O Festival do Cinema Francês em Porto Alegre está apresentando 10 filmes. A Vênus Negra passa hoje às 17 h na sala 8 do Artplex. A Vênus Negra choca e denuncia a exploração de Saartjie (Yahima Torres) a mulher negra, que viveu na África, teve um companheiro e um filho. Foi aliciada pelo patrão, um explorador branco que a levou para a Inglaterra para exibí-la como um animal feroz em espetáculo grotesco. Saartjie sai de uma jaula, é uma mulher-fera, amarrada pelo pescoço, treinada por seu domador. Abdellatif Kechiche, o diretor, denuncia o racismo e o preconceito do branco em relação ao negro, nas sociedades inglesas e francesas. Um comportamento tão bárbaro e cruel, que em tudo se assemelha ao tratamento que o senhor reserva aos escravos no período escravista brasileiro. Abdellatif revela a podridão existente em sociedades que se consideram cultas e civilizadas, como a parisiense e londrina do século XIX. A Vênus Negra mostra o lado escuro, mesquinho e decadente de um povo que considera a mulher negra como uma coisa. Nas apresentações Saartjie tem seu corpo exibido como um objeto, em tempo real. Para o espectador, um minuto de mal estar parece durar meses. Todos se deliciam com o espetáculo de voyerismo em que Saartjie é exibida como a Vênus de Hotentote. O primeiro patrão é questionado na justiça por seu espetáculo degradante, mas a própria Saartjie o libera, afirmando que é uma atriz, que não é explorada. A alienação e a passividade de Saartjie espantam e exasperam. Após ser submetida às maiores barbáries e sevícias, muda, apenas pronuncia duas palavras: " Sim, senhor", "obrigada senhor". Como escrava, é vendida ao Museu de Medicina da Real Universidade de Paris. A Academia de Medicina consegue o direito de explorar seu corpo. O escândalo se agrava, médicos divulgam teses pseudo científicas, em que propalam por antecipação a inferioridade de Saartjie e sua semelhança com um orongotango. Vigoram as teses evolucionistas e cientificistas. A exibição pública do corpo da Vênus Negra para médicos e artistas é vergonhosa e repugnante. Em alguns momentos parece que o diretor abusa das cenas que mostram o voyerismo e a exploração, como se o espetáculo também fosse para seu próprio gozo. Saartjie, em um derradeiro gesto de recato não permite a visão mais íntima de seu corpo. Artistas da Academia a retratam e medem em cada centímetro. E eu que apresentei um trabalho em um Encontro de História sobre a "Visão do feminino, por artistas franceses, no Brasil do século XIX"!? Algumas imagens de pinturas são semelhantes aos retratos de Saartjie, mas podem esconder situações de exploração das modelos pelos próprios artistas. Estou perplexa, não tinha pensado nessa possibilidade. Se você não pensar, é a captação de um momento belo e sublime. Precisamos aprender a ver além das aparências... Embora a situação de Saartjie seja de escravidão e exploração sexual, seus algozes propalam que é uma artista e está ali por livre vontade. E mais uma vez Saartjie é vendida para um segundo explorador que apimenta o espetáculo, distorcendo a situação, como se ela sentisse prazer em ser tocada por uma fila de mãos e dedos imundos. Venham: - "Touchez, donnez-le le plaisir". Clímax do espetáculo, ele monta em Saartjie, como o domador monta no cavalo vencido, e ainda convida as velhas desavergonhas, com uma das tetas de fora, a fazer o mesmo. Detalhe, teta murcha e enrugada, que nojo! : - '' Venham senhoras, toquem nela, dêem-lhe o prazer"! Suprema humilhação! Poucas vezes vi cenas mais chocantes no cinema! Ainda a suprema ironia, após sua morte, mais uma vez seu corpo é vendido. Vergonha! Os bárbaros médicos do Museu da Academia Real de Medicina conseguem realizar o sonho de profanar as partes mais íntimas do corpo de Saartjie! Ela é cortada, retalhada, medida e exposta à execração pública! Mulheres chorem e lamentem pela vergonha!!! O corpo de Saartjie foi devolvido e está enterrado na África desde 2002.
terça-feira, 14 de junho de 2011
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