segunda-feira, 19 de março de 2012

As mulheres do sexto andar (Les Femmes du 6ême étage).

Paris, a cidade das luzes, tem sim o seu lado obscuro. O historiador Alain Corbin pesquisou e publicou um livro sobre a história dos detritos e odores, "Le Miasme et la Jonquille". Suas pesquisas mostram que a evolução de Paris na direção da limpeza e do saneamento foi lenta. Em tempos não muito distantes havia um banheiro para cada dois apartamentos. O banho diário que brasileiros incorporaram da cultura indígena é bem mais difícil na Paris do anos 60.

O diretor Philippe Le Guay, faz um filme delicioso sobre as idiossincrasias do casal Jean-Louis Joubert (Fabrice Luchini) e Suzanne (Sandrine Kimberlain), que são relatadas com muito humor. A situação econômica da Espanha é difícil, as mulheres procuram emprego como domésticas em Paris. Assim, na casa de Joubert, no sexto andar, vivem as espanholas. Os franceses, cultos e civilizados ainda sofrem com as precárias condições de saneamento. Aliás, a bem da verdade, os patrões não tomam conhecimento dos problemas de encanamento, do esgoto entupido, justamente no sexto andar. É a força da tradição. Essa força é tão grande que permite a permanência das más condições de salubridade em pleno século XX. O filme explora o preconceito dos franceses em relação aos imigrantes latinos. E poderia ser pior, pois sabe-se que franceses sempre acharam que tudo o que fica a oeste dos Pirineus pertence à África.

Por isso tudo, o fedor de latrina entupida no sexto andar. Vaso sanitário para as espanholas? Nem pensar. A fossa é de louça branca e daquelas que as pessoas utilizam em pé ou de cócoras. No Brasil nunca vi disso. Na Bolívia sim, e a porta sem fechadura, fica balançando para lá e para cá! Acredite!

A diferença entre patrões é evidenciada pelo número do pavimento que ocupam. Proprietários nos primeiros andares, domésticas no sexto. Jean-Louis Joubert e Suzanne são proprietários. Vivem aquela vidinha de burguês, com agenda marcada diariamente para cada compromisso. Dias iguais, compromissos iguais, verdadeira mesmidade.

As espanholas do sexto andar dão um choque na vida do dono da casa. Jean-Louis fica fascinado por Maria (Natalia Verbeke), a nova empregada. E ela é verdadeiramente linda!

Parece um filme de Woody Allen, todo de interiores escuros, cores carregadas, mostrando o universo restrito, acanhado e sem vida do casal. É ela, Maria, uma das espanholas do sexto andar que vai desencadear o processo de libertação no patrão.

Cada uma delas é bem caracterizada. Maria, uma doce mulher, torna-se a razão de viver do patrão. Jean-Louis não desgruda os olhos dela. Vive e respira para Maria. Carmem Maura, a musa de Almodóvar é a mais velha. Deixou o marido na Espanha e mensalmente lhe envia dinheiro para a reforma da casa. Lola Duenas é uma agitadora comunista que não acredita na confraternização entre patrões e empregados. Lembra dela em "Mar Adentro"? A espanhola gorda é uma sentimental, morre de saudades da família. E a loura falsa faz qualquer negócio para conseguir um marido francês e mudar de vida.

Enfim, as espanholas latinas chegam ao sexto andar para ensinar o patrão a viver. É verdade, no início ele ainda insiste em repetir diariamente o ritual do café da manhã com o ovo cozido por exatamente três minutos e meio. Mas qual! O cotidiano medido pelos diversos cafés da manhã que assistimos é literalmente explodido. Não somente a paixão por Maria faz Jean-Louis subir para o sexto andar. O administrador da bolsa de valores quer ser ele mesmo, ter liberdade pelo menos uma vez na vida. Melhor ainda se for perto das espanholas!

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