quarta-feira, 15 de abril de 2009

TERRITÓRIO RESTRITO

Wayne Kramer é o diretor do filme Território Restrito. Kramer lança um olhar muito lúcido sobre os excessos cometidos pelos oficiais da polícia de imigração, dos Estados Unidos, em relação aos imigrantes clandestinos. Sabemos que diariamente brasileiros, uruguaios, paraguaios, peruanos, mexicanos e até chineses, australianos ou iraquianos “desposseídos” tentam por tudo entrar no país dos sonhos dourados, e sofrem humilhações e sofrimentos inimagináveis. Os imigrantes vindos de tão longe, fazem de tudo para naturalizar-se americanos. Isto sempre me causou uma forte impressão. Fico consternada perante essa situação.

Harrison Ford (Max Brogan) é o policial que trabalha na Imigração e repressão à entrada clandestina nos Estados Unidos. Não é sem razão que no colete dos policiais está escrito Imigration Ice, os oficiais cumprem sua missão de repressão e são frios como gelo.

Entretanto, o filme mostra o personagem de Harrison Ford (Max) como o único oficial da Imigração que sente compaixão pelos desesperados que tentam atravessar ilegalmente a fronteira. A perseguição aos imigrantes é como uma caça aos ratos, desumana e degradante. Fora do prédio onde os clandestinos se abrigam, os policiais se preparam e lançam o ataque. Max sempre fica para trás, parece indeciso em relação a seus valores; não sente vontade de continuar com aquilo.

Nessa situação ele encontra Mireya Sanchez (Alice Braga). Ela está acuada, feminina, graciosa como ela só, com uma bolsa pequenina, de onde tira o endereço e pede que seu algoz deixe-a partir, ou que procure seu filho. Max fica parado, cravado pela flecha do amor à primeira, e última vista. Bem que ele gostaria de ter feito vistas grossas e deixar a pequenina Mireya escondida atrás dos cabides de roupas. Mas seu colega, debochando, interrompe-o e pergunta se pretendia pedi-la em casamento. Existem momentos na vida de todos nós, dos quais nos arrependemos amargamente; perguntamo-nos porque agimos daquela forma. Com certeza, Max nunca mais esqueceu e deve ter-se arrependido pelo resto da vida, por não ter deixado Mireya passar.

O que Max tenta consertar não resolve, é tarde demais. Às vezes a felicidade pode bater à porta. As pessoas não deixam que ela entre e permanecem vivendo suas vidinhas medíocres. Assim era Max, que vivia a própria contradição. Tinha consciência da situação. Vivia obcecado por um enorme sentimento de culpa. E também era responsável pelo massacre diário dos imigrantes.

Kramer coloca no personagem todo o sentimento de culpa dos americanos em relação aos maus tratos que causam aos imigrantes clandestinos.

Nesse momento, me orgulho de ser brasileira, apesar de todos os nossos problemas, sei que não somos o país dos sonhos dourados, mas sei também que em muitos aspectos somos mais civilizados. Uma de minhas lembranças mais remotas foi quando atravessei a fronteira entre o Brasil e o Uruguai, simplesmente atravessando a rua. Livramento e Rivera, respectivamente são duas cidades, uma brasileira, outra uruguaia, unidas por uma rua. Atravessar a rua significava atravessar a fronteira, nada mais civilizado. Sei que na fronteira norte-americana a situação é outra. Mas, se até o muro de Berlim foi derrubado, sonhar nunca é demais.

Tentar atravessar a fronteira, com uma cerca muito alta de arame farpado e centenas de policiais armados, com binóculos cuidando qualquer movimentação era risco de morte certa. Impressionante é ver como Max é o único que passa para lá e para cá, nos portões da fronteira. Ele é americano, é policial e tem passe livre.

O pior era tentar atravessar o deserto antes de chegar ao país dos sonhos dourados. Essa situação sempre me enojou. Centenas de pessoas são encontradas a poucos metros da fronteira, com pés esburacados e comidos por animais. No filme, reconhecemos a pequena bolsinha de Mireya. Os policiais parecem que estão jogando vídeo game. Analisam qualquer movimento na paisagem para descarregar suas armas. É a cultura da suprema violência. E agora? O sonho da América esta dando água, está entrando água no navio... Mas até lá, quantas Mireyas precisarão sofrer o abuso e o abandono?

Diversas histórias de sofrimento, abuso, abandono e preconceito se entrecruzam no filme, unidas metaforicamente pelas visões a vôo de pássaro das estradas com seus viadutos de múltiplos acessos, com as visões das cidades a olho de satélite.

Cada uma delas pode ter um desfecho surpreendente: temos o jovem judeu, Gavin Kossef (Jim Sturgess), que para ser aceito, precisa fingir que é dedicado à religião judaica. O diretor não deixa de colocar personagens sábios que fingem não saber das artimanhas dos imigrantes, mas valorizam seus dons. Como o sábio rabino que quase pisca o olho para o jovem cantor, sinalizando a sua aceitação.

Impressionante no filme é o ator Ray Liotta (Cole Frankel), que obriga a jovem australiana Claire Shepard ( Alice Eve), a se prostituir em troca do ambicionado green card. Ray Liotta representa com perfeição o papel do homem truculento, gordo, nojento, escravo de seus desejos sexuais e bestiais. Submete a jovem atriz a situações revoltantes. Mas o próprio Ray está um lixo. Deve ter feito uma plástica que o impede de falar e rir. Seu rosto é uma bola, perdeu o ritus facial.


Com Harrison Ford acontece o contrário, suas rugas mostram um rosto esculpido pelo tempo, de quem nunca deixou de ser. Com muitas rugas, ele continua bonito. E sempre nos faz lembrar o belo Indi.

As outras histórias - entrelaçadas pelas visões das estruturas urbanas e pelas estradas que levam a tantos caminhos - nos mostram a jovem Talisma Jahangir (Summer Bishil), de Blangadesh, que com 15 aninhos não tinha a menor noção de que não deveria expressar suas opiniões sobre os atos terroristas de 11 de setembro, justamente para uma platéia de americanos. Fazia uma enorme diferença ser asiático e ter nascido ou não, nos Estados Unidos. Em seu adeus, o ódio nos olhos da menina revelam o nascimento de mais uma anti - americana.

As histórias se entrelaçam. Se Cole é um arrivista, sua mulher Denise Frankel (Ashley Judd) é uma advogada que trabalha em prol dos imigrantes e consegue a guarda da menina órfã.

O filme trata com detalhes da relação entre Max e seu colega Hamid Baraheri (Cliff Curtis), que também era de uma família de imigrantes, uma espécie de clã, em cujo seio imperava o preconceito contra o diferente. Os irmãos se envolvem em crime vergonhoso. Mas o personagem de Cliff Curtis terá a sua redenção.

O jovem coreano - com dentes perfeitos - Yong Kim, envolve-se em um assalto à mão armada, em um mercado, onde Hamid está fazendo compras. O policial resolve o impasse e dá a Kim, a sua segunda chance.

Assim, as famílias de Kim, de Hamid e de tantos outros poderão comparecer à cerimônia de naturalização dos imigrantes, que se rendem ao feitiço do sonho americano, se emocionam e até aprendem o hino nacional:

“Oh, say, can you see, by the dawn's early light. What so proudly we hailed at the twilight's lasted gleaming?...”

Aprendem o hino nacional americano? Mas a que preço?

Um comentário:

  1. Ôi Doris!! Que bom te encontrar por aqui!! Vou acompanhar teus textos com a atenção de quem tb curte muito cinema e arquitetura!! Espero que tudo esteja super bem contigo!!
    Super bj,

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