domingo, 31 de maio de 2009

SINÉDOQUE, NOVA YORK

Philip Seymour é um ator que dá o aval para qualquer filme em que participa. Sinédoque Nova York, de Charlie Kaufman é uma exceção. É um filme cansativo, angustiante e longo. Não sei como alguém o classificou como comédia. Não ouvi nenhum riso na platéia.

Charlie Kaufman é o diretor do belo filme Os eleitos e de filmes como Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Confissões de uma mente perigosa e Quero ser John Malcovich.

Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) é o diretor de teatro, casado com a artista plástica Adele Lack (Catherine Keener). O casal tem uma filha, uma menina linda chamada Olive (Sadie Goldstein). O teatrólogo tem grandes problemas, o casamento está em crise.

Philip apesar de ser um grande ator tem interpretado papéis onde parece mais ele, do que o personagem. Assim, quando o filme inicia Caden Cotard está deitado com aquela cara de preguiça, gordo e desleixado, mais parece o próprio Philip do que Caden. Ou Philip para mim é inseparável dos personagens que interpreta.

Sinédoque significa substituição do todo pelas partes, do plural pelo singular. Assim Kaufman faz um filme onde o personagem de Caden é substituído pela sua própria projeção. O teatrólogo cria inúmeros personagens. Ele é todos os seus personagens e todos os personagens são ele mesmo. Charlie Kaufman brinca com essa idéia.

A sinédoque poderia se estender ao diretor. Assim, Caden poderia ser o próprio Kaufman, seu outro eu, ou seja, a pessoa na qual ele poderia confiar como em si mesmo.

Caden se vê envolvido em tragédias pessoais. A mulher é lésbica, foge com outra mulher e com a filha para tentar a vida artística em Berlim. O teatrólogo não vê a menina por mais de dez anos.

Charlie descreve os personagens com bastante dureza. A mulher, Adele, não inspira a menor simpatia. Banho ou pente no cabelo é coisa que nunca viu. Caden também é tristonho e ensebado. Seu casaco nunca foi numa lavanderia. A lésbica que o enfrenta e diz que Olive é sua musa, não é menos repulsiva. Tem uns tetões enormes, que Deus me livre!

Doce e angelical só Olive. Assim, quando sabemos que a namorada de Adele e sua mãe a levaram e destruíram sua vida nos revoltamos tanto quanto Caden. A cena em que o teatrólogo bate no vidro da casa onde Olive (Robin Weigert), já adulta se apresentava, toda tatuada, dançando somente para ser observada através de um vidro, nos causa tanta raiva e revolta quanto causou em seu pai – Caden - que esmurrava o vidro descontrolado. Foi retirado à força pelos cães de guarda. Lembrou-me o filme Paris Texas, de Wim Wenders, em que o personagem, perdido no deserto, deparava com a mulher amada fazendo uma cena semelhante e degradante, dessas que provocam aquele mal estar terrível, nos sentimos revoltados e impotentes.

Hazel (Samantha Morton) é o único personagem cheio de vida, que se sente atraído por Caden. O diretor, mergulhado em tantos problemas pessoais não consegue retribuir, nem transar.

A vida de Cotard era tão vazia quanto a do estrangeiro de Camus, tudo era problema, solidão e tristeza. A salvação era o teatro, onde ganhou o prêmio Mc Arthur e pôde propor a peça que nunca terminava, onde a representação substituía a realidade.

Caden transforma-se numa criatura infeliz e solitária, só pensa na morte e em doenças, mas estranhamente, não morre. Tinha mania de doença e de limpeza, embora seu visual nunca fosse limpo. Era o paradoxo. Tudo tinha uma duplicidade. No meio do grande vazio os personagens diziam que estavam imersos no próprio sangue menstrual. O diretor preocupava-se com temas relacionados a doenças infecto contagiosas, gripe aviária, pústulas, inflamação nas gengivas, doenças infecciosas do gado, etc. Teve ataques e ninguém sabe como sobreviveu. Preocupavam-se com os cheiros, Adele sentia o cheiro de menstruação no marido.

O filme pode ser interpretado pelo seu lado psicológico, o personagem sentia-se sujo em um sentido mais amplo, pois assumia a personalidade de Ellen, a faxineira. Limpava o apartamento da ex-mulher, sem ninguém dentro. Apenas uma voz gravada, e um chuveiro escorrendo água, para simbolicamente limpar a sujeira de suas vidas. E Caden - quer dizer Ellen - esfregava que esfregava.
No início, o casal frequentava o sofá da terapeuta, sem resultados; depois, somente Caden. O que a psicóloga fazia era expor suas belas pernas para o diretor e tentar vender-lhe seu livro, “Getting Better”.

Caden preocupa-se em revelar os segredos de cada um de nós. Ele afirmava que existiam 13 milhões de pessoas - nas cidades?- ninguém era figurante, cada um de nós tinha sua própria vida. E, era dessas vidas que ele queria se apropriar e desvelar... Queria descobrir a essência de cada ser.

O mais interessante é quando os personagens criados por Cotard passam a assumir a vida real dos personagens do filme. Muitas vezes não sabemos se é a peça de teatro que o diretor deseja criar ou é a realidade, tudo se misturava. O sinédoque de Caden há vinte anos o acompanhava, era a sua ovelha Dolly, o seu clone. A projeção de si mesmo, agora vai conquistar a sexy Hezel - porque, na cena de sexo ela está com aquele barrigão e aqueles seios gigantescos? depois emagrece, não entendi.

Os personagens adquirem vida própria e se separam do autor, que não tem mais o controle da vida de suas criaturas.

Essa mistura entre criador e criatura poderia acontecer com o Veríssimo, não poderia? Os personagens adquirindo vida própria e se vingando do autor.

Mas acontece o imprevisto, o outro eu que imita o eu, não fica mais ao lado eu, se arrisca, cumpre um destino infeliz e se mata! Mas Caden não tinha cometido o suicídio, tinha sido impedido pelo amigo! Porque a separação entre a vida - na imaginação - e a vida real? É a vingança do autor contra os personagens que o traem e querem transar com a sua mulher! Então o autor os mata sem piedade!
A cada um que morre o diretor diz: “Agora sim, sei como vou contar a história”. Veja esta autocrítica da vida de um criador de criaturas e tire suas próprias conclusões. A obra é aberta, como diz Umberto Eco.

Afinal, para o autor, a vida real não importava, importava sim a vida que imitava a própria vida..., nem que fosse a sua própria.

Um comentário:

  1. Salut, Doris! Só passei para dar um "oi"! Muito legal o teu blog :) Bises, Ana (da Aliança).

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