Maurits Cornelis Escher, o grande artista holandês desenhava objetos impossíveis, que desafiavam todas as regras de física, e de tudo o que está estabelecido como verdade sobre a estrutura de nosso planeta. O mundo mágico de Escher é fascinante e misterioso. O artista cria novas possibilidades para a realidade, não importa se ela de fato existe ou se é um sonho. Em "Magic Mirror", uma litografia de 1946, Escher nos propõe um espelho onde figuras aladas em três dimensões se transformam em desenhos bidimensionais que passam através do espelho. Voltam a adquirir a terceira dimensão, se enfileiram em um movimento infinito e voltam a passar pelo espelho. A idéia de um mundo de sonho, de um mundo paralelo onde não sabemos onde começa e onde termina a realidade é a proposta de Christopher Nolan para seu novo filme "Origem" (Inception).
Leonardo di Caprio é Don Cobb especialista em invadir mentes para descobrir os segredos do inconsciente, roubar ou implantar idéias e desejos. Para realizar seu trabalho, Cobb aproveita os momentos de sono, quando as pessoas sonham. Torna-se um espião disputado e ao mesmo tempo, um foragido. Seu maior desejo é rever os filhos. Christopher cria cenários fantásticos. Como um novo Escher, o diretor cria os espaços do sonho, de uma outra realidade, onde a arquitetura adquire grande importância. Se em tudo, os cenários remetem a Escher, também desafiam toda e qualquer regra de perspectiva. Lembram? aquilo tudo que os arquitetos aprendem na Escola e cujas regras Brunelleschi estabeleceu no século XV? Aquele mundo bidimensional, onde é possível representar da melhor forma a terceira dimensão? Tudo isso cai por terra. O cenário gira, as casas e os prédios fazem uma volta de 180 graus e se transformam no reflexo de si mesmas. Telhado contra telhado, com o Plano do Quadro - desta vez - horizontal. Como Escher, um mundo em que o artista domina os conceitos de geometria e de perspectiva, cria a ilusão e o sonho. Surge o espelho, como o grande Plano do Quadro da perspectiva, e atrás dele existe um outro mundo. Qual dos dois é o verdadeiro? Cobb conta que Mal (Marion Cotillard) usava um talismã, quando o pião girava sem parar, infinitamente, ela sabia que estava no mundo do sonho...
O decór é fascinante, o mundo nem sempre termina em ponto de fuga central, o cenário dobra e os personagens continuam caminhando, num mundo dobrado indiferentes às regras da gravidade. Cobb afirma que precisa de um arquiteto para projetar o cenário dos sonhos, e que os personagens povoarão esse cenário, como projeções de seu inconsciente.
As citações à psicanálise são inúmeras. O perigo é iminente porque os conflitos no inconsciente do personagem são problemas enormes e não solucionados. Tudo poderá colocar em risco a expedição ao inconsciente e ao sonho. Christopher Nolan empresta ao personagem de Leonardo Di Caprio a sensação da culpa. Uma culpa enorme - como aquela que você sentiu aquela vez lembra? - e quanto maior a culpa, maior a catarse. O dr. Vinicius Jockyman adoraria o filme.
A cidade de sonho é fantástica, abandonada e povoada pelas lembranças de quem sonha. Assim, vemos a casa onde morava Mal, a mulher de Cobb, que cometeu suicídio. Eis o grande motivo para a culpa de Di Caprio. Ele teria implantado na mente da mulher o desejo de morte. Quando os dois viveram juntos em sonho e envelheceram na cidade vazia, povoada pelos prédios, Cobb implantou na mente de Mal esse desejo mórbido. Se os dois morressem em sonho, reviveriam jovens quando acordassem. O desejo de morte nunca se apaziguou...
Grandes perigos rondam a nova missão de Cobb, implantar na mente de um rico herdeiro, a idéia de dividir a herança para o vilão se beneficiar. Como todos nós, como qualquer um de nós, o jovem tem grandes problemas de relacionamento com o pai. Problemas esquecidos no inconsciente se manifestam como grandes tempestades que podem impedir a volta à realidade. Quando não voltamos ficamos no limbo. Engraçado, sempre uso a expressão limbo para definir coisas que não são boas, nem más. Muitos me olham surpresos. Penso. Ha! Eles nunca ouviram falar em limbo, nem estudaram em colégio de freiras. Para meus alunos, explico que é o lugar onde ficam as criancinhas que não foram batizadas, na visão da igreja católica. E agora eles falam em limbo. Assim o grande perigo é não conseguir voltar a tempo. Ficar preso no limbo de nossos problemas.
Os dramas psicológicos são a chave do filme. Fischer (Cillian Murphy), o herdeiro culpa-se por não conseguir libertar-se da figura do pai, que teria pronunciado no leito de morte a palavra "desapontado"... A solução também é entrar no sonho de Fischer. As projeções dos problemas psicológicos são o grande obstáculo a ser vencido. Vencer os traumas e os dramas de cada um. Quando os inimigos caem no abismo ao tentar impedir toda e qualquer ação, enuncia- se o paradoxo.
O elenco é de primeira. Leonardo Di Caprio mais uma vez é o grande artista. Nenhuma surpresa é como aquela monotonia do aluno que tira dez em tudo. Monotonia maravilhosa! Marion Cotillard é Mal, a atriz perfeita para o papel. Está tão linda quanto em "Inimigos Públicos". Ken Watanabe é Saito e Fischer, o herdeiro é Cillian Murphy.
Como naqueles sonhos que se repetem em nossas vidas. Sonhamos que vamos ao encontro de uma pessoa, importante para nós. Ela nunca aparece no sonho. Continuamos a busca. Sonhamos novamente. Vamos encontrá-la. Cobb sonhava com os filhos. Não conseguia encontrá-los. Eles apareciam e sumiam. Um dia, consegue ver os filhos. Paradoxalmente, o pião gira sem parar...
Oi Doris,
ResponderExcluirBelo comentário. Eu já vi o filme e em IMAX em SP, como o Merten. Para quem não viu, só um pequeno problema. Você entregou o final. Estou imprimindo para passar para meus filhos que ainda não viram. Estou suprimindo o totem a rodar sem parar.
Abraço.
Gostei muito de se texto. Ainda mais porque ele relaciona o filme de Nolan com as idéias demonstradas nas obras de Escher. É um bom exemplo de que o cinema segue referências de outras mídias que podem ser explorar fora da grande tela.
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