões que levaram Purvis a acabar com a própria vida um ano depois. E quais seriam as razões que explicariam a ambigüidade do policial que matou Dillinger, e ouviu suas últimas palavras? O policial negou-se a revelar as últimas palavras de Dillinger a Purvis e sentiu-se na obrigação de entregar a Frechette a última mensagem de amor e adeus do amado: Dillinger disse que a amava e enviou-lhe o derradeiro adeus: by by black bird...



terça-feira, 21 de julho de 2009

O BELO CLIVE OWEN EM DUPLICIDADE

Clive Owen é lindo! Pelo amor de Deus! É lindo mesmo! É até mais bonito que Judy Law, não sei como.

Duplicidade ( Duplicity) é um filme dirigido por Tony Gilroy. Clive Owen e Julia Roberts são dois agentes, que trabalham para organizações que disputam o mesmo produto. Ray (Clive Owen) e Claire (Julia Roberts) se encontram em uma festa em Dubai. Ele é agente do MI-6, a inteligência britânica. Um não sabe dos segredos do outro. A noite de festa termina na cama, onde Ray dorme placidamente, entorpecido por Claire, que tem um gesto de carinho ao ajeitar sua cabeça sobre o travesseiro. Os dois atores são muito mais Clive Owen e Julia Roberts do que seus personagens.

Ela já foi uma mulher carismática e sensual. É considerada uma feia charmosa, com uma boca enorme. Foi uma das atrizes mais bem pagas de Hollywood. Ele, oh! Deus! Pode ser considerado o homem mais lindo do mundo? Digamos da Inglaterra? Os olhos de Clive Owen derrubam qualquer um, as mulheres ficam subjugadas pelo seu olhar. A boca e a maneira de falar são o próprio charme. O nariz não é tão bonito. É preciso observar o seu rosto e tentar descobrir o que faz dele um homem tão lindo?

Clive é um dos atores mais requisitados da atualidade. Seu charme e masculinidade impressionam. Seria o equivalente de um Cary Grant? É uma pena, mas não é. Clive é um moço sério e competente, que faz tudo o que o diretor lhe pede, mas não se entrega.

É como se faltasse algo a seus personagens. Ele não se entrega e não se emociona. Não entrega a alma a seus personagens. Assim, assistir ao filme Elisabeth, a Era de Ouro, Rei Arthur, O Plano Perfeito – em que ele aparece com o rosto encoberto -, Closer-perto demais - seu personagem é um desastre - ou, salvando criancinhas em Filhos da Esperança, ou ainda no belo filme do ano 2000, quando o vi pela primeira vez: As rosas são vermelhas e as violetas são azuis, tanto faz. Owen não vive a fundo o personagem, mantém a presença, entrega o seu visual impecável, vale milhões de libras, mas fica nisso e só. Nunca vai chegar a Cary Grant.

Paul Giamatti e Tom Wilkinson estão muito bons como representantes das organizações rivais. Giamatti é melhor, e nos diverte muito no início em uma cena de cinema mudo, com muita agressão entre a dupla, sob a chuva, no espaço vazio do aeroporto, sob os olhos estatelados do staff de ambos.

Julia Roberts não muda, em Onze homens e um segredo não estava muito diferente. Em alguns momentos do filme ela fica parada, tão séria, com o cabelo mal arrumado, jogado para trás, parece tão feia e sem graça, que lembra as descrições que Saint Hilaire fazia das mulheres gaúchas. Só que as de Saint Hilaire eram mais feias ainda, gordas e bigodudas, pelo menos ela é magra e bocuda.

Mesmo assim, assistir a Clive Owen brincar de gato e rato com Julia Roberts em um thriller cheio de reviravoltas não deixa de ter o seu atrativo.

