terça-feira, 5 de maio de 2009

O VISITANTE

O filme “O Visitante” é um dos melhores de 2009, em Porto Alegre, até o momento. Richard Jenkins foi indicado ao Oscar por sua atuação. Ele interpreta um professor universitário cansado da mesmice da vida acadêmica. Walter Vale (Richard Jenkins) é um professor de meia idade, viúvo, que tem sua vida transformada com a chegada do casal de imigrantes ilegais, que alugou - como? - o apartamento de sua propriedade.

Vale a pena observar a composição do plano cinematográfico, na sequência de cenas. A composição é clássica, e cada plano é elaborado com cuidado e perfeição. Os planos médios, os closes, as composições com a linha diagonal e as composições simétricas são verdadeiras obras de tarde. A fotografia de Oliver Bokelberg possui um tom sombrio, até para revelar o lado triste e solitário da vida do professor. O uso da cor é belíssimo. Destacam-se as cenas com azuis, brancos, amarelos e tons de vermelho que transformam até o prédio da prisão em uma obra de arte. Mouna Khalil (Hiam Abbas) afirma que aquilo não parecia uma prisão. Vale diz que era essa a intenção dos americanos. Mas a prisão não tinha sequer um pátio para os prisioneiros tomarem sol, apenas uma sala sem teto.

O diretor quis valorizar uma nova estética, uma nova beleza feminina, que não é a do modelo veiculado no ocidente. Há uma cena em que as duas mulheres Mouna Khalil e Zainab (Danai Jekesai Gurira) estão sentadas em uma mesa de bar, frente a frente, em uma composição simétrica, com um pôster ao fundo que mostra uma competição à vela. A cena é belíssima, as duas mulheres possuem outro tipo de beleza. Zainab é uma africana, do Senegal, possui os lábios grossos e o cabelo muito curto, revelando o formato da cabeça. Mouna possui um tipo de beleza muito particular. É impressionante a força interior que a atriz transmite a seus personagens. Já nos encantamos com Hiam em “Lemon Tree” e agora. Ela é uma mulher morena, alta com cabelos muito escuros, encaracolados e um pouco despenteados. Seu olhar é extremamente penetrante. O rosto de Mouna possui rugas, coisa que as mulheres ocidentais fazem de tudo para esconder. Não há como não ficar embasbacada perante essa nova mulher. E mais, ela quase não sorri, e quando o faz, revela dentes imperfeitos, mas permanece bela!

O diretor Thomas McCarthy dá as informações sobre o professor, aos poucos. Desta vez não nos preocupamos muito com a forma como o diretor trata a política de imigração nos Estados Unidos. Os aspectos psicológicos se transformam no cerne do filme, e mostram como o professor se abre para uma transformação. Muitos acharam ingênua a forma como MacCharty trata o problema da imigração ilegal após 11 de setembro.

Interessa observar como o professor vive de forma rígida e solitária, e como está em busca de um novo sentido para sua vida. A universidade não lhe provoca mais nenhum frisson. Há vinte anos repete as mesmas aulas e muda apenas o último dígito da data, em seus programas de disciplinas. Nem sequer digita e imprime a página novamente, passa um corretivo por cima do número. Poucas pessoas na idade de Walter Vale estão abertas para novas experiências e isso é um aspecto positivo em sua personalidade. É preciso uma boa dose de coragem para transgredir as próprias limitações e o professor encara o desafio.

O início mostra a primeira tentativa de Walter. Ele tenta aprender piano, que era especialidade de sua mulher. A professora é uma rígida senhora que o trata como criança. Vale não consegue, mas a professora insiste. Ele deverá manter os dedos dobrados, como se fosse passar um trem por baixo. Só faltou a insensível professora bater nos dedos de Vale quando ele errava. A minha professora Maria Teresa, quando eu errava, e eu errava muito, batia com os meus dedos no piano. Na época doía muito, acho que doía mais na alma. Walter Vale, no piano, como eu foi um fracasso e ainda teve que ouvir isso da professora. Ela achava que o instrumento musical ficaria melhor em sua casa.

Quando o imigrante sírio Tarek (Haaz Sleiman) e sua mulher, a senegalesa Zainab entram em sua vida os interesses mudam. Depois do grande susto inicial, quando ele encontra o casal morando em seu apartamento, em Manhattan, Vale sente-se irresistivelmente atraído pela música de Tarek. Este se revela uma pessoa sensível, capaz de compreender os anseios do professor. Desencadeia as transformações. Mesmo assim, quando Vale acompanha Tarek em suas andanças musicais, evita ser visto com o casal de imigrantes. Preocupa-se com o que os outros vão dizer. Como se para os americanos ele estivesse pisando em território pantanoso, logo ele, um professor universitário, que participa de congressos.

Quando o incidente com a polícia resulta na prisão de Tarek, o professor se transforma no visitante. É o único que tem passe livre para ir e vir, como Harrison Ford, o policial de Território Restrito. Vale pode entrar e sair da prisão. É o elo de união entre Tarek e a vida. Inúmeras vezes vemos o professor virando o rosto para conceder a Tarek um mínimo de privacidade, enquanto este lê as cartas colocadas junto ao vidro que os separa.

Mouna, a mãe de Tarek surge no filme não apenas para auxiliar o filho, mas para iluminar a vida de Walter. Quando ela aceita a hospitalidade do professor a observamos, limpando a janela, tornando os vidros transparentes, deixando entrar mais luz no apartamento – a fotografia é mais clara nessa cena – e na vida do professor.

Walter consegue enfrentar seu maior desafio. Na prisão, em público, atende ao pedido de Tarek. Ali mesmo, no balcão, tamborila o ritmo musical que aprendeu.
Tarek e Mouna mexem com as estruturas de Vale. Agora ele pode libertar-se do atravancamento do piano e de tudo o mais. Se o professor se rebela quando fica sabendo do sumiço de Tarek, agora quem está liberto é ele. O outro Walter Vale, poderá viver uma nova vida, mais simples e plena. Poderá tocar seu instrumento muito alto, sentado em um banco, indiferente às pessoas e ao ruído dos trens em alta velocidade, embaixo da placa com letras brancas e fundo azul, onde se lê Broadway - Lafayette St.

Um comentário:

  1. Ah, esse eu assisti! Não havia notado todos os detalhes do plano cinematográfico, sua descrição é muito boa. Adorei os personagens, um filme marcante.

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