domingo, 2 de maio de 2010

Alice no País das Maravilhas

É muito bom assistir o filme de Tim Burton. Acho que a expectativa e a publicidade em torno do filme são justificadas. A história original de Charles Lutwidge Dodson, pseudônimo de Lewis Carroll foi modificada pelo diretor, que se superou. Alice é um filme muito bonito e muito menos opressivo do que muitos outros de Tim Burton. Desta vez ele não abusou dos cenários opressivos, das florestas fantasmagóricas, das árvores e galhos tortuosos, das cores escuras, da neblina e do azul escuro. "Alice no País das Maravilhas" tem mais luz, cores e criatividade. É claro que as florestas azuladas, as árvores e galhos retorcidos continuam ameaçando, mas temos cenas belíssimas, que parecem ter sido inspiradas em Escher ou ainda parece que Tim Burton resolveu colorir um cenário romano de Piranesi.

A história de Alice transformou-se em um clássico da literatura inglesa e suscitou muitas interpretações à luz da psicanálise. Como a original, a Alice de Burton é dirigida para uma platéia de adultos e outra de crianças. Ou ainda, para aqueles adultos que não aproveitaram a história no seu tempo devido e, antes que seja tarde demais, se deliciam com Alice e seus amigos.

Muitos aspectos psicológicos aparecem na história que Carroll dedicou a uma menina de 10 anos. Ele era pedófilo? Teria.... A história da foto da menina - de arrepiar os cabelos - é verdadeira?

Enfim, Alice que era uma menina de 8 anos na história original, agora tem 17. Mas, ainda é uma adolescente que não sabe o quer. Cai em um buraco e vive uma outra vida embaixo da terra, com muitas aventuras num mundo dominado pela Rainha de Copas. Através de aspectos simbólicos essa vivência permitirá o seu rito de passagem da adolescência para a vida adulta.

O melhor exemplo que Alice (Mia Wasikowska) leva para a maturidade é a boa lembrança do pai, o homem sensível que a comprendia e aconselhava, dizendo-lhe que a melhor maneira de enfrentar o impossível é acreditar que é possível.

Entre as aventuras e aspectos simbólicos da história original, Burton destaca algumas falas que podem nos tornar um pouco mais felizes e menos culpados. Quando Alice conversa com o Chapeleiro (Johnny Deep) ele se queixa, que não sabe bem se é louco ou desmiolado. Alice diz que ele é mesmo um doido, e que seu pai dizia que essas são as melhores pessoas.

Assim, quer dizer, as pessoas para quem os outros dirigem um olhar consternado, quando ficam sabendo as loucuras que cometeram; de fato, são as melhores pessoas e não são de forma alguma, piores que as outras, são diferentes. Esses desmiolados Chapeleiros da vida recebem olhares acusadores e abismados, são censurados injustamente. É preciso aceitar que um dia elas poderão perder ou esquecer as chaves da casa, e por esse motivo ficarão sentadas no corredor do prédio na madrugada. De fato um dia elas poderão ficar encerradas entre a porta principal e a grade que deveria protegê-las. Dormirão no hotel por terem esquecido as chaves da casa no trabalho. Ou, comprarão duas vezes o ingresso para o cinema, para a mesma sessão, simplesmente porque o perderam. Ou ainda, essas pessoas errarão o endereço do velório da amiga, ou terão que chamar os bombeiros para arrombar a casa, pois esquecerão a chave lá dentro, e - com um bebê no colo - não conseguirão entrar de volta! Os bombeiros, não menos desmiolados, procurarão em vão o bebê dentro de casa! Atenderão ao chamado pensando que o bebê estará preso dentro de casa! Essas criaturas desatentas são como o Chapeleiro, simplesmentes desatentas. Se for verdadeiro o que o pai de Alice diz, então elas são as melhores pessoas! Acreditem! Apenas são diferentes, como fala a menina para o Chapeleiro.

