sábado, 22 de junho de 2013

Faroeste Caboclo

O João (Fabricio Boliveira) de  "Faroeste Caboclo" é o próprio brasileiro fodido, como afirma Niemeyer, em  "A vida é um sopro". Desde criança porta o estigma da desigualdade. Assiste ao assassinato do pai, à morte da mãe, e o único parente - Pablo (César Trancoso) -  a quem resta recorrer, é um traficante. Tudo o que acontece em sua vida propicia seu envolvimento com o mundo do crime. Se a grande vítima é ele próprio, chega o dia em que decide virar herói às avessas e  se transformar no homem sem lei e sem alma, que busca justiça com as próprias mãos.
Digam-me, quem não vibra com os tiros de misericórdia no inimigo? No policial corrupto e no traficantezinho, o covarde companheiro de Jeremias ( Felipe Abib), seu desafeto?
Vejam, fiquei feliz pelo diretor René Sampaio ter entregue o papel principal a Bolivariano. Estou cansada de ver Lázaro Ramos em tudo quanto é filme, como se fosse o único...
O casal João e Maria Lúcia (Ísis Valverde) estão perfeitos em seus papéis. João transformou-se em um homem frio e violento, porém perto de Maria Lúcia se emociona. No  momento fatal, de emoção  pela amada, um centésimo de segundo de distração o leva à morte. Neste aspecto o diretor foi original, diferenciando-se dos clássicos do faroeste.
As cenas de sexo são delicadas, a maneira de filmar é diferente. O perfil do casal se destaca, a risada franca de Maria Lúcia é encantadora.
René Sampaio afirma que sente maiores afinidades pelos faroestes italianos e por Sam Peckinpah do que por John Ford.
Minha amiga Marinalva   gostou do filme, mas ela acha que René Sampaio poderia ter feito uma citação literal aos mestres do faroeste, ou seja,  dilatar o tempo,  colocar uma música muito  alta e enloquecedoura, como a de Morricone. Alternar o foco da câmera, ora em um, ora em outro dos contendores. Enfim, mostrar o rosto, o suor, os olhos ocupando a tela inteira. Em um desses filmes  lembro nitidamente da música, do som exasperante de uma mosca, e uma boca enorme mascando um cigarro... Depois a mão de um e de outro sacando o revóver... Finalmente o bang! bang! René Sampaio poderia ter feito como Sérgio Leone em "Um punhado de Dólares", quando Clint Eastwoood com o pala mexicano e o cigarro pendurado nos lábios, manda bala e encomenda três caixões com antecedência. Porém, inesquecível mesmo é "Era uma vez no oeste" (C' Era una volta il West) com Henri Fonda, Claudia Cardinale e Charles Bronson.
Enfim, se Brian de Palma em "Os Intocáveis" recriou a cena da escadaria do "Encouraçado Potemkim" de Eisenstein, porque René Sampaio não poderia fazer o mesmo?
Marinalva acha que René Sampaio fez um belíssimo filme, mas poderia ter feito uma citação literal aos mestres do cinema, apenas isso. Mesmo assim,  no duelo final, a morte de Jeremias (Felipe Abib) se estatelando no chão é de lavar a alma!
Não perca este belíssimo filme inspirado na música de Renato Russo!

 
   
  

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Dentro de Casa

François Ozon é genial, como dizem os franceses. Ele subverte as idéias de Hitchcock, ou ainda as recria como no processo canibalístico brasileiro em que, ao copiar, o autor recria algo novo. Percebe-se o "novo" na cena final. Se o personagem de Hichcock, interpretado por James Stewart via a vida através de uma "Janela Indiscreta" que se abre para o mundo, Claude (Ernst Umhauer), o aluno adolescente, faz o movimento contrário. Para ele,  observar a vida do outro - do lado de fora - é insuficiente. A relação entre o professor (Fabrice Luchini) e seu aluno é quase como  a relação entre o criador e sua criatura.
Nada é tão simples. Voltando à essa  relação, o genial para Claude foi ter encontrado alguém que o incentivou a escrever e criar, e ainda discutiu com ele a qualidade de seu trabalho. O professor repetia e analisava cada frase. Perguntava ao aluno sobre determinado texto, se Claude desejava ser um escritor sério ou um comediante.
Marinalva, minha amiga, me disse que isso era tudo com que ela sonhava. Você a conhece? Ela queria muito que o Veríssimo lesse seus textos. Marinalva escreve crônicas como no filme, onde ela é a personagem principal.
Identificou-se com Claude, discutindo com o professor o seu texto. E pensou: esse menino tinha tudo na mão! E o que ele fez? Claude sentia-se tão sozinho, que pensou em adotar e ser adotado pela família do amigo. Foi entrando, se introduzindo e terminou transgredindo. Nem ele sabia o que sentia pela mãe do amigo. Se James Stewart olhava de fora para dentro das muitas janelas à sua frente, Claude escolhe uma e resolve entrar para espionar e viver a vida dos outros, deseja espionar a vida do outro "Dentro de Casa". A solidão do personagem torna-se cada vez maior. 
O genial na história de François Ozon é o resgate da relação professor-aluno. Na seqüência final, depois que quase tudo deu errado, os dois se encontram, retomam o diálogo e a discussão da obra literária, ainda palpitante, em processo de criação. Na verdade o essencial é a relação entre Germain e seu pupilo. 
E François Ozon encerra seu espetáculo homenageando Hitchcock. Na cena em que os dois sentados em um banco, espionam as muitas vidas que transcorrem dentro das muitas janelas iluminadas, à sua frente, na tela as cortinas se fecham. Terminou o espetáculo!