segunda-feira, 29 de junho de 2009

DESEJO E PERIGO

"Ele machuca o meu coração. Entra dentro de mim e deixa marcas em minha alma, como de uma cobra". Essas são as palavras de Mai Tai Tai, a jovem chinesa que se entrega a seu algoz acreditando estar servindo à pátria.

Ang Lee em Last Caution lança um olhar corrosivo e desencantado sobre seu país, durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Japão ocupou a China.

Wang Jiazhi (Wei Tang) é a jovem chinesa que entra para um grupo de resistência contra o governo chinês. Os jovens se encontram, para contracenar uma peça de teatro e decidem formar um grupo para eliminar alguns membros do poder, que dominam o país com mão de ferro. Eles se preocupam com o fato que consideravam um problema: eles, jovens intelectuais não matavam o bastante. Não participavam efetivamente da luta sangrenta. Wang infiltra-se na casa do chinês Mr. Yee (Tony Leung Chiu Wai) colaborador dos japoneses, como parte de um plano para matá-lo.

Ang Lee mostra os dois lados de uma mesma moeda, como afirmava o filósofo inglês Benjamin Disraeli. O grupo de jovens é imaturo e não menos corrompido que os membros do poder. Agem como se os meios justificassem os fins. A atitude dos jovens os avilta e corrompe tanto quanto eram corrompidos os membros do poder. Quando eles gritam, a China não sucumbirá! Não fazem a menor idéia do alto custo que aquilo irá representar para cada um.

Wang Jiazhi adquire uma identidade falsa, transforma-se em Mai Tai Tai, a esposa do jovem Auyang Ling Wen (Johnson Yuen), que assume a falsa identidade de Mr. Mak.

Ninguém conquista a simpatia do público, não nos identificamos com nenhum dos personagens, todos de uma forma ou outra são vilões.

Ang Lee faz sua homenagem ao cinema. Wang Jiazhi, artista e intelectual amava o cinema, seu passatempo predileto era assistir aos filmes com Ingrid Bergman, Cary Grant e Joan Fontaine. No cinema vemos os cartazes de Penny Serenade, um drama de 1941, de George Stevens.

O diretor faz o contraponto do maior interesse, entre as cenas em sociedade - quando Wang freqüenta a casa de Mr Yee-, as cenas de rua - onde todos se espreitam e se perseguem - e as cenas de cama, entre quatro paredes, onde não existe qualquer tipo de moral, tudo é devassidão. Messalina seria aprendiz de sexo com os chineses. Decameron é casto perto das cenas mostradas no filme, sequer poderia imaginar o que os chineses podiam fazer na cama. A grande preocupação da mídia é se as cenas são mera interpretação dos atores ou se são verdadeiras.

O décor da mansão de Mr. Yee é sofisticado. Ele surge como um homem contido, frio, de modos elegantes e bem educado. Seu harém é formado por belas mulheres, a esposa e as amigas, chinesas da alta sociedade - mulheres de pele bonita, lábios pintados, e vestidos caros. A aparência, os sorrisos, os olhares e os abraços, tudo é suavidade e beleza. Mulheres e homens fazem pose enquanto fumam. Aliás, fumar era extremamente elegante na época. Mai Tai Tai freqüenta a mansão. Seus gestos, sua silhueta feminina, seu vestido justo, com estamparia acetinada, as mãos delicadas movimentavam-se como se ela própria fosse uma obra de arte.

Tudo era uma casquinha, um verniz podre que se desmancha no quarto de hotel, quando Mr. Yee espera por ela, sentado numa cadeira dura, tal qual um lorde. O sexo entre o casal é brutal. As cenas são de submissão e sadismo. Ele rasga a roupa dela, submete-a. É um desamor, não existe amor naquilo, é paixão e sexo violento. E ainda para o cúmulo ele bate nela! Não dá para agüentar! Pior, como em qualquer relação entre vítima e carrasco, surge a dependência mútua. O sentimento de amor-ódio entre dominado e dominador. Vem à tona aquela atração fatal que destrói. Mai Tai Tai é ambígua. No fundo sente prazer naqueles sentimentos confusos de escravidão e sofrimento. Em uma relação sexual de humilhação, dor, paixão e submissão. E que para o espectador parece que não vai terminar, dura uma eternidade e causa tanto mal estar quanto o sexo de O Império dos Sentidos. Se Mai Tai Tai ama e odeia, que voz será a mais forte?

Constatamos o equívoco dos jovens quando Mai Tai Tai “treina”, a melhor forma para transformar-se na mulher fatal, que deverá atrair Mr. Yee. Ela faz seu treinamento transando com o colega. Começou aí a sessão de auto- humilhação e destruição. Mas as pessoas fazem o que querem, e ninguém obrigou Mai Tai Tai a fazer aquilo. Se ela faz um jogo perigoso de sedução e sensualidade, vai se envolvendo na teia tecida por si mesma.

Os jovens concretizam seus planos de morte em uma das cenas mais violentas. Um dos homens de Mr Yee descobre seus planos. O grupo toma a si o encargo de matá-lo a sangue frio. Ele é apunhalado muitas vezes e demora muito a morrer. Jorra o sangue vermelho, todos ficam manchados. O punhal é mais uma vez cravado nas costas do inimigo. A vítima olha fixo para seu assassino na hora da morte. O impacto da violência é terrível. Os jovens percebem o que fizeram. Mancharam suas mãos com sangue e caíram fundo no poço da violência e do crime. Quando o companheiro decide revelar seu amor à Mai Tai Tai é tarde demais.

Finalmente, para ela, a paixão louca por Mr. Yee fala mais alto e na hora decisiva Mai Tai Tai o alerta contra o perigo. Cai na armadilha montada por si mesma, sela sua própria destruição e dos amigos. Mr. Yee não precisou fazer muita coisa, fez o que sempre fez, comportou-se como um ditador sem honra, corrupto, sanguinário e autoritário. Afinal ele sempre foi assim e nunca deixou de sê-lo.

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