terça-feira, 30 de março de 2010

Tulpan

"Tulpan" ganhou o prêmio "Um Certo Olhar - Fundação Gan pelo cinema", no Festival de Cannes, em 2008. Sergei Dvorsevoy, o diretor, faz um filme quase documentário sobre a vida nas estepes do Cazaquistão. O olhar é de alguém que conhece muito o lugar e seu povo. "Tulpan" tem pontos em comum com "Camelos também choram". Ambos possuem famílias nômades, as mulheres são delicadas e femininas. O primeiro mostra a estepe do Casaquistão, o segundo, o Deserto de Gobi, na Mongólia. A paisagem é desértica, plana, sem vegetação, a perder de vista. Falam de uma outra vida, uma outra estética e valores muito distantes dos nossos. Nos fazem pensar que no interior do Brasil dos anos 50 havia um pouquinho de " Tulpan".
A relação dos homens com a natureza e com os bichos é cálida. Camelos e ovelhas grávidas são tratados com uma doçura sem igual. Se em "Camelos também choram", nos emocionamos com o camelinho rejeitado pela mãe, em "Tulpan" quase choramos com a "chata" da mãe (camelo) que persegue a moto do veterinário, berrando, por mais de 100 km.. O enorme filhote, todo enfaixado vai de moto, que nem uma criança. Num pranto pungente e doloroso, de mãe por seu filhote, ela não desiste de perseguir a duplae daí a comparação com o Brasil. Não há como esquecer o choro de Ofélia, a vaca, berrando por seu terneirinho morto na distante Lagoa do Forno, em Dom Pedrito.
Óbvio, "Tulpan" não trata somente de bichos. Conta uma triste história de amor não correspondido. Asa (Askhat Kuchencherekov) é um marinheiro desajeitado que precisa casar para ter direito a um rebanho. Problema, na estepe do Casaquistão jovem casadoira praticamente não existe. A única não quer nem saber do noivo, ele tem orelhas grandes. Não adianta argumentar que o príncipe também é orelhudo. E eles confundem o Príncipe Charles com um príncipe americano. Quem sabe ela sonha com uma vida que Asa não consegue lhe proporcionar...
Assim Sergei Dvorsevoy conta uma história singela, de valores simples, de um mundo que parece superado, mas que teima em continuar existindo. Os dois filmes mostram a casa do nômade, a yurta, ou tenda. Em "Camelos também choram" a yurta é mais rica, trabalhada e decorada em verde e vermelho. O centro é aberto, de onde se pode ver o céu estrelado, como uma iluminação zenital.
Em "Tulpan", a vida é muito, muito difícil. Parece insuportável ouvir o assovio e o sibilar do vento e das tempestades de areia. Quando Asa faz o parto da ovelha, o tempo pára, em momento difícil, de dor e sofrimento. Assim, a falta de sorte de Asa no amor transforma-se em preocupação menor do que o pranto, solidão e quase abandono do animal. Obstinadamente a menina canta um lamento triste, que mais parece um protesto. Cria-se uma tensão intolerável, Ondas (Ondasyn Besikbasov), o pai, não suporta e obriga a menina a calar-se. Aleluia, nos sentimos aliviados!
Se a yurta não permite a privacidade, todos dormem juntos, o carinho e a preocupação que os familiares tem uns pelos outros é evidente nos dois filmes. Aqui a personagem forte que busca manter juntos seus entes queridos é Samal (Samal Yeslyamova), a irmã de Asa. Ela tem a consciência que um homem não deve sair desgarrado pelo mundo. Mesmo na árida estepe, desprovida de futuro, é importante a referência familiar. Para Asa resta continuar em busca de seu sonho....

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