Seis anos depois de Claire ter passado a perna em Ray, os dois se encontram. Agora trabalham para organizações rivais, que disputam segredos de produtos milionários. O espectador precisa seguir as pistas, que logo se revelam inúteis. Deve ficar atento aos detalhes, que passam em frações de segundos. E prestar atenção ao fio da meada que o diretor mostra que não mostra, às cenas de suspense, que dilatam o tempo, um suspense que parece não terminar. O final é surpreendente, não deixe de assistir. A operação teria dado certo ou não? O diálogo é inteligente, mas proporciona diversão apenas.



segunda-feira, 20 de julho de 2009

TRAMA INTERNACIONAL

Tom Tykwer, o diretor de Corra Lola Corra (Run Lola Run) é o responsável por Trama Internacional. Clive Owen e Naomi Watts estrelam esse filme muito interessante. É melhor que Duplicidade, os dois garantem o sucesso. Clive está bem, continua lindo. Mas o que fizeram no cabelo dele? Foi para parecer assim, meio latino, meio muçulmano? Com aquele castanho pintado e meio arrepiado? Credo! Ficou mal!

Owen é Louis Sallinger, um agente da Interpol que procura desvendar os crimes do IBBC Bank. O banco negocia e financia armas, de forma criminosa, com países em guerra. Os dirigentes do banco afirmam que o importante não é vender armas, mas administrar a conflito. Pois, as dívidas decorrentes de conflitos bélicos somam valores astronômicos.

Naomi Watts é a Promotora de Justiça de Manhattan, Eleanor Whitman, que junto com Sallinger procura levar à justiça o IBBC Bank. Há dois anos ambos recebem relatórios da CIA sobre os crimes do banco.

No início Sallinger assiste impotente ao assassinato de seu companheiro. Quando o leva ao hospital recebe dos médicos a explicação inaceitável: o colega teria morrido de enfarte do miocárdio. O próprio Sallinger descobre, no corpo do amigo, o orifício por onde teria sido inoculado o veneno. Mas a autópsia não revelava traços de veneno. Assim agia a grande corporação criminosa. Quem se contrapunha ao banco, quem pensava em processá-lo, desaparecia ou era morto.

A dupla persegue os criminosos e seus tentáculos em Nova York, Milão e Istambul. As grandes cenas de confronto mostram prédios que são ícones da arquitetura modernista, high tech e da antiguidade. A sede do IBBC em Luxemburgo é a própria high tech, em aço e vidro é o símbolo da potência das grandes corporações. É arquitetura como símbolo do poder. Isso acontecia desde os egípcios com suas pirâmides, desde os grandes prédios de Speer para o Terceiro Reich. O que se vê hoje em dia é uma arquitetura que se repete internacionalmente, quase igual, não importando se é Londres, Hong Kong, Luxemburgo ou Nova York. No caso, representava um poder criminoso. Com o Estádio Olympiastadion, requalificado por Speer, para as Olimpíadas de 1936 não era diferente. Por isso mesmo, Tykler escolheu essa arquitetura transparente, para representar e ser o invólucro de um mundo criminoso, e não transparente.

Porém, o grande espaço contínuo do Guggenheim de Frank Lloyd Wright não se presta para representar uma arquitetura do poder. É o grande símbolo da arquitetura modernista, e serviu como cenário para o tiroteio violento, levado adiante pelos sicários do IBBC, para quem o que menos importava era destruir a cultura que o Guggenheim representava. Enfim em um thriller, a arquitetura espetacular sempre funciona. Lembram as Petronas Towers em A Armadilha, com Sean Connery e Catherine Zetha Jones? A arquitetura continua presente na perseguição que passa pela Piazza Duca D’Aosta em Milão e pela Catedral de Santa Sofia, a Haga Sophia, de Istambul (Constantinopla).

Wilhelm Wexter (Armin Mueller-Stahl) é o personagem intrigante que age em duplicidade em diversas situações. É uma espécie de conselheiro do IBBC Bank. Mas que, repentinamente, poderá assumir outras posições.

