Radu Mihaileanu dirige "O concerto", um dos melhores filmes de 2010. Mihaileanu é um cineasta judeu romeno radicado na França. O filme é baseado em texto de Héctor Cabello Reyes & Thierry Degrandi. Se a história é emocionante, a forma de contá-la é inteligente e bem humorada. O filme se passa na Rússia pós Brejnev. O diretor caracteriza os russos impiedosamente. É preciso dar um empurrão para se mexerem, são uma "mulas" segundo Olivier Duplessis, o diretor do Teatro Châtelet. Radu Mihaileanu diverte-se com o saudosismo dos senhores idosos e ultrapassados, pertencentes ao Partido Comunista. Na França, o Partido está tão decadente que precisará vender o belíssimo prédio projetado por Niemeyer.
Esses detalhes, porém, fazem parte da conjuntura do filme, pois o acontecimento central deu-se em 12 de junho de 1980, no dia do concerto do maestro Andrei Filipov. A solista era a grande violinista Léa Strum. No meio do espetáculo, Ivan Gravilov quebrou as batutas de Filipov e proibiu-o de exercer a profissão de maestro. No regime de Brejnev, o maestro foi reduzido à condição de faxineiro do teatro e os judeus foram perseguidos. Mas Filipov jamais abandonará sua grande paixão, a música. Intercepta um convite dirigido à Orquestra do Teatro Bolshoi para apresentar-se em Paris. Decide reorganizar a sua, em substituição à oficial. Afinal sua orquestra era muito melhor que a do Bolshoi!
Os preparativos para a partida incluem piadas em série sobre as dificuldades e desorganização dos russos. A falta de experiência para gerenciar o empreendimento faz com que Filipov tenha que se valer do mesmo homem que o humilhara em sua última apresentação, Ivan Gravilov. O encargo é aceito de imediato, mas ele leva na bagagem uma enorme bandeira do Partido Comunista...
Valeriy Barinov, que interpreta Gravilov está muito bom. Seu francês tem um sotaque russo carregado. Por isso mesmo é divertidíssima sua conversa ao telefone com o diretor do Châtelet. A Aliança Francesa deveria usar o filme sem legendas para fazer os testes de final de unidade. Seria mais fácil entender Gravilov, do que a gravação com aquela voz falando muito rápido. A platéia divertiu-se muito com os gags nos preparativos para a viagem. Entre outros tiveram que caminhar 7 km à pé, com bagagem para chegar ao aeroporto! Os franceses por sua vez, improvisaram um novo letreiro na entrada do restaurante Le Trou Normand - uma das exigências da troupe -, o verdadeiro deixara de existir há muito tempo!
O drama central está centrado na identidade da solista, Anne-Marie Jacquet, convidada por Filipov. Mélanie Laurent, a Shosanna de "Bastardos Inglórios", interpreta Anne-Marie. Filipov era fixado em Léa, a antiga solista que fora deportada para a Sibéria, em razão dos acontecimentos de 1980.
Irresponsavelmente os membros da orquestra se perdem em Paris, a cidade das luzes. Fazem de tudo menos comparecer ao ensaio. Sobram quatro para realizar o concerto. E Filipov não deixa por menos, apresentarão o Concerto de Tchaykovsky... Radu Mihaileanu pode ter se inspirado em Fellini que, em "Ensaio de Orquestra", mostra os músicos como pessoas egoístas e cheias de defeitos. Porém, quando pegam seus instrumentos, e começam a tocar, tornam-se divinas, parece que têm parte com Deus. Em "Concerto" acontece o mesmo, finalmente Filipov consegue mostrar seu brilho e talento. A música supera todas as mediocridades, eleva-se em plano superior realizando o desejo do maestro de voar até a harmonia suprema!
A sequência final é extremamente emocionante e agora o silêncio da platéia é sepulcral. Não há como conter as lágrimas... Se leigos se comportam assim, imagine o maestro Frederico Gerling. Com certeza teria se emocionado muito... E eu, com tristeza soube de sua morte neste momento...
Léa cujo grande desejo é conhecer o olhar de seus pais, poderá finalmente saber sua própria origem e identidade. Mélanie Laurent é uma atriz fora de série, parece que enxergamos sua aura. Passa uma espiritualidade e uma autenticidade tão grande a seus personagens que você precisa saber, se for um filme com Mélanie Laurent, corra e vá ao cinema, não importa o filme. Mas se for "Le Concert" serão muitas as razões para assistí-lo. Feliz Ano Novo!
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