domingo, 17 de janeiro de 2010

Vício Frenético

Werner Herzog o famoso diretor alemão sempre é polêmico. Seu nome está associado ao novo cinema alemão. De novo, apenas o nome pois seus contemporâneos Rainer Werner Fassbinder, Margarethe von Trotta e Wim Wenders, respectivamente fazem cinema desde 1969, 1975 e 1967. Um de seus filmes mais marcantes é "Aguirre , a cólera dos deuses" (1972), com o ator Klaus Kinski. Apesar da predileção pelo ator, a relação entre os dois era difícil. Com a morte de Klaus, que também atuou em "Fitzcarraldo", desta vez o escolhido foi Nicolas Cage.

"Vício Frenético" é uma crítica feroz ao sistema, à estrutura policial e aos seus "tenentes". Antes de terminarmos de ler o título do filme, metaforicamente, ele estaria desgastado sob o alto índice de corrosão do olhar de Werzog. O Tenente Terence NcDonagh (Nicolas Cage) é encarregado de investigar o crime bárbaro contra duas crianças negras e adultos, o caso da família Ndele. Tem por companheiro Stevie Print, adivinhem? Val Kilmer. Ninguém acredita o quanto está envelhecido o heroí de Willow a terra da Magia, The Doors, Batman e a Escuridão , A sombra e a Escuridão e À primeira vista, em que fazia o cego apaixonado por Mira Sorvino.

Terence é o tenente que vive dentro do olho do furacão, ou melhor nos intestinos da vida do crime. Tão envolvido por um mundo desequilibrado que torna-se ele próprio, um dependente de drogas. Vemos o personagem quase se arrastantando para carregar o próprio corpo cheio de males. As pessoas, com o passar do tempo manifestam em seu corpo aquilo em que se transformaram. Os que desistiram de lutar, ficam com o corpo envelhecido. Os que não reagem, ficam fracos, gordos e lentos. As olheiras , a gordura embaixo das pálpebras evidencia pessoas que bebem em excesso. Os que desistem de lutar são vitimados pela obesidade, doenças da coluna e problemas cardíacos. Basta observar seu caminhar titubiante, temerosos, cinturas grossas, costas encurvadas, pernas finas cambaleantes, olhar baço. Pessoas que somatizam seus problemas envelhecem rapidamente, gastam o motor de suas vidas.

Com Terence acontece o mesmo, por isso Nicolas Cage está tão velho e feio. O tenente somatiza, sente dores. Cage é um ator dramático, em "Vício Frenético" é quase uma caricatura. Nicolas é um homem muito alto, está magro, encurvado, calvo e com um ombro caído. Às vezes é tão decadente que parece um monstro, alguma coisa que lembra o Pinguim (Danny De Vito) do Batman, uma das coisas mais nojentas que já vi. Mas um Pinguim muito alto e de asa quebrada, embora pinguins não possuam asas. Talvez a semelhança seja em razão do nariz aquilino. Tudo isso para caracterizar a decadência do personagem, engolido pelo próprio sistema corrupto que deveria combater.

Como Terence vivia nos intestinos do poder da repressão, levava uma vida dupla que o desgastava tremendamente. Era o repressor e o infrator. Somente sua mulher, a prostituta ( Eva Mendes) sabia. Não ligava-se a ninguém. Permitia que sua mulher tivesse seus clientes, não ligava-se ao cachorro que deveria cuidar, nem ao menino que deveria proteger.

Problemas de consciência ele nunca soube o que eram. Assim, para o tenente era natural prender casais de jovens que saíam do Alligator e apreender algum pacote de cocaína, crack ou maconha que portavam para consumo próprio. Então Terence chantageava, abusava sexualmente das mulheres em frente a seus companheiros ou compartilhava o uso da droga ali, no instante com as próprias pessoas que revistava. Deliciava-se em consumir, compartilhando a droga com criminosos que deveria prender.

Terence é um predador como o Alligator, talvez se explique a alusão ao réptil no nome da casa noturna onde o tenente apanhava suas vítimas. Os mesmos répteis desta vez, iguanas, surgem na estrada, quando Terence chega ao local, em pleno acidente de trânsito, para subornar seus colegas. Iguanas tomam conta da tela quando o policial se afasta. Aligatores são crocodilos dominados pelo instinto, possuem um cérebro do tamanho de um colher de sopa e um mordida que pode pesar mais de 1000 kg. Ninguém deve esperar um aligator bonzinho. Como eles, o tenente não era bonzinho, e não tinha pruridos em unir-se ao criminoso. Participar juntamente com os chefões da máfia, de suas operações criminosas. Beneficiar-se e depois caçar os mesmos criminosos.

Amava aquela vida dupla, descontrolava-se por completo quando fumava crack . Depois de agredir e de aproveitar-se de todos, afirmava : "Adoro isso, simplesmente amo isso". Terence Nc Donagh desacata a velha senhora que está em uma cadeira de rodas e precisa de respirador. Para chantagear a criada, tira o respirador, afirma que a doente era uma velha inútil, que já deveria ter morrido, assim não estaria gastando a fortuna dos herdeiros. A cena choca o espectador, causa estupefação, provoca um riso nervoso. Cínico, sem emoções, impassível e mentiroso, eis o Tenente Terence Nc Donagh em ação!

O paradoxo é que Werzog não permite a revanche. Seus inimigos falham nas tentativas de destruí-lo. Para evidenciar a podridão do sistema o tenente é condecorado por ter resolvido o crime da família Ndele. Continua com seus maus hábitos, nada o impede, é poderoso. Werner Herzog nos fala que auto destruição é um embate solitário. Ainda assim, alguém lhe proporciona o único espetáculo que o emocionava, a visão do enorme aquário de peixes. Terence não tinha a menor condição de sonhar... Será que os peixes sonham?


Nenhum comentário:

Postar um comentário