A Promotora de Justiça não entende as razões Wilhelm Wexter, que tinha sido fiel ao comunismo a vida inteira e repentinamente, coloca-se a serviço das grandes corporações criminosas. Vende-se como um espião a serviço do crime. Ele justificava sua atitude, dizendo que cada um de nós ao longo da vida é obrigado a fazer coisas que contrariam os seus princípios. Tykler fala através da Promotora Eleanor Whitman, que rebate afirmando que nós fazemos nossas escolhas. O diretor discute ao limite a questão da submissão à autoridade. Segundo Merten (veja a matéria de Luiz Carlos Merten, em seu,
"Justiça para quem merece"), Tykler se inspirou nas pesquisas do psicólogo norte-americano Stanley Milgram sobre submissão à autoridade. Qualquer um de nós poderia realizar atos contrários a nossa consciência desde que tivéssemos o respaldo de uma autoridade superior. Então, para Wexter, o poder da grande corporação seria a própria fascinação. Mas sua consciência titubeia, ele entrega os criminosos e alerta Sallinger, que somente poderá enfrentá-los fora do sistema de justiça. No final mais uma vez o olhar de Wilhelm Wexter revela sua dubiedade. Não fica claro a que poder ele serve. São os mistérios, que não explicam os desígnios do ser humano.

Mas as palavras misteriosas de Wexter explicam muito do “assim estava escrito” que acontece na grande trama: “Você pode encontrar o seu destino na mesma estrada que você pegou para não encontrá-lo.” Com certeza todos encontram o seu destino na Trama Internacional, a maior parte deles de forma trágica.

A PROPOSTA

Sempre que ouço o nome de Sandra Bullock penso que devo ir ao cinema. Mesmo que o filme reproduza os chavões de Hollywood. Mesmo que Sandra Bullock não seja mais aquela.

Margaret Tate (Sandra Bullock) é uma editora, daquelas que “se acham”. Margaret Tate poderia ser um trocadilho com Margareth Tatcher, a mulher que comandou a Inglaterra com mãos de ferro. Parece uma figura de desenho, foi essa a intenção de sua caracterização. É mais um estereótipo criado pela indústria cinematográfica. Como uma rainha, muito alta mesmo, de saltos, muito altos mesmo, com uma saia escura, comprida e de cintura alta ela faz tremer os computadores quando entra no escritório. As mensagens viajam na velocidade da luz. Preparem-se colegas! Ela está chegando! Mesmo que não tenhamos refletido muito sobre a fórmula de alguns filmes comerciais, certamente A Proposta segue à risca a tal fórmula. Tate é o protótipo da mulher arrivista, que não mede seus passos para subir na vida e realizar suas ambições de mando.

Além de colocar seu dedinho na moleira dos funcionários, Tate não tem o menor prurido em despedir colegas que em sua maneira de ver as coisas, deixaram de ser úteis. Mas já não vimos isso em O Diabo Veste Prada em que terminamos adorando a megera? Onde Meryl Streep estava muito mais charmosa que na vida real? Viram como ela estava sem graça na festa do Oscar?

Bom, a deusa, que se achava a tal cai numa sinuca quando fica sabendo de seus problemas com a Imigração. Precisa de um visto urgente para não ser deportada para o Canadá. A saída de última hora é revelar suas intenções de namoro, noivado e casamento com o jovem Andrew (Ryan Reynolds de "X-Men-Origens: Wolverine"), que só queria publicar seus trabalhos e nem sonhava o que estava acontecendo.

O certo é que os dois formam um belo casal. Se Sandra é grandona e ainda está bonita, Reynolds também é um jovem muito alto e bonitão. No geral, a gente até esquece o seu nariz de bolota na ponta.

Entre mentiras, os dois terminam no casarão da família de Andrew, no Alaska. Como não poderia deixar de ser, nos romances e livros que tratam do tema, o herói, no início se dá mal. Seus hábitos e roupas são deslocados para as situações. Tate tem dificuldades para chegar ao barco, vestida nos trinques, de salto alto. Lembram de A cidade e as Serras, de Eça de Queiroz? Não é exatamente como Jacinto?- o personagem do livro de Eça - que Margaret Tate reencontra os verdadeiros valores da vida simples? Não é afastado da quinquilharia tecnológica que Jacinto encontra a felicidade?