Alice não sabe bem quem é, não entende seus sentimentos. Quase fica noiva de um jovem com quem não possui a menor afinidade. No susto, sai correndo atrás do Coelho Branco e cai num buraco, num mundo onde a lógica está de cabeça para baixo. Cai no reinado da Rainha de Copas, uma anã minúscula e autoritária, com uma cabeça enorme que só sabe dizer: "Cortem-lhe a cabeça". A rainha é interpretada pela mulher de Tim Burton, Helena Carter. De seu rosto a expressividade está nos olhos, surpresos ou cheios de ódio dos subalternos. Como se fosse possível, a boca é um pequenino coração.

A lógica do absurdo confere traços surrealistas à história de Carroll. A diferença de estatura de Alice - ora fica muito grande, ora muito pequena - representa a insegurança da personagem quanto à própria identidade. Nessa hora, nota-se a beleza do figurino, que parece virou moda neste inverno.

Os personagens são insólitos e divertidos. O Gato de Cheshire - com uma boca cheia de dentes iguais e nenhum canino - torna-se feio e irreal, mas é querido e amado! E o melhor, consegue ficar invisível na hora certa. Tweedlede e o Tweedledum - os irmãos gêmeos - são engraçados, só dizem bobagens, iguaizinhos.

Contra a vontade, o fiel cachorro Bayard sai à caça de Alice. Sua mulher e filhotes estão sob custódia dos asseclas da Rainha. E a Rata mal humorada salva nossa heroína na hora certa. Fura o olho do monstro, embora viva dizendo que Alice não é a verdadeira. Quando aquele peso de toneladas cai sobre a menina, seu medo é o maior do mundo. É isso que Alice precisa enfrentar para crescer, seus próprios medos. Os nossos medos são de meter medo não é verdade?

Nossa heroína vence seus próprios fantasmas, dorme na casa de Capituranda, e lhe devolve o olho arrancado pela Rata. O bichão passa a ver o mundo literalmente com outros olhos e se transforma na cachorrinha de estimação de Alice, em sua melhor amiga. Lambe e cura as feridas da menina. Alice pula no lombo do monstro e sai a enfrentar o mundo.

Absolem a lagarta azul é voz da sensatez. Alerta para o que está escrito no Oráculo. A jovem deverá enfrentar o pior dos inimigos, o Jaguarte (Jabberwocky). A cena de preparo para a batalha é como um desenho de Escher, simétrico e fechado em si mesmo. De um lado Alice montada em Capituranda e do outro, o exército da Rainha, o Valete de Copas e Jaguarte. As ruínas greco romanas lembram Piranesi. Corajosa, investida da indumentária e da coragem de uma Joana d'Arc, Alice corta a cabeça do monstro, que rola pesada pelos degraus da escada.

Através de Absolem, ela descobre que lágrimas não vencem batalhas, mas sim, muita coragem para lutar e vencer. A adolescente passa a ver o mundo sob outra perspectiva. Consegue devolver o reinado à Rainha Branca (Anne Hathaway), irmã da Rainha de Copas.

Como é uma história do bem contra o mal, a ordem é restabelecida e a Rainha é punida. Seu amante e guardião , o Valete de Copas é condenado a ficar junto com ela, na prisão, o resto de seus dias. Ele prefere a morte! Hi, hi, hi... O safado desejava seduzir Alice, que nem o autor? A Rainha destruída descobre a falsidade de sua corte. Os que a rodeiam, a cobrem de mentiras, cheios de narizes postiços, barrigas e orelhas falsas. Cuide você também daqueles que são apenas falsidade e bajulação.

Alice descobre que não chegou ao País das Maravilhas. Constata que é desnecessário dar um beliscão em si mesma para acordar e fugir do pesadelo. Enfrentou seus monstros, cresceu e encontrou a paz. Não precisa chorar, como bem fala Absolem. Lágrimas nunca venceram batalhas. Alice pode voltar à cena do noivado e falar para todos o que deseja para si mesma. Tranquiliza a mãe e lhe diz: "Não se preocupe, encontrarei algo de útil para fazer com minha vida".


Um comentário: