Eu não gostava muito do Quentin Tarantino. Passei a amá-lo desde sexta-feira. Tarantino faz o quer com a platéia. Todos riem na hora que o diretor quer. Todos ficam num silêncio sepulcral um segundo depois. Tudo por obra e graça do diretor que sabe o quer.
Inglourius Basterds é um filme genial. É pura diversão e imaginação, que passa
longe da realidade histórica. Tarantino homenageia o cinema e seus diretores.Faz seu filme recuar a 1700 a. c., ao Código Hamurabi, inspirado na Pena de Talião, que implica na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, apropriadamente chamada retaliação. A lei é expressa pela máxima, olho por olho, dente por dente. Assim, todos os crimes nazistas simbolicamente são remidos através da retaliação. O grupo americano, do comandante Aldo Raine (Brad Pitt), com nove feras, os Inglourius Basterds, caça os nazistas, e os faz purgar por seus crimes. A cada soldado cabe a cota de retirar cem escalpos inimigos. O espectador identifica-se imediatamente com os Inglourius Basterds. A platéia vibra e aplaude no final, em verdadeira catarse.
Impera a barbárie, que supera em violência, a sutil crítica de Chaplin – repetida por Jerry Lewis - em memorável filme onde ele espetava o peito do alemão nazista com a medalha que o condecorava. A cena é inesquecível e vibrante.
Tarantino conta uma história em capítulos. No primeiro Era uma vez, antes da primeira cena, ouvimos a música de Ennio Morricone. De antemão sentimos a tragédia. O ano era 1969 quando assistimos ao belíssimo Era uma vez no Oeste, de Sérgio Leone, com a jovem Claudia Cardinale. No silêncio e amplidão da paisagem desértica, um homem e seus filhos são brutalmente massacrados. Tarantino recria Leone. No filme de Tarantino, a paisagem é belíssima. Vemos os campos verdes da França. O ano é 1941. Pierre LaPadite (Denis Menochet), o fazendeiro, corta lenha e sua filha estende os lençóis. Ao longe, a jovem vislumbra o grupo de nazistas. O coronel Hans Landa se aproxima, escoltado por indefectíveis soldados em suas motinhos. Christoph Waltz faz um Caçador de Judeus, tão descarado e cínico que espanta a mais insensível das criaturas.
Como nazista Christoph Waltz está perfeito e envolvente. Suas expressões faciais e os movimentos com as mãos só enriquecem o personagem. Fala com suas vítimas com gestos polidos e delicados, que não escondem o seu veneno mortal. Landa sente paixão pelo que faz. Considera uma missão sublime caçar judeus e matá-los impiedosamente. Interessante no filme é observar como ele tenta se controlar e seduzir suas vítimas, para finalmente dar-lhes o golpe de misericórdia. Sentimos que teremos a vez antes do filme terminar. Landa se intitula parente do falcão. Em seu imaginário, os alemães são os falcões e os judeus, os ratos. De fato, Hans Landa é uma víbora desprezível e sórdida. Rato para ele seria elogio.
Em quatro situações vemos o jogo de Hans Landa com suas vítimas. Primeiro com Pierre LaPadite, pai das três jovens, que esconde a família Dreyfus em sua casa. Senta-se à mesa e conversa com o fazendeiro. Faz questão de tomar um copo de leite. Landa escolhe falar o francês, que domina com perfeição. Para as vítimas não entenderem - estão sob o assoalho -, passa a falar em inglês. Despede-se novamente com os termos mais polidos, em francês, e aponta para o chão indicando onde seus sicários devem atirar. A explosão de violência é assustadora.
Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) foge. Através do retângulo da porta, a paisagem verde e luminosa a envolve. Em oposição, a silhueta negra do nazista aponta a pistola. Sem vontade, o coronel protela a caçada. Como o predador que se diverte com a presa, deixa a refeição para mais tarde. Está momentaneamente saciado.
O segundo encontro com a jovem judia não é menos assustador. Shosanna é “convidada” por Frederick Zoller, o herói nazista, para ir ao seu encontro, onde está Joseph Goebbels. Daniel Bruhl interpreta Zoller. Lembram do adorável jovem que escondia as mudanças na Alemanha Oriental, em Adeus Lenin? Landa pede para falar em particular com a jovem, e propositadamente lhe oferece um copo de leite. Shosanna treme. Com essa mesma cara de pedra ele se levantara antes de ordenar, placidamente, o massacre na casa de LaPadite. Num segundo seu semblante muda. A dureza se desfaz em um sorriso cínico. Afirma que esquecera o ia dizer. Landa domina a intimidação, manipula seus opositores. Faz um jogo que envolve um trato onde ele sempre pretende sair vitorioso.
O grupo dos Inglourius Basterds poderia ser Os Doze Condenados (1967), de Robert Aldrich, chefiados por Lee Marvin. O filme representava o máximo no desprezo aos militares, à hierarquia e à obediência na caserna. Assim como em The Dirty Dozen, cada bastardo tinha sua especialidade. Um deles, Donny Donovitz (Eli Roth), o Urso Judeu, golpeava nazistas com um bastão de beisebol. O outro Hugo Stiglitz (Til Scheiger) matara treze alemães da Gestapo, alistando-se nas linhas inimigas. Desta forma a platéia libera seus maus instintos e fica fascinada com a pancadaria em que Stiglitz, à moda Robert de Niro, em Os Intocáveis, arrebenta a cabeça do alemão com o bastão de beisebol. O outro nazista não tem tempo de se mexer, leva um tiro pelas costas! Pasmem! Só não foi bem um tiro na nuca à moda nazista. É isso aí, na hora da loucura é olho por olho e dente por dente.
Mas o melhor está por vir. O capítulo três intitula-se German Night in Paris. Mostra Shosanna em sua sala de cinema onde passam filmes de Leni Riefenstahl e do diretor austríaco Georg Wilhelm Pabst. A jovem esclarece que os franceses prestigiam os diretores de cinema, independente da vontade dela. Influenciado por Zoller, Goebbels escolhe o cinema de Shosanna para fazer a grande noite alemã. O filme de estréia será O Orgulho da Nação, estrelado pelo próprio herói nazista, Fredrick Koller. Assediada por Zoller, Shosanna decide explodir sua sala de cinema com os quatro grandes líderes do nazismo, cuja morte se fosse possível, decidiria o fim da guerra naquela noite.
Paralelamente, o grupo dos Inglourius Basterds planeja a Operação Kino. O grupo pretende explodir o mesmo cinema. Brad Pitt está muito divertido, com o rosto bolachudo, imitando um legítimo americano do Tennessee, um herói com ascendência apache. Tarantino mostra a ingenuidade dos heróis que lutam contra o nazismo. Os Inglourious Basterds também parecem os dez patetas. Aldo Raine com os seus oito, mais Hugo, arrecadado na prisão. São hilários nas bobagens que fazem e nos foras que protagonizam. Como todo filme da Segunda Guerra Mundial não poderia faltar uma espiã loura. Em Inglourius é a atriz Bridget Von Hammersmark, interpretada por Diane Kruger. Como Helena, quase fez Tróia desandar. Está mais convincente em O segredo de Bethoven e neste filme.
No quarto encontro de Landa com suas vítimas, Bridget é convocada para uma conversa particular com o Caçador de Judeus, nos preparamos para o pior. Como na Gata Borralheira, o sapatinho de cristal serve no pezinho da atriz e significa sua condenação. Nesse momento Landa cede aos seus fantasmas. Realiza o seu desejo de matar. Quando sai da sala seu rosto está aliviado por ter saciado toda a sua barbárie.
O jogo de sedução entre Fredrick Zoller e Shosanna não se realiza. Ele é o herói nazista que interpreta seu próprio papel no filme dentro do filme, O Orgulho de uma Nação. Zoller é amado pelos nazistas e se compara a Gary Cooper, em Sargento York e Van Johnson.
Shosanna não cede ao assédio de Zoller. Na mais bela sequência de planos, depois de preparar-se para a guerra pintando o rosto, se veste de vermelho. Esta recostada em uma janela, que lembra o rolo da película cinematográfica. Quando Zoller destrói seus planos, não lhe resta alternativa, senão matá-lo. Eis que nesse momento ela fraqueja, pensa na terrível possibilidade de amar um nazista. Zoller, quase morto, se vira e dispara um tiro com a mão esquerda. Que nem um Romeu e Julieta às avessas os amantes que nunca realizaram seu amor, morrem juntos. A cena é belíssima, ela de vestido vermelho, toda manchada de sangue é filmada em plongè.
E vence o cinema, Shosanna está morta, mas o cinema está vivo. Como um fantasma, em gargalhadas, a imagem de Shosanna, enorme, toma conta do cinema e espalha o terror. Vingança e fogo enchem a tela.
E Landa, que sempre estabelecia o jogo de sedução com suas vítimas, tenta fazer o mesmo com Aldo Raine pela quarta e última vez. É genial, espere para ver. Mas não esqueça, Aldo usava um facão, daqueles de escalpo, para marcar nazistas com uma suástica, na testa, para que fossem reconhecidos quando tirassem seus uniformes. Isso causava o maior ódio no Fuhrer. He,he, he!
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
BASTARDOS INGLÓRIOS
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