Por trás da máscara que mostra uma mulher fria e calculista, existe a bela, e sensível Tate, que está lá, dentro de si mesma escondida. No Alaska é tão bem recebida pela família de Andrew, que se dissolve a máscara de gesso da insensibilidade. Tate, que era uma mulher solitária e sem família - um pouco gata borralheira - sente-se muito mal ao enganar mãe e avó, que se desdobram em zelos e mimos para com a dupla. As piadas ficam por conta da cena de nudez do casal e da cachorrinha que implicava com Tate, ou da grossura do bailarino, na despedida de solteira.

Assim Margaret Tate sobe ao altar, usando o antigo vestido de noiva que pertence à família. Mas as reviravoltas acontecem. Mesmo sendo um chavão, vale conferir A Proposta. Recomendo para os jovens, acho que irão gostar desta comédia romântica dirigida por Anne Fletcher.


quarta-feira, 15 de julho de 2009

COMENTÁRIO

Pedro, achei muito bom o teu comentário (aqui no Sul agente fala tu, ok?). Concordo contigo, que a vida real reproduz o silêncio das crianças. Pode ser que eu tenha visto o que queria ver, Stella escapando do pedófilo. Me senti prestigiada com um leitor tão atento e perspicaz.

Abraço,
Doris Maria

segunda-feira, 13 de julho de 2009

HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO

Sábado à noite, sala do Arteplex cheia, lugares esgotados. Senhoras e senhores de todas as idades. Idosos corajosos, de bengala compareceram ao filme de Philippe Claudel. A mim parecia uma classe média alta. Engraçado que perfume enjoativo tem a classe média alta. Aquele cheiro de pó de arroz (é assim que se falava) flutuava no ar. Quando criança, senti esse cheiro em minha tia Totóca. Eu gostava dela só que não sabia. Descobri isso muito tempo depois. Prefiro as salas de cinema com menos público.Kristin Scoot Thomas é uma excelente atriz, de quem gosto muito. Participou de filmes como Delírios de consumo de Becky Bloom (Confessions of a shopaholic), Assassinato em Gosford Park (Gosford Park), Destinos cruzados (Random Hearts), Doce Vingança ( Reverngers’ comedies, The), O encantador de cavalos (Horse whisperer, The), Souvenir e O paciente inglês ( English patient, The). Esses, pelo menos, são os filmes que lembro. Recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, por O Paciente Inglês (1996) e duas por Il ya long temp que je t’aime. A trilha sonora do filme é bellíssima e deu origem ao título.Il ya long temp que je t’aime traduzido para Há tanto tempo que te amo trata de um tema que muitas vezes parece impossível de acontecer, a relação solidária e fraternal entre duas irmãs. As irmãs nascem na mesma família, vivem juntas, a infância e a adolescência - nem todas é claro -, e depois se separam. As mágoas e os ressentimentos às vezes parecem insuperáveis. Não para a personagem de Léa (Elza Zylberstein), a irmã de Juliette Fontaine (Kristin Scott Thomas).

Juliette cometeu um crime. Foi julgada e condenada, permaneceu no cárcere por 15 anos. O filme mostra sua vida após a saída da prisão.

A aparência de Juliette revela seu interior. Seu crime transformou-a em um ser estranho ao mundo. Todos a negam. Os que sabem do crime não a aceitam. Os que a conheceram depois que saiu da prisão não a entendem, calada, não ri e não fala com ninguém. Juliette tem um olhar extremamente triste, o cabelo liso e caído. Seu brilho sumiu. Kristin está soberba no papel.

Léa é a personagem positiva que não desiste da irmã, teimosa em seu desejo de acertar. Quando Juliette sai da prisão, Léa a espera e a leva para casa. Os primeiros sinais de rejeição vêm por conta do marido Luc, (Serge Hazanavicius) que não aceita a presença de uma “assassina” dentro de casa, onde o casal abriga o sogro de Léa. Vítima de um AVC, ele perdeu a fala e passa o dia inteiro lendo.

