domingo, 15 de dezembro de 2013

Um Toque de Pecado

"Um toque de Pecado", de  Jia Zhang-ke, é filme para ser levado à sério. O tema é forte e surpreendente. Tudo é muito depressivo e sem esperanças. A crítica ao sistema capitalista que toma conta da China seria responsável por tanta violência? Muito provavelmente não, a China sempre foi um país violento. E violência por violência, sempre ouço o Luiz Carlos Merten dizer que Porto Alegre é uma das cidades mais violentas do Brasil. E os porto-alegrenses adoram o seu Portinho violento... Meus amigos me perguntam porque vou assistir a filmes violentos? Suporto a violência na tela, na vida real, Deus me livre! E sabem de uma coisa? Adorei o filme de Jia Zhang-ke. Sei que a cultura chinesa é diferente da nossa. Eles são dramáticos, reservados e  violentos. Porém, em cada caso, entendemos as razões.
As quatro histórias são paralelas, não existem heróis, mas seres enigmáticos, que sofrem muito e se comunicam muito pouco. No decorrer das histórias, as pessoas quase não falam umas com as outras. A não ser sobre contratos de trabalho ou obrigações familiares.
A primeira história começa com um motoqueiro, que ao ser atacado por ladrões descarrega sua pistola, mata a todos, friamente,  um por um. Depois vai para casa e não acontece nada... A não ser que seu filho e sua mulher, ao que parece, estão melhor sem ele...Não existe punição para as mortes e assassinatos...Por antecipação todos já estão no esquecimento... Embora as histórias tenham sido inspiradas na crônica policial.
A segunda, mostra o homem de meia idade, sem mulher, infeliz, fumante. Aliás todos fumam, no filme, do garoto de 18 anos até o mais velho da comunidade. Na China devem ser altíssimas as estatísticas de mortes por câncer de pulmão! Um horror!
O senhor fumante revolta-se contra o administrador da aldeia, que vende uma fábrica, promete 40% dos lucros para a comunidade e fica com o dinheiro. O cenário de fundo mostra um povo oprimido, com medo do regime totalitário, que se mistura ao capitalismo selvagem. A qualquer momento, qualquer um podem ser revistado ou preso. Cheio de ódio, não sem antes ter apanhado muito com um taco de golfe, o homem se revolta. Faz justiça com as próprias mãos e sai ensanguentando a tela. Vai matando, vai matando e o  espectador, ali, frio e insensível. A música é tênue. Jia Zhang-ke não deseja "pegar" o espectador pela emoção.
O diretor mostra personagens que perdem suas raízes. Quando voltam para casa, a casa não é mais a casa. A mãe já não é mais a mãe. Tudo está diferente, e é preciso partir novamente, em busca de quê? Nenhum dos personagens sabe o que busca.
A história dramática que deu o que falar é a da jovem chinesa, uma verdadeira boneca, com pele de porcelana. Trabalha na recepção de uma sauna e é confundida com uma prostituta. Na China se é que estou com um mínimo de razão, as mulheres têm sido humilhadas e exploradas pelos homens há séculos. Libertação feminina deve ser tema recente, imagino. Enfim, a bela apanha do cretino com uma maço de notas de dinheiro! Como não vibrar com a explosão de violência da jovem com seu punhal? Você lembra o pacato professor universitário, interpretado por Dustin Hoffman, em "Sob o Domínio do Medo", de Sam Peckinpah? Quando a violência escapa a qualquer controle?
Até poderíamos fazer uma analogia entre a violência de Jia Zhang-ke e a de Sam Peckinpahn, com a diferença que em Peckinpah, os personagens femininos sempre foram negativos e odiados. Jia faz de sua personagem uma deusa do ódio e da violência! É ela, a mulher,  trágica e desgarrada,  que vaga pelas estradas vazias e escuras, ao longo de rochas encarpadas.
Finalmente a mais triste das histórias, mostra o jovem  esquecido e incompreendido, vítima de um sistema que explora a todos. Vocês notaram como funcionam as fábricas, cujos produtos "Made in China" são vendidos para o mundo inteiro? E que nós compramos a todo momento?
Enfim se o corpo que cai já não surprende o espectador, pelo menos chegamos ao momento de catarse, quando o criminoso que diariamente bate em seu cavalo é abatido com um tiro certeiro! Ao pobre bicho resta voltar sozinho para casa...
 
 

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