sábado, 13 de março de 2010

Ilha do Medo (Shutter Island)

" Ilha do Medo" é quarta parceria entre Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio; "Gangues de Nova York", "O Aviador" e "Os Infiltrados". A história é uma adaptação de um livro de Denis Lehane. Como sempre o resultado é excelente. Martin Scorsese faz um tratado sobre o medo, a violência e a maldade. Leonardo DiCaprio vive o personagem Teddy Daniels, um detetive que procura uma prisioneira fugitiva, internada em uma prisão psiquiátrica - para criminosos com problemas mentais. Scorsese conta a história do detetive, o " marshal ", de uma forma que permite muitas interpretações. Ao mesmo denuncia os métodos empregados pela psiquiatria- em seu próprio país, 1954- , desumanos, semelhantes aos do nazismo, na Alemanha ou dos russos em Gulag.
O personagem central é Teddy Daniels, um homem frágil, que entra em Shutter Island, acompanhado por seu companheiro Chuck. E aí? tudo o que nos parecer verdadeiro pode ser exatamente o contrário. Se Teddy busca Rachel Solando, a prisioneira que matou os três filhos, pode também estar tentando encontrar-se a si mesmo. Envolvido em uma situação kafkiana, Teddy perde a noção do auto conhecimento, quem sou eu? E responde tentado consolar-se: " Sou um detetive federal, eles não farão nada comigo, vou terminar esta investigação, pegarei a balsa e irei embora desta ilha".
O filme é opressivo e intenso, mistura suspense e algumas cenas de Hitchcock, como a ducha esguichando água, no banho. Lembram quando Janet Leigh toma banho em "Psicose", ou a escadaria infernal da Torre do Farol, como em "Um corpo que cai"?
Sabemos o tempo todo que quem dita as regras é o dr. Cawley (Ben Kingsley), auxiliado por seu amigo com ascendência nazista, o dr. Jeremiah, interpretado por Max Von Sydow. O personagem Aule Chuck, interpretado por Mark Ruffalo é interessante. Desde o início ele acompanha e apenas observa Teddy. Quando este se descontrola ele pergunta : "Boss, você está bem"? Chuck - ou o dr. Sheehan?- é a própria dissimulação. Ou tudo é fruto da mente doentia de Teddy?
Em seus momentos de lucidez, o detetive afirma que Ashcliffe, o centro psiquiátrico de detenção para prisioneiros criminosos insanos é uma das raras prisões associada à polícia do exército. O poder de repressão da psiquiatria se une ao do exército. Ali dentro até os detetives federais devem obedecer ao protocolo e entregar as armas. Ashcliffe recebe apoio financeiro de entidades anti americanas como a HUAC. Agências de Inteligência do mundo inteiro pedem conselho ao dr. Cawley ( Ben Kingsley). Médicos realizam experiências medonhas como seres humanos. Exatamente como faziam os nazistas. Aliás os doutores Cawley e Jeremiah se assemelham a estes. E tudo com a complacência do governo dos Estados Unidos da América!
Leonardo DiCaprio, ou Teddy Daniels ou Andrew Laeddis é a vítima. Ao que parece todos sabem o que se passa, menos ele. Quando inicia as investigações descobre o bilhete de Rachel Solando, que desvendaria a charada: " A lei dos quatro" e "Quem é o 67"? Teddy consegue descobrir que existem 66 pacientes, só não consegue ver que é o 67. A menos santa das prisioneiras que matou o marido a machadadas lhe diz: " Run", " Fuja". Impossível, até as letras da palavra são apagadas pela chuva como a prenunciar a tragédia. Nas cenas seguintes vemos Teddy separado do mundo pela tela de arame da Ilha, simbolizando a sua própria prisão.
Daniels encontra a lucidez e a explicação nas palavras da verdadeira Rachel Solando, que nunca teve filhos, portanto, nunca os matou! Verdade ou imaginação? A fugitiva lhe diz que quando recebemos a pecha de "loucos", tudo o que fizermos depois será como um depoimento contra nós mesmos, servirá somente para confirmar que somos loucos! Se tivermos o instinto de sobrevivência, a psiquiatria dirá que temos excelentes mecanismos de defesa. Os amigos não farão nada por nós, todos dirão que não aguentamos, que endoidamos!
Para o dr. Cawley, sua atividade é uma missão, o que faz é uma fusão moral entre ordem e cuidados clínicos, que incluem dopar pacientes, ministrar drogas camufladas - sem que os pacientes saibam - em cigarros, dar medicamentos que provocam pesadelos e tremores, e finalmente praticar a lobotomia orbital. O método que deixaria os pacientes dóceis, uma vez que quem comanda tudo é o cérebro. Comanda a dor, o sofrimento, a alegria e a tristeza. O paciente vira um zumbi. A idéia é recriar um homem sem sentimentos e sem lembranças. Sem memória, e sem passado. Tudo é válido para que o detetive jamais consiga denunciar os métodos nazistas que vigoram em Shutter Island.
Entre tantos problemas psicológicos Teddy sente-se culpado. Carrega toda a culpa do mundo. Sente-se culpado por não ter conseguido salvar os filhos. Em seus pesadelos as vítimas são sempre as mesmas, em diferentes situações. Sente-se culpado por não ter conseguido salvar o povo judeu da sanha do nazismo. Com certeza o detetive não é dono de sua vida, mas com certeza ele sabe que não podemos viver sem nossas lembranças mesmo que nos causem profunda dor, mesmo que nos diminuam e nos causem vergonha.
Ei a questão, é melhor viver como um monstro do que morrer como um homem bom? um zumbi? Estes questionametos também foram feitos por Stanley Kubrick em "Laranja Mecânica". Como Kubrick, Scorsese está atento ao mal e à violência que pode dominar a natureza humana. Que ambos sirvam de exemplo para todos nós!

2 comentários:

  1. Doris, interessantes considerações sobre " A Ilha do Medo" que vi em Sâo Paulo no último sábado. Só uma observação: que faz no filme aquela sequência da matança de soldados, em flash back? Num contra-campo, em travelling na horizontal, a câmera nos mostra o tiroteio como a nos dizer: é uma ficção, os tiros não podem atingi-los (aos espectadores). Partindo de Scorcese, achei uma tomada gratuita. Fico com o ótimo " Os Bons Companheiros".
    Abraço.
    CELSO

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  2. Oi Doris, faz tempo que não passo aqui!Depois de muito tempo sem ir ao cinema, fui ver Ilha do Medo, meio ressabiada com Scorsese depois que detestei Gangues de Nova York e O Aviador. Infiltrados achei OK, e Ilha gostei, mas não amei. Gosto muito do seu jeito de falar sobre os filmes, sempre me chama a atenção para algo que não percebi, ou sentimos de maneira diferente. Isso que é bom no cinema, não? Também sinto falta da Lucia no (Ins)piradas, espero que esteja tudo bem com ela, deixei um comentário lá também!
    Beijos,

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