Elza Zylberstein (Léa), na aparência não se compara à Kristin Scott Thomas ( Juliette). Mas, é ela que guarda o diário de adolescente, onde marcava diariamente o número de dias que estava afastada da irmã. É Léa que é capaz de amar o sogro doente e calado. É Léa que é capaz de adotar crianças e amá-las. Para Léa, P’tit Lys e Émelie, são as suas verdadeiras filhas do coração e não da barriga. É Léa que se dedica com amor às filhas adotivas. É Léa que faz das tripas coração para ajudar a irmã a sobreviver no mesmo mundo que a condenou à prisão e ao esquecimento. É Léa que se dedica à docência doando-se também aos alunos. É Léa que ajuda os colegas ditando as notas dos alunos para preenchimento do Caderno de Notas. E também é Léa que em muitos momentos se sente frágil e insegura diante dos problemas.

A dor de Juliette é fechada e encerrada dentro de si mesma. Não há como compartilhar seu sofrimento com o mundo que a condenou. Philipe Claudel nos mostra como essa tristeza é tão grande e irremediável, que pode ser comparada ao quadro do artista Emile Friant, “A Dor”. O tema da dor se materializa na rejeição de Juliette pela família, após o crime. Para os pais a filha morreu. Entretanto o destino também pode reservar dor e sofrimento para os intolerantes. Na velhice a mãe fica com Mal de Alhzheimer. É esquecida numa clínica e paradoxalmente quando recebe a visita das filhas - a louca do Al que não reconhecia ninguém -, reconhece Juliette, sua filha dileta e tenta abraçá-la. A cena é dolorosa, a filha não retribui, dá-lhe asco tocar na mãe. Em sua demência, a velha senhora volta a seu estado anterior e é abandonada novamente. Para as filhas, não é tão importante, interessa a dor de Juliette, não a de sua mãe.

O filme revela o preconceito de uma sociedade que condena, e sem o menor sentimento de moral, dificulta ao máximo a reabilitação dos condenados. O caso de Juliette é particular. A condenação é dupla. Primeiro por seu crime, bárbaro, segundo, por permanecer condenada, mesmo após ter pagado por ele. Quando o grupo de amigos quer saber quem é Juliette, a silenciosa Juliette, ela responde: fui condenada à prisão por matar meu filho de 6 anos. Todos riem e dizem ao colega indagador. Viste? Desta vez ela te ganhou. Não entendem, porque absolutamente não lhes passa pela cabeça que uma pessoa que conviva com eles possa ter cometido tal delito.

Os dias se passam e vemos Léa tentando por todas as formas abrigar e compreender a irmã. A tarefa é árdua, até o dia em que descobre as razões do crime, os motivos que levaram a irmã a matar. Juliette esquece perto da cama os indícios que revelariam suas razões. No fundo ela queria que a irmã soubesse a verdade. Afinal somente com Léa poderia dividir sua dor e abrir-se para uma nova vida.

As cenas de catarse, sofrimento, gritos e explicações são de rasgar a alma. Claro o fulcro do filme é o sofrimento de Juliette e sua redenção através da irmã. Lembra a cena, em Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman, em que uma das irmãs abraça Agnes, que está à morte. Enfim, essa capacidade de amar ao infinito é belíssima, somos tão primários que custamos a entender.

domingo, 12 de julho de 2009

STELLA

Para Stella (Léora Barbara), viver com os pais, e viver sozinha não faz muita diferença. A vida da menina é a própria solidão, mas Stella não percebe suas carências. Com apenas 11 anos, a garota não consegue racionalizar a situação.

O ambiente em casa é péssimo. Os pais são proprietários de um bar, onde tudo acontece. Bêbados, arruaceiros andam por aqui e por ali. Os acontecimentos são vistos através dos olhos de Stella que tem dificuldades em perceber seu fracasso na escola. Seu silêncio e aparente indiferença irritam adultos e professores.

Muitas crianças são como Stella. Ficam mudas, em silêncio. E passa batido, não é percebido, os adultos não veem. Os pais não entendem, e precisa vir Stella para nos abrir os olhos. Pena que para muitos seja tarde demais.

A mãe é uma mulher jovem e bonita, mas com algo de vulgar e descuidado. Trabalha junto com o marido, no bar. Participa das noitadas de farra, muita bebida e maus modos sem o menor constrangimento. Eles são assim mesmo. Com certeza a mãe não vê a filha e não tem condições de educá-la. Nem pai, nem mãe tem a menor condição de orientar e educar a filha para o mundo. A mãe por sua vez achava que o pai era um fraco, um bon vivant.

Stella vive solta, como um cordeirinho no meio dos lobos. Vive e circula naquele mundo de adultos que perambulam por sua casa e podem entrar até em seu quarto, no pavimento superior. O público e o privado estão misturados. Parece uma família do século XVIII ou XIX, que não separava moradia e trabalho. Nesse ambiente a menina vê tudo e sabe de tudo. Seu único companheiro é Wolfie, o rottweiler ciumento que só tem olhos para sua dona. O recanto de Stella é seu quarto cheio de recortes e fotos de Alain Delon e Roger Moore. Achei diferente, uma adolescente, dos anos 2000, curtir atores dos anos 60, 70.

Stella procura entender as razões de seu mau desempenho na escola. Pensa e pensa e conclui que em compensação sabe tudo de sexo, sabe de onde vêm os bebês e sabe jogar fliperama. A garota tem dificuldades em fazer amizades na escola. Senta ao lado de uma menina tão loura, que para ela é a menina da série Os Pioneiros.

O professor tem a sensibilidade de um elefante. Noto esse comportamento em muitos professores. Falo com conhecimento de causa, sou professora. Agem perante os alunos como se fossem deuses. Intimidam jovens e crianças, depois se queixam que os alunos não os respeitam. Pensam que, saber um pouquinho mais que aqueles a quem estão ensinando lhes dá o direito de tripudiar. O professor de Stella era dessa cepa.

Alain Bernard (Guillaume Depardieu) é o moço loiro e lindo, por quem Stella se apaixona em seus sonhos de menina, em sua paixão platônica. Provavelmente ele sabe dos efeitos que causa na garota - de 11 - e nas espectadoras - dos 15 aos 65. Mas mantém a classe, e até a protege. O mais triste da história é que o ator Guillaume Depardieu, filho de Gerard Depardieu e Élisabeth Depardieu faleceu em 2008, vítima de uma pneumonia que contraiu enquanto filmava na Romênia L'enfance d'Icare.

A vida de Stella transcorre naquele ambiente permissivo. O espectador cansa um pouco, as cenas de baderna e barulho se repetem. A música é muito alta e angustiante. Nos alerta para o perigo. Causa mal estar. Preocupamo-nos com Stella. Ficamos com o coração na mão diante daqueles pais permissivos. Aquilo não vai dar certo. Alguém poderá “oferecer balas” para a menina. Quando criança eu dizia para minha irmã: “Vamos embora maninha, ele pode querer nos oferecer balas, e saía correndo”. Fiz bem seguindo os conselhos de minha mãe. Nunca aceite balas de um estranho, nunca fale com um estranho.

Bem, finalmente o inevitável um dia aconteceu. Bubu (Jeannick Gravelines), o lobo que babava e andava por ali à solta mostra as garras. Mas todos sabiam que o tal Bubu não era de confiança. Parece que eram cegos. O garçom alerta Stella, quase tardiamente, para que não fique muito tempo perto dele. Bubu oferece um livro para a menina, insinua o aperto e o abraço pecaminoso. Sylvie Verheyde não mostra além. Concluímos um pouco aliviados que a menina conseguiu escapar do pedófilo.

Stella sabe que a mãe trai o pai dentro da própria casa. Sabe e fica calada. Até que interrompe a descaração e aponta uma arma para os dois.

