segunda-feira, 19 de outubro de 2009

AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO

Miguel Gomes é um jovem de 37 anos. Aquele Querido Mês de Agosto estreou em 2008 na Quinzena de Realizadores, em Cannes. O filme foi exibido em festivais internacionais de cinema. Ganhou muitos prêmios, inclusive o da Crítica no 32º. Festival Internacional de Cinema de São Paulo, em 2008.

Depois de assistir duas vezes a Inglourios Bastardes foi desconcertante o efeito de Aquele Querido Mês de Agosto. As palavras do próprio diretor talvez auxiliem:

A vida nem sempre é fácil, meus amigos! Em Julho de 2006, ocorre uma pequena calamidade. A rodagem do filme, prevista para o mês seguinte, é adiada para data incerta. Falta dinheiro à produção para um argumento exigente, a ser rodado no interior de Portugal durante as festas de Agosto, e opções de casting ao realizador. Rapidamente recuperado do choque, este decide partir para o terreno com uma câmara de 16 mm e uma equipa composta por cinco elementos – pequena mas brava! – e filmar tudo aquilo que lhe parecesse digno de registo, comprometendo-se a reformular a ficção em conformidade. Esta história e as que se lhe seguiram poderão encontrá-las no filme; embora, por amor à verdade, se deva reconhecer que as aparências iludem e que certos realizadores têm uma propensão genética para a mistificação.

Documentário? Ficção? A meio deste filme vemos uma ponte: a ponte romana de Coja sobre o rio Alva, da qual se atira Paulo “Moleiro”. Sem querer parecer Confúcio, diria que de qualquer uma das margens que esta ponte une se avista perfeitamente a outra. E que o rio é sempre o mesmo.

- Miguel Gomes -


O filme de Miguel Gomes tem muito daquele tipo de produção de amador, de pai filmando o aniversário do filhinho. E tem muito também do talento de observar a vidinha pacata no interior de Portugal. Em tudo semelhante ao Brasil, os bailes, as bandas, os karaokês, tudo remete a um Brasil, meio caipira também.

E mais, as senhoras simpáticas, humildes moradoras de subúrbios, pesadonas, de vestidos escuros. Eram tão autênticas, afinal eram as próprias! Em minha vida sempre encontrei essas senhoras, uma delas poderia ser a minha avó, que sempre pareceu uma adorável velhinha portuguesa. Os olhinhos eram de cor indefinível, verdes, azuis, ou uma mistura de castanho, verde e azul? O cabelo era branco, repartido ao meio, com uma trança, presa, em coque, na nuca. Não somente minha avó, mas muitas senhoras que conheci em Dom Pedrito, estavam todas no filme de Miguel Gomes.

E a procissão? Ha! As procissões nas cidadezinhas brasileiras são a própria herança portuguesa. Em Garopaba é a mesma coisa. Em Rio Pardo os anjinhos com suas asas são fascinantes e lembram os filmes de Pasolini. Tudo isso lembra infância. Cantorias que no fundo não aumentam a nossa fé, mas que gostamos de ver e ouvir. É pitoresco, é o Brasil-português. Nunca pensei que fossemos tão parecidos. É como se aquele enterro em Garopaba estivesse dentro do filme. Quando topamos com o enterro, a emoção foi muito forte. Chorei mais que os parentes do falecido. Não foi a primeira vez. Voltamos, o passeio foi adiado.

Assim, por mais cansativo que parecesse, o filme de Miguel Gomes é tocante. Os bailes lembram o nordeste brasileiro que não conheço, mas é como se conhecesse. As letras das músicas são ótimas, a de Nossa Senhora foi gravada por Roberto Carlos.

Acho que Miguel Gomes poderia ter mostrado a cidade, valorizado a arquitetura e o espaço da cidadezinha portuguesa, como fez Luís Galvão Teles em Dot.com. Mesmo assim a Ponte Romana, de Coja, sobre o Rio Alva, de onde Paulo “Moleiro” se atirava no Carnaval é bela por demais e é uma aula de arquitetura.

O filme começa como um documentário, sem roteiro. Assim, sem maiores preocupações o grupo começa a filmar. Miguel Gomes procura mostrar efetivamente a vida das classes populares, a vida dos subúrbios. A preocupação das pessoas com comemorações de aniversários, festinhas, encontros e passeios de fim de semana, bandas e banhos de rio. Enfim coisas muito interioranas. Ele nos fala, de forma patética, da maneira de viver dos portugueses. Com certeza é brega e de mau gosto, mas traz um mundo que pensávamos estar perdido em nossas lembranças. O kitsch tem seu fascínio. Alguns cantores eram horríveis. Um deles, de cabelo engomado, crespo e alisado à força, seria a versão portuguesa do Roberto Carlos? Não, é possível, o rei é único!

Repentinamente aquelas pessoas estão enredadas, o diretor caminha para o lado do incesto. Mistura-se realidade e ficção. Por isso mesmo a ficção parece tão verdadeira. Mas estava tudo tão bem... Não queríamos pensar nesse tema tão doloroso! Com o maior bom humor Miguel Gomes recoloca o tema do incesto, quando o cantor rima e canta - que com certeza aqueles dois não eram pai e filha, mas sim marido e mulher! A cena por si só valeu o filme.

Diga-se de passagem, os portugueses fazem jus à fama que possuem no Brasil. Nenhum membro da equipe, nenhum dos cinco dignou-se a dirigir a palavra para a jovem que queria participar das filmagens. Ela precisou desafiar o cineasta na jogatina. Se acertasse o alvo, participaria das filmagens. Coisa de português, não é mesmo?



3 comentários:

  1. Olá Dóris, este é meu primeiro acesso ao seu blog, adorei a layout, os textos.Também sou um fã de cinema, principalmente dos filmes clássicos e de Western.
    Belo Trabalho.
    Caso queira acessar meu blog, o endereço é:
    http://historiaearquitetura.blogspot.com/
    abraço
    Eder

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  2. fui ver esse filme duas vezes. achei toda a construção dele demais, apesar de ás vezes cansativo.
    gostei também das músicas, caíram bem.
    um filme que mexeu comigo.

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  3. "Aquele querido mês de agosto" me fez recordar as aldeias do norte de Portugal, que tive a oportunidade de visitar algumas vezes. Também nos mostra muita da influência portuguesa na cultura popular brasileira. Foi interessante "descobrir" que o repente/desafio muito provavelmente chegou até nós via Portugal. No verão, os bailes não são exclusividade do interior. Participei de alguns em Lisboa - começam assim que anoitece e são muito democráticos. Todo mundo dança com todo mundo. É comum ver jovens dançando com senhoras de mais idade etc. Apreciei o que imagino ter sido o conteúdo ficcional da fita: a questão do incesto revelou a malícia dos portugueses e teve um desfecho tocante. Enfim, "Aquele querido mês de agosto" foi um dos melhores filmes que vi em 2009. Marlene Elias Ferreira - Rio de Janeiro - Brasil.

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