sábado, 23 de maio de 2009

KATYN

Katyn é imperdível. O filme do diretor polonês Andrzej Wajda finalmente estréia em Porto Alegre, depois que o resto do Brasil o viu há bastante tempo.

O espetáculo é tenso, dramático e belíssimo. Wajda conta a história do massacre dos oficiais poloneses na floresta de Katyn. É baseado no livro Post Mortem – The Story of Katyn, de Andrzej Mulbarcyk.

Em 1939, a Polônia foi invadida por alemães e soviéticos. Hitler concedeu uma parte do território para a ocupação soviética. Alguns meses depois, por ordem de Stalin a polícia secreta soviética massacrou entre 15.000 e 25.000 prisioneiros. Alguns anos depois foi descoberto um ossário coletivo dos mais impressionantes, na floresta de Katyn. A esses crimes bárbaros foi acrescentado o massacre coletivo de 15.000 prisioneiros afogados no Mar Branco. O plano era assassinar em massa os poloneses vencidos, oficiais e soldados.

Wajda tinha uma dívida de honra para com seu pai, morto nos campos de Katyn. Reuniu muita documentação e fez um grande filme contando esse verdadeiro crime contra a humanidade.

O material reunido sobre o massacre impressiona. Os despojos dos soldados foram reunidos e catalogados. Ao folhearmos o livro de Andrzej Wajda, vemos fileiras de botões, medalhas e pequenos objetos dos soldados. Antes de assistirmos ao filme sentimos a brutalidade e a tristeza desmedida do massacre. O diretor não dá um segundo de trégua ao espectador.

Desde o início o filme se destaca, não é uma película qualquer. Observe a fotografia impecável, a recriação dos anos 30, da Polônia em guerra. Ouça a música dramática de Penderecki, que martela nossos ouvidos com insistência. Observe as cores entre esverdeados, marrons e ocres. A roupa das mulheres que buscam seus entes queridos, como o tailleur de Róza (Danuta Stenka) - a mulher do General (Jan Englert) -, azul, com a saia comprida, os olhos verdes, a boca pintada de vermelho, fazem uma recriação perfeita de época. Ou o penteado da irmã de Piotr, Agnieszka, (Magdalena Cielecka) com sua trança loira, saia quadriculada, grossas meias, botas, casaco bege e bolsa a tiracolo. Estes detalhes sutis valorizam extremamente o filme. As casas antigas com o tom bege claro, esverdeado, a pintura gasta, e o estilo eclético parecem coisas familiares. Não vivemos na Polônia, não a conhecemos, mas tudo nos parece tão familiar!

O inverno, as ruas tristonhas, o tom acinzentado da atmosfera, o céu de nuvens carregadas, o frio, a neve, a neblina, as árvores esgalhadas. Uma paisagem que chora por antecipação.

Antes do filme iniciar vemos um céu tormentoso, de nuvens escuras que se movimentam rápido. É um presságio do horror que irá acontecer.

No início vemos Anna (Maja Ostaszewska) e sua filha Weronica, “Nika” (
Wiktoria Gaziewska) procurando pelo marido Andrzej (Artur Zmijewski), um oficial do exército polonês, que é preso pelos soviéticos, juntamente com outros companheiros. Quando o encontram pedem que ele volte para casa, mas Andrzej responde que tem um dever perante sua pátria e o exército. Ela insiste, diz que ele tem um dever para com a família, inútil, Andrzej não foge ao seu destino.

A farsa vem à tona em 1943, quando os alemães descobrem o massacre, que tinha acontecido em uma floresta de abetos, a Floresta de Katyn, perto do Rio Dnieper, próximo à Smolensk, na Rússia. Wajda mostra a montagem da farsa, como aconteceu em muitos regimes totalitários. Os familiares não tinham acesso aos pertences de seus mortos, não recebiam cartas dos parentes desde 1940. Ou, quando recebiam notícias, as missivas passavam pela censura e eram alteradas.

O filme de Wajda pode parecer um documentário. Cenas verdadeiras, em preto e branco, dos corpos amontoados, na floresta fria, na paisagem branca pela neve entremeiam as cenas coloridas.

Quando a grande vala comum foi descoberta e os corpos desenterrados surgiram os documentos que faltavam. Centenas de cartas, cartões e diários, com data posterior a 1940 foram resgatados. Andrzej fazia anotações diárias. Nem os oficias poloneses compreendiam aquela situação absurda. Não tinham a menor idéia para onde eram levados e qual seria o seu destino.

Vemos, Andrzej e seu amigo, o Tenente Jersy (Andrzej Chyra), conversarem preocupados. O amigo lhe presenteia com um pulôver com seu nome. Quando Andrzej é assassinado vestia o pulôver, é confundido com Jersy, que retorna à Polônia. Para sobreviver é obrigado a colaborar com os soviéticos. É Jersy que afirma, precisamos perdoar, precisamos viver... Mas a dor de saber que seus companheiros tinham sido assassinados e que ele, um oficial polonês que amava a pátria, tinha que colaborar com o inimigo, faz com que não suporte a pressão. Um tiro na cabeça, e termina com a própria vida. Nessa hora tudo é rápido, o corpo desaparece em segundos, recolhido pela polícia.

Se existem dois minutos de felicidade estes são curtos e o resultado é rápido e brutal. Wajda o senhor lúcido de 83 anos sabe o que precisa mostrar para o mundo.

A história é contada através da visão de muitas mulheres que perderam seus entes queridos. Repentinamente Anna vê seu sobrinho, Tadeusz, “Tadzio”, (Antoni Pawlicki). O jovem é lindo e tem um sorriso cativante. O elenco foi escolhido a dedo pelo sábio diretor, cada um é mais bonito que o outro. Tadzio quer se inscrever na Academia de Belas Artes, onde encontra a diretora, mais uma polonesa colaboracionista. Coloca em seu currículo o nome de seu pai, um oficial morto em Katyn. A diretora deseja aceitá-lo como aluno, mas ele deverá retificar seu currículo. Tadzio afirma que currículo é um só. Cheio de ódio rasga o cartaz de propaganda soviética. É perseguido pela polícia. Ewa (Agnieszka Kawiorska), a jovem estudante o salva. No terraço da cobertura os dois se sentem protegidos e ficam juntos alguns minutos. Isso é tudo, as promessas dos jovens e seus sonhos são destruídos no minuto seguinte. Tadeusz é atropelado pelo jipe da polícia. Sangue, dor e lágrimas são tudo o resta. A jovem não vê o assassinato e acalenta sonhos de amor...

Agnieszka, a irmã de Piotr, insiste em colocar uma lápide na igreja, com o nome do irmão assassinado. É espionada. Teima em colocar a lápide no cemitério, é levada para interrogatório. Não se intimida com o opressor, é presa e a lápide com o nome do irmão é destruída.

Mas o soco no estômago ainda está por vir. Aliás, não assistam ao filme depois do almoço, não comam demais e não bebam antes de ver este filme. Ficarão mal se fizerem isso.

Andrzej Wajda costura a sua história e não termina sem mostrar o que realmente aconteceu. Os oficias são levados em camburões para a floresta. As valas já estão abertas. Alguns pressentem o que acontecerá. Outros rezam incrédulos. Os oficiais são abatidos um a um, o General, Andrzej, Piotr e seus companheiros. O vento vira as folhas amarelas do diário, interrompido no dia da execução de Andrzej.

Os carrascos se reúnem em turmas de três. Dois apertam o prisioneiro e dobram seus braços para trás, enquanto o terceiro, de costas passa uma fina corda em seu pescoço, que terminará amarrando junto os pulsos. O terceiro só faz dar o tiro certeiro na nuca. É como uma matança de gado em matadouro, onde corre muito sangue. Pinga muito sangue no chão. As botas dos carrascos ficam encharcadas com o líquido espesso e vermelho. Jogam água no piso para clarear o sangue vermelho. Os corpos são atirados em uma calha, jogados para cima e dali caem na grande vala. É um horror o som deles, batendo no fundo, uns contra os outros..

Uma tombadeira cobre com terra e lama o crime contra a humanidade. Só vemos o rosário, que pende da mão do Tenente Piotr. A terra some com tudo, vem rolando, vem enchendo, vem encobrindo a vergonha das vergonhas.

O tiro na cabeça é a moda nazista, como já falei outro dia. Não precisa ter vivido nos anos 40 na Polônia para conhecê-lo. É rápido, é brutal e nos horroriza sempre. Em algumas execuções a parede ao fundo fica suja, o sangue esguicha e escorre pela parede.

Wajda encerra tudo com o silêncio, um silêncio que dilata o tempo e dura uma eternidade. Ouvimos um canto de réquiem. Nada na tela, apenas o silêncio de uma dor que é compartilhada por todos.

Saímos da sala de cinema em um silêncio mortal, a dor na garganta vem muito devagar. Vejo o sr. Jacob Wajda abraçando o filho, Andrzej.

- Sr. Wajda não se preocupe em sonhar com o abraço do pai, ele está em paz.

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