Daniel Burman dirige "Dois Irmãos", um filme sobre problemas de família. Como ele afirma, família é uma coisa importante, que nos rodeia a vida inteira. Não é preciso lembrar, todos nós sabemos. Então de irmão, Deus! quem tem um sabe muito bem de quem se trata. Irmãos se amam e se odeiam. É sobre essa difícil relação e convivência que trata "Dois Irmãos". Burman exercitou seu tema predileto em "Abraços Partidos", "Ninho Vazio" e "Direito de Família". O personagem de "Ninho Vazio" era um intelectual muito insuportável, disso estou lembrada.
"Dois Irmãos" é melhor, retrata com precisão o penoso relacionamento entre os irmãos Suzana e Marcos. Ela parece ser a irmã mais velha, a dominadora. Marcos é o caçula? Será ? Sempre foi dominado pela mãe e pela irmã. O tempo passou, ambos estão com mais de sessenta anos. A morte da mãe provoca e desencadeia grandes mudanças. Susane tem aquela aparência de perua, não é uma perua porto-alegrense mas poderia ser. Porto Alegre é a cidade das grandes peruas brasileiras. É difícil encontrar iguais, ou peruas que as superem em outros lugares. Mas, peruas argentinas como Suzana - interpretada com nota dez por Graciela Borges- não ficam atrás.
O filme é baseado no livro de Sérgio Dubcowsky, Villa Laura.
Marcos, interpretado por Antonio Sagalla é o irmão emocionalmente frágil que não abre a boca, que não diz o que pensa. Será que ele pensa? Sempre dedicou-se à mãe. Desde pequeno viveu na barra da saia da mãe que passava batom em sua boca. Ele mesmo afirma depois de velho:- E com isso minha mãe queria o quê?
Susana - com um cabelão quase ruivo, todo encaracolado e escabelado - esconde-se atrás de óculos de sombra enormes e boinas muito, muito bregas. Diga-me uma mulher que não fique perua de boina!!! Não pára de falar um minuto. A boca é como toda boca de cinquentona que apelou para o botox. Fala e fuma ao mesmo tempo, e trambica. É uma agente imobiliária que tem suas razões em uma única coisa, odeia as famosas paredes dry wall. Fica batendo nas paredes para ouvir se têm som de tijolo.
Como Suzana descaradamente não paga contas, é obrigada a vender a casa da família. Obriga Marcos a morar em "Villa Laura", no Uruguai. A vida de ambos passa a ser o vaivém sobre o Rio da Prata que separa Buenos Aires do Uruguai. Se ele, de início o faz contrariado, termina descobrindo uma certa libertação. Seria uma forma do diretor elaborar seus próprios dramas familiares? Enfim, toda obra de arte fala do próprio artista. Burman deve falar de si, ao falar de Marcos e Susana.
Os três países hermanos, Brasil, Uruguai e Argentina têm suas rivalidades, acredito que, como os irmãos do filme, no fundo se amam. As cenas mostram o Uruguai, a "Villa Laura" como algo no passado. As casas construídas no alinhamento, rebocadas com mica, cinza, com a porta central ladeada por duas janelas, parecem mesmo o "déjà vu". Onde vimos, se nunca fomos à "Villa Laura"? A paisagem existe, com aquela cor triste de natureza defronte ao rio. Esses lugares emocionam e trazem uma tristeza profunda, que não se sabe de onde vem... Prefiro minha sala de estar, com meus objetos e minha cachorra.
Marcos inicia seu processo de libertação com as aulas de teatro. É verdade, o diretor é exigente. Em pouco tempo o senhor sério e cabisbaixo encontra parceiros para o jogo e participa das encenações para a apresentação de Édipo Rei, mas de um Édipo em que Jocasta sumiu. É o desejo do diretor.
A personalidade problemática de Susana revela-se entre outros, no entêrro da mãe. Não demonstra o menor sentimento. Dura como pedra, continua falando sem parar num entêrro a três, a morta e seus dois filhos. O olhar de Marcos fala de seu interior, mas não diz nada. Aceita o massacre da irmã.
Quando Marcos resolve dizer a verdade, o faz sutilmente. Susana em mais uma de suas façanhas coloca um copo na parede para ouvir os vizinhos, pede para o irmão fazer o mesmo. Ele não ouve nada - o apartamento vizinho está vazio - mas diz que ouve uma voz que pergunta o que ela fez com o dinheiro que sobrou da venda da casa. Susana responde que não ouve nada... Assim as verdades são pronunciadas, sutilmente, sem raiva e sem ressentimentos. "Dois irmãos" fala de problemas não resolvidos entre irmãos com uma boa dose de humor, como nos coquetéis, onde eles comparecem às custas de convites roubados. Enchem o porta bomba e cuia de chimarrão, de doces e salgados e vão embora.
Susana não quer perder a ascendência sobre o irmão nem que tenha que mentir e inventar que o diretor o acha um mau ator