quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Além da Vida

Clint Eastwood pensa e trata o tema da morte em um filme delicado e sutil. Três são as histórias, cujos personagens se entrelaçam. A primeira conta a experiência da jornalista francesa Marie LeLay interpretada por Cécile de France. Em um país distante Marie descança em uma praia, que é invadida por gigantesca tsuname. Em poucos minutos tudo é destruído e levado pelas águas. Morrem centenas de pessoas. É difícil imaginar a capacidade de destruição da onda gigantesca. Pense apenas que no Brasil as chuvas que pareciam inofensivas, mataram mais de setecentas pessoas no Rio de Janeiro. Ao ser levada pelas águas, Marie bate com a cabeça e morre afogada. Na sequência seguinte, milagrosamente volta à vida. Porém, não consegue esquecer os momentos de sua experiência post-mortem, momentos em que viu luzes, sombras e vultos.

Na segunda história, dois irmãos gêmeos tentam encobrir o descaso da mãe consumidora de drogas. A fatalidade também se abate sobre o mais velho, Jason, que nascera 12 minutos antes de Marcus. Na rua, assaltado por uma gang, ao tentar fugir é atropelado e morre. Marcus sofre a perda do irmão. Inconsolável, procura desesperadamente um contato com a sua metade para conseguir levar a vida adiante. Os gêmeos são interpretados pelos também gêmeos George e Frankie McLaren. Os dois são ótimos atores. Marcus interpreta o menino sofrido com tanta convicção, que merecia o Oscar. A doçura do olhar, a tristeza, a postura do corpo, o meio sorriso, tudo revela a fragilidade do menino de 12 anos, que perdeu o irmão e não pode viver com a mãe.

Todos os personagens de alguma forma buscam uma resposta para o mistério da vida e da morte. Afinal, como diz Marie LeLay, todos passaremos por essa experiência. O que a jovem encontra é o descaso e o medo do desconhecido que geram o preconceito.
Na terceira história Matt Demon interpreta George Lonegan, um vidente. Coloca-se entre as pessoas e seus entes queridos. Através de comunicações, sente, vê e ouve as pessoas com quem seus interlocutores desejam contato. Basta um aperto de mão para George sentir a presença dos acontecimentos que marcaram a vida dos outros. Eastwood trata do espiritismo de forma diferente, sem apologia e sem fazer um filme espiritualista. O que se observa é que existem pessoas que desejam comunicar-se com seus mortos na língua materna, através da palavra falada ou escrita. Não se conformam em tentar comunicar-se de outra forma. Acreditam piamente que para falar com seus mortos, precisam do português, por exemplo, e necessariamente através de um vidente.

George pensa que seu dom não é uma benção mas um peso mortal que o impede de encontrar a felicidade. Busca outras formas de viver que não envolvam seu dom de vidência. Encontra Melanie nas aulas de gastronomia. Ela é Bryce Dallas Howard. Lembram da atriz em "A Dama na água", onde ela interpretava uma espécie de ninfa? O professor de gastronomia pede aos alunos, que aos pares provem determinados sabores com olhos vendados, para descobrir o verdadeiro gosto. A cena de namoro e sedução é uma das melhores sequências do filme. Afinal, para gozar a vida é necessário exercitar todos os sentidos, não apenas o olhar. Lamentável, Melanie ainda não é a mulher capaz de mexer com os sentimentos de George.

Assim os personagens de uma história migram para a outra em um adorável enredo que reflete sobre o amor e a morte, seus mistérios e o medo que nos infunde. Eastwood mostra personagens capazes de enfrentar a solidão e a certeza da morte, capazes de descobrir e acreditar que não estão sozinhos, que seus entes queridos podem estar vivendo neles. Personagens capazes também de encontrar nos mistérios da morte uma nova forma de impulso para a vida e para a busca da felicidade.


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