domingo, 7 de abril de 2013

Thérèse D.

Se ser feminista é rebelar-se contra a dominação masculina, então Thérèse foi uma das primeiras mulheres feministas.  Se confundiu tudo, antes de mais nada, é preciso dizer que a grande vítima foi ela própria.
Thérèse foi o último filme de Claude Miller, falecido em 2012. O romance de François  Mauriac foi publicado em 1927. Depois, Emanuelle Riva viveu duas vezes a personagem. Em 1962, no filme de George Franjou e em 1966 em La Fin de la Nuit, de Albert Riéra.  
O romance é baseado em uma história verdadeira. Em 1905, Henriette Canaby foi acusada
de envenenar o marido Émile Canaby, com gotas de aconitina.
Thérèse vive um tempo de submissão feminina. No filme, a mulher é propriedade do homem, tanto quanto os bosques de pinheiro, que aumentaram o patrimônio da família Desqueyroux. Thérèse é forte. Deseja a libertade. Aquele marido rude, que não se importa com ela, que apenas caça por diversão, que só faz o que está escrito nas convenções sociais, tudo aquilo a exaspera. Mas, na França do início do século, às mulheres é reservado o doce recanto do lar, sob o domínio e o poder do pater familias.
O marido faz tudo para manter as aparências. E aí se articula o crime maior. Thérèse não possui interlocutores. Uma única vez conversa com outro homem, o namorado de sua cunhada. Mas ele deseja divertir-se, enquanto a jovem morre de amores. Porém, é esclarecido o suficiente para saber da condição de submissão de Thérèse. Depois, ela não fala com mais ninguém. Nem sequer tem a oportunidade de trair o marido. Nunca teve uma grande paixão. Não se comunica. Não fala. Atinge o seu limite. Não sabe se pensa, ou o que pensa. Não sabe o que fazer. O marido, involuntariamente, lhe sugere a idéia macabra das gotas de aconitina. Gilles Lelouche vive o marido - Bernard Desqueyroux -  o homem mais medíocre, grosseiro e pobre de espírito que você possa imaginar. Para completar, é dominado pela mãe. 
O filme discute a questão da propriedade e da mulher como objeto. Discute o cinismo da burguesia. No início, vemos a paisagem de pinheiros, fechada, sem saída, sem luz, obscura como a vida de Thérèse. Sentimos um tremor só de pensar o que nos espera. E  as notas de Schubert enlouquecem o espectador. Com certeza o filme é belíssimo. Pontuado. História contada com perfeição.
A violência da burguesia recai sobre os desajustados e rebeldes. Na família Desqueyroux, a mulher é desqualificada como ser moral. Para Bernard e sua família a indiferença corresponde a um estado de espírito em que a impiedade não é reconhecida como tal. Façam o que façam com Thérèse, não importa. Bernard e sua família estão alheados. Além da hostilidade e perseguição, a mulher não é percebida como um ser autônomo - parceiro na obediência a leis partilhadas; como alguém que deve ser respeitado - mas sim, como propriedade privada. E que, neste caso extremo deve ser destruída. 
Assim, o marido, consciente ou não, inicia seu processo de vingança. Audrey Tatou é soberba para revelar a tensão da personagem, e a forma como vai sendo abatida, aos poucos...
Porém surge a dúvida. Bernard seria um personagem contraditório? O diretor deixa algo no ar... Ele ainda sente alguma coisa por Thérèse? Ou quer, de fato, livrar a família da vergonha de ter que admitir que sua mulher tentou matá-lo? Age somente em nome da família e das aparências?
Thérèse livrou-se da acusação porque o marido testemunhou em seu favor...
 

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