terça-feira, 29 de setembro de 2009

O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Maria de Medeiros é Marguerit Duvas, a francesa de alma grande, muito grande. Quem me dera ser como ela. Seria uma benção para qualquer mulher parecer com a francesa, nem que fosse só um pouquinho. Maria de Medeiros está tão bem como a pedagoga que adota o menino Roberto, que não consigo imaginar a verdadeira francesa com outro visual. Que nem a vez, que vi o filme “Roma” de Fellini. Eu jurava que o diretor tinha encontrado a Anna Magnani por acaso, quando ela fala: “Va Fellini, va”. Mas não, para conseguir tanta naturalidade tem que ser muito boa atriz. No caso, Maria de Medeiros, como Magnani está estupenda. E Luiz Villaça, o diretor faz jus às nossas expectativas com seu belo filme.

Os atores que vivem as diferentes idades de Roberto também estão ótimos. Particularmente irresistível é ver o garotinho de arma na mão (Marco Antonio) assaltando com a maior cara de anjo. E a decepção do menino quando é preso! Roberto (Paulo Henrique) aos 13 anos também demonstra no olhar todo o seu sofrimento, mas revela a sua alegria e o seu jeito de menino especial.

Roberto representa a infância roubada, e roubada de quantas crianças no Brasil? Todos nós sabemos disso. Mas, quem sabe, isoladamente pensamos que é inútil qualquer atitude, tamanho é o problema? E vem Marguerit Duvas para nos sacudir.

Pergunto-me se a mãe era ingênua a ponto de achar que o filho estaria melhor na Febem, que ao seu lado? Em minha maneira de ver as coisas sempre pensei que só menor infrator ia parar na Febem. E também nunca pensei que passasse pela cabeça de qualquer mãe, por mais simplória que fosse, a idéia tola de achar que seu filho pudesse virar doutor, se fosse para a Febem. Aliás, Febem é uma palavra tão mal vista e rejeitada por todos que, se restou alguma coisa teve que mudar de nome.

Os funcionários desses órgãos públicos sempre foram despreparados. O filme de Luiz Villaça mostra muito bem isso. Vocês notaram a insensibilidade da psicóloga, quando a mãe deixa o filho sem sequer poder despedir-se? E ela somente pareceu ter algum sentimento quando ficou amiga de Marguerit... A própria psicóloga admitia a gravidade da situação. Viviam em clima de guerra.

Pode não ser verdadeira a minha percepção. Em órgãos públicos de assistência social existem muitos ex-padres e ex-freiras. Como se sua atividade assistencialista pudesse aliviá-los do complexo de culpa – do imaginário deles – por terem abandonado a vida religiosa em favor da vida laica. Nem por isso são bons profissionais. A maioria é medíocre. E a Febem morreu disso também. Luiz Villaça não aborda esse aspecto, que até poderia enriquecer o filme.

Se Marguerit era uma mulher iluminada, Roberto sempre foi um menino especial. E um menino extremamente corajoso. Quando vemos o verdadeiro Roberto, contando suas histórias como ninguém. Entendemos porque o jovem Roberto era tão esperto.

A caracterização da pedagoga é para sentirmos o quanto ela era fora do comum. Marguerit é rodeada por cores belíssimas, muitos azuis iluminados como ela, que se apresentava: “Nasci em Marselha, na França, gosto da cor azul, sou pedagoga, meu signo é câncer, gosto do verão, gosto mais do dia que da noite e gosto de andar de bicicleta”. Generosa, iluminava tudo que tocava. O pão com que alimenta Roberto nunca me pareceu tão bonito e gostoso. O menino fala que nunca tinha visto tanta comida.

Impressiona em Marguerit a capacidade de amar e de ser mãe adotiva. Seu trabalho social não deixou de ser uma adoção. Daquelas mães que não precisam adotar crianças enquanto elas são pequenas. Daquelas mães que não escolhem a cor, nem a idade do filho adotivo. Daquelas mães que tem coragem de adotar uma criança de 13 anos, que perdeu as contas do número de vezes, que fugiu da Febem.

Marguerit faz Roberto entender que ele não é mais aquele menino da Febem, que teme tudo na vida. Ao que ele retruca: “Mas continuo negro”. Ela dá a melhor resposta: “Deus coloriu os negros e esqueceu a nós, brancos, por isso nem podemos tomar sol”.

Emocionamo-nos e choramos quanto Roberto perde o medo e passa muitas vezes pela revista policial na entrada do jogo de futebol. Para ele aquilo foi pura alegria. Ali o menino adolescente entendeu que era um ser humano livre e um cidadão, embora ainda fosse criança. Sem pieguices podemos afirmar que Marguerit venceu pelo amor.

Para nós resta o sonho de um dia poder ouvir uma história contada por Roberto Carlos Ramos, o menino que virou contador de histórias, tão verdadeiras como a sua, como ele mesmo afirmava.


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