A salvação da adolescente foi sua nova amiga da escola, Gladys (Mélissa Rodriguez). A colega é uma imigrante, de família judaica, que vai morar na França. O pai é psiquiatra e a família é mais estruturada. Stella ganha uma nova vida. Sonhava em ter uma amiga, em ter alguém com quem conversar. Apesar dos pais ausentes e de alguns maus professores ela reconhece que a presença de Gladys é fundamental para sua evolução. Consegue amadurecer o suficiente para perceber que a escola que freqüenta é uma chance única para sua educação, e que essa oportunidade não pode ser perdida. Ainda não tem confiança em si mesma. Tenta melhorar o visual. Compra roupas com a ajuda da mãe. A sorte é lançada no Conselho de Classe. Os professores discutem seu caso. Uns criticam sua apatia, outros percebem que quando a menina queria, conseguia alcançar um bom desempenho. Gladys é representante dos alunos no Conselho de Classe e não esconde seu desejo que tudo dê certo para a amiga.

Não deixe de acompanhar o crescimento de Stella e veja só! A garota amadureceu o suficiente para se transformar no ombro amigo, onde a mãe ausente, um dia se aninhou para chorar e desabafar sua triste vida.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

CARAMELO

Caramelo é a calda de açúcar usada para depilar, e que funciona como uma espécie de poção mágica para atrair a clientela do Salão Si Bella. As cabeleireiras chegam a provar sensualmente o doce veneno que queima muitas pernas. Caramelo é um filme de mulheres, sobre mulheres. Nadine Labaki, a diretora, vê o mundo através de um filtro feminino. Tudo trata do feminino. Nadine também é atriz, é a Layala do filme, e tem uma equipe formada quase que exclusivamente por mulheres. Os homens ficam fora de foco e fora de cena. Os tipos masculinos estão ausentes. Até aquela espécie de homem, que toda mulher conhece, o machista, o explorador, o safado, o desonesto, o covarde que bate em mulheres está ausente. O mais cretino deles buzina, apenas, mas não aparece.

O foco de interesse de Nadine é o Salão de Beleza Si Bella, com o B de cabeça para baixo. Se é que letra tem cabeça. Como que simbolizando a vida bagunçada das cinco cabeleireiras que trabalham ali. Nadine foca a câmera em cada uma delas.

Layala é uma mulher linda, lembra um pouquinho Teri Hatcher, de Desperate Housewives. Teri encarnou Lois Lane, a namorada do superman, na série Lois e Clark: As novas aventuras do Superman (The New Adventures of Superman). Mas Layala é uma mulher mais jovem e bela, com olhos escuros enormes, sombreados por espessa maquiagem.

Aparecem somente três homens no filme - Youssef (Adel Karam), o policial bonzinho, o sr. idoso e o noivo - todos são coadjuvantes.Youssef, o policial bonzinho - como se isso fosse possível - é apaixonado por Layala, que só tem olhos para o homem casado que a procura quando quer. Passa em frente ao Salão e buzina. Layala sai correndo. O filme analisa a condição feminina em um país machista, onde as mulheres ainda lutam muito para conquistar um mínimo de igualdade em relação aos homens. Beirute é uma bela cidade, com pessoas semelhantes a nós, brasileiros, com ruas parecidas com as nossas.

Layala faz de tudo para viver seu amor de frustração. Tenta se hospedar em um hotel para comemorar o aniversário do amante cretino, que tinha mulher e filha. Não consegue. Faz uma peregrinação por diversos lugares. No Líbano, uma mulher precisa de certidão de casamento para ficar em um hotel acompanhada.Imagine só, no Brasil, a cada passo é oferecido num motel, com cama redonda, champagne, cascata e o diabo a quatro. Layala consegue um lugarzinho de quinta categoria e se esfalfa limpando para ficar sozinha esperando.

