terça-feira, 8 de setembro de 2009

CARO SR. HORTEN

Sr. Horten (Bard Owe) sempre viu a vida através da janela do trem. Todos os dias iguais, todos os trajetos iguais, todos os ângulos iguais, como se o seu olho fosse o olho do trem, o olho único da perspectiva de fuga central. Saiu dali, quase morreu, ficou tonto, complicado e desnorteado.

O filme me faz lembrar livros coloridos e ilustrados que li quando criança. Muitas sequências parecem absurdas e sem ligação uma com a outra, tipo o “João Felpudo”? Ou o “Zé Colado”? .O personagem é apresentado, a seguir aparecem suas imagens e aventuras em diversas situações, algumas disparatadas. Quando pensamos que o pior vai acontecer, o herói escapa e parte para outra. A sucessão dos quadros que se seguem é descolada da anterior. O diretor usou a câmera parada, o que contribuiu para essa sensação de tempo passado e meio borrado em nossa memória. Como se já tivéssemos vivido o tempo perdido de Horten.

Horten tinha aquela vida sombria e regrada. Era um homem sozinho. Havia uma bela mulher, mas ele nunca assumiu o relacionamento.

Prestes a aposentar-se deverá fazer sua última viagem como motorista de trem. A proximidade da aposentaria trás consigo angústia, tristeza, insegurança e medo da velhice. Os sinais de depressão – a doença da moda – vêm a reboque. Muitas pessoas têm usado a depressão, para justificar o seu comportamento irresponsável. Mas depressão não é incapacitante, não justifica descaso e irresponsabilidade. No caso era verdadeiro, o pobre sr. Horten quase sucumbiu a sua depressão.

Simbolizando os sentimentos obscuros e confusos do personagem o filme é opaco e de cores sombrias. O apartamento do sr. Horten fica junto à estação de trem, ele nunca precisou caminhar muito para chegar ao trabalho. Tudo contribuía para fechar o seu círculo. A neve branca que tudo igualava, oprimia mais ainda. O inverno norueguês, o frio e a neve contribuem para a tristeza e a tendência ao alcoolismo. As pessoas pareciam tristes, infelizes, bebiam muito. E pior, bebidas destiladas que fazem mal para velhinhos, justamente os que mais bebiam.

Sr Horten tinha um passarinho azul, de quem cuidava pouco, limitava-se a cobrir a gaiola do pobre animalzinho, que tinha uma vida tão triste quanto a de seu dono, prisioneiro de si mesmo. Se o passarinho azul entrasse por vontade própria no apartamento do Sr. Horten, ele seria um homem feliz.

Como nas historinhas infantis, o herói corre riscos, mas inexplicavelmente não se machuca. Enfrenta novas aventuras. Horten freqüenta lugares lúgubres como ele. Encontra pessoas sós, como ele. Morte e a tristeza rondam o personagem. Depressão e confusão mental o levam a estar no lugar errado, na hora errada. Como o idoso demente e senil, que não encontra o caminho para voltar para casa, se perde e dorme em qualquer lugar.

Vive situações absurdas, como a visita ao prédio em reformas, quando não consegue chegar ao apartamento onde seus colegas comemoram. O prédio, todo coberto por panos esvoaçantes era, e não era habitável. Simbolizava a própria confusão do personagem, perdido no mundo. Horten entra no apartamento de pessoas estranhas, sem bater à porta. Encontra um menino que parece o Pequeno Príncipe, conversa com o menino, que quer a sua presença. Vela seu sono, dorme e acorda no lugar errado. Perde-se e não chega nunca na festa.

Vai tomar banho na piscina, deixa o tempo passar, dorme sentado e se acorda com o barulho do casal apaixonado, que corre pelado para se jogar na piscina. Horten se esconde nessas horas.

Na velhice as pessoas lembram com nitidez seus primeiros anos de vida. Horten lembra sua infância. Lembra da mãe, de sua coragem, e de sua força para lançar-se de patins do alto da pista. Ele nunca teve coragem de realizar tal proeza. Esse era o débito que tinha para com a mãe e que o perseguiu a vida inteira.

A lição e a volta por cima vem através do velho senhor, com quem faz amizade, em outra de suas aventuras. O amigo tinha poderes, dirigia o carro de olhos vendados. Entra em sua vida para dizer a Horten que é tarde, mas ainda há tempo. É preciso ter coragem! Horten deve assumir as rédeas de sua vida, deve ter coragem, reagir. E ainda é o velho amigo que lhe dá a oportunidade de cuidar de alguém, cuidar da adorável Molly, a velha cachorra que precisava de um novo dono.

O filme é dirigido por Bent Hamer, foi selecionado para uma mostra no Festival de Cannes. Ganhou o prêmio de Melhor Direção no Festival de Flanders. O filme concorreu à premiação do Oscar 2009, e está passando na Mostra do Unibanco Arteplex. Haverá uma sessão segunda feira, dia 7 de setembro. Não perca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário