domingo, 19 de dezembro de 2010

Tetro

"Tetro", o novo filme de Francis Ford Coppola com certeza não merece os dois pontinhos que ganhou na cotação de Zero Hora. É muito mais que isso. "Tetro" é diferente de tudo que vi até hoje. O diretor ama Buenos Aires, La Boca e Palermo. Certíssimo, Buenos Aires é uma cidade envolvente, misteriosa e encantadora. Minha filha me disse que os idosos são bem tratados em Buenos Aires, melhor que no Brasil. Nossos irmãos argentinos são diferentes de nós. Coppola sabe disso, conhece o charme da cidade e a tradição literária dos argentinos.

Mas, "Tetro" possui apenas uma fraqueza, não é falado em espanhol, apenas algumas palavras. E o diretor não fez a menor menção ao tango, alma dos argentinos. Sei, talvez não quisesse cair no lugar comum. Mas ele, Coppola nunca cairia no lugar comum citando o tango.

"Tetro" é um filme denso e pesado. Trata-se da história trágica da família de Bennie (Alden Ehrenreich), o jovem de 18 anos, que chega a Buenos Aires em traje de marinheiro, como garçon de um navio. Vem em busca do irmão Ângelo.

Desde o início vemos uma Buenos Aires em preto e branco, verdadeira obra de arte. Os grandes diretores de cinema sabem o valor das nuances de luz e sombra no branco e preto. As cenas externas com iluminação focada em determinados pontos mostram o encanto da noite, os bares do bairro La Boca, uma descoberta da cidade, muito distante da visão produzida para turistas.
Bennie é um encanto, o próprio Coppola afirma que o garoto lembra Leonardo Di Caprio quando era menino (assisti à entrevista do diretor no programa do Jô). Verdade, o sorriso e a pureza do ator são irresistíveis. O irmão é o oposto. Não há como simpatizar com Ângelo (Vincent Gallo), por mais sofrido e trágico que seja o destino de seu personagem. Lembro de Vincent Gallo em "A Casa dos Espíritos", onde interpretava Esteban Garcia. O personagem marcou o ator, que por transferência passou a ser odiado (por mim, pelo menos), um Esteban representante da ditadura chilena.

Ângelo não quer mais ser Ângelo. Ao lado de Miranda (Maribel Verdú) tem uma nova vida e agora chama-se "Tetro". Mas os problemas não foram resolvidos, mudar de nome é simples formalidade, o que precisamos mudar é nosso interior. E Ângelo, ou "Tetro" continua o mesmo, amargurado, ressentido e cheio de ódio.

Bennie vem com doçura, em busca da história de vida, que lhe foi negada. Pouco sabe da mãe, do pai e da família. "Tetro" continua a negar-lhe amor e informações. Chama o companheiro de trabalho de irmão, enquanto nega esta simples referência a Bennie. As brigas e desavenças dentro de casa são marcadas pelas batidas das portas do antigo solar argentino. A porta pesada possui um enorme trinco que faz um estrondo quando fecha, separando o tempo de cada briga.
Aos poucos, secretamente, Bennie pesquisa o interior do irmão. Descobre seu talento e seus fracassos. Não entende, se "Tetro" é um artista, porque sente-se um fracassado por antecipação? Firme em seus propósitos, usa técnicas para ler a obra codificada do irmão. Os talentos de "Tetro" saltam aos olhos, como obras de arte, em criações escondidas de todos, como segredos de estado. O autor nega-se a publicá-las. Descobre também, que "Tetro" ao falar de seus personagens, está falando de si mesmo, e ele, Bennie, faz parte dessa história.

Tenta ajudar o irmão a superar seus traumas, publicando sua obra no Festival da Patagônia, onde a famosa Alone (Carmen Maura) é a figura mais importante. Como sempre a atriz está ótima, de óculos escuros à noite, com toda a sua cafonice, captada com muita sutileza pelo diretor.

"Tetro" mostra o grande drama do personagem -"Tetro"- cuja vida foi roubada pelo próprio pai, um famoso maestro, que esbanjava dinheiro sem nunca ajudar o filho. Para ajudar um filho não basta encher seus bolsos de dinheiro. Assim, o filme evidencia as grandes crises de identidade dos personagens, suas fraquezas e egoísmos. Nesse emaranhado de emoções circula Bennie. Tenta salvar o irmão pela arte, sem saber que ele próprio é a grande vítima do destino.
Maribel Verdú é Miranda, a terapeuta que apaixona-se pelo paciente. A atriz é convincente e adota Bennie como um filho em seu coração. Maribel foi indicada ao Prêmio Goya de Melhor Atriz. Preocupa-se quando o garoto inocente é obrigado a passar a noite em um hotel com duas mulheres experientes! no mesmo quarto! Quando bate à porta no dia seguinte, o garoto é um sorriso só, todo ensaboado!!! Única sequência leve no filme, duro, denso e pesado, mas uma verdadeira obra de arte.


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