Cada mulher é muito bem caracterizada. A relação das cabeleireiras com o celular é como no Brasil. Os toques são os mais hilários!Jamale (Gisèle Aouad), uma mulher de meia idade preocupa-se muito com a aparência. Passou dos quarenta, possui dois filhos e é uma das mais engraçadas. Faz testes de propaganda para cremes de beleza, que supostamente deixam a pele jovem e macia. Ela insiste em colocar duas fitas adesivas nas têmporas para levantar o semblante.

Somente uma visão feminina pensaria em um personagem como Jamale, que precisa mostrar ao mundo que ainda é jovem, e que, portanto menstrua! Ela chama a atenção para as manchas vermelhas no vestido branco. Pinga mercúrio para parecer sangue! Veja se pode! É muito divertido!

O comportamento de Jamale revela o que todas nós mulheres desejamos – ou quase todas – parar o tempo: ter uma pele de menina de dezoito.Não deixa de ser uma imposição cultural, como também é cultural a questão da virgindade. Nisrine (Yasmine Elmasri) acha imprescindível fazer uma pequena intervenção cirúrgica, antes do casamento, para retomar sua condição de virgem. É outra das cenas mais engraçadas.E assim a cada passo a platéia ri e se diverte. Como na caracterização da família de Layala. A mãe acalorada segura um ventilador portátil. O pai está de pijamas. O irmão pequeno fica entre os dois. Sentados no sofá, os três estão hipnotizados pela TV.

Youssef, apaixonado por Layala nem sequer a multa, por não usar cinto de segurança. Fica enrubecido e tonto na presença da estonteante cabeleireira. Layla passa na direção de seu velho carro, o provoca e mostra a língua. Imagine se eu fizesse isso para o guardinha da EPTC, que me flagrou falando ao celular! He... he... he...A relação da tia Rose (Sihame Haddad) com a irmã Lili (Aziza Semaan) é um drama visto pelo seu lado engraçado. Lili, a velhinha tem um caso com o Al (zheimer). Como minha amiga, uma velhinha, que fazia muito tempo que não se olhava no espelho. Um dia quando viu sua imagem refletida perguntou quem era aquela velha ali? Lili recolhia todas as multas aplicadas por Youssef em um saco de plástico. Pensava que eram cartas de amor. As duas dormiam juntas, de camisola comprida, com toucas de crochê. E rezavam o terço. A caracterização é ótima. Ame-e-ei o filme. Nadine reflete sobre muitos tipos de mulheres, as jovens que procuram seu homem, um amor, um companheiro. As avozinhas que saíram do mundo real. As mulheres mais velhas, que não se permitem uma segunda ou última chance, como tia Rose, uma mulher encantadora, com um sorriso cativante.

Rose é costureira e quase se envolve com um senhor idoso. Ela mesma conclui que ele era que mais um louquinho em sua vida. O senhor insistia para que a costureira fizesse uma bainha muito curta em suas calças, ao que Rose desabafa: “Era o que me faltava, mais um louco”! Se, era um amor possível, porque Rose não se permite? Pelo preconceito? Ou pela bainha? Envolvente e simpático mesmo era Youssef. As cabeleireiras gratas por sua proteção o convidam para um banho de boutique. Temeroso ele aceita. As mulheres se divertem e fazem gato e sapato com o policial, que sai do Salão parecendo um príncipe. Mesmo em um país machista elas dominam.

Nadine mostra o homossexualismo feminino de forma delicada. Chega ao Salão uma mulher morena, belíssima, de longos cabelos negros, que se entrega ao prazer sensual nas mãos de fada de Rima (Joanna Moukarzel), que lava seus cabelos. O caso entre as duas promete. A fala da mãe de Nisrine às vésperas do casamento - o espectador sabe da cirurgia - parece boba e passada. Mas não é menos comovente e triste. A mãe conclui afirmando “ a vida é como um bolo, é preciso abrir para ver se está bom.”Não deixe de observar a fotografia, é belíssima e as cores são lindas. E não deixe de assistir a Caramelo, pois Nadine Labaki está falando de cada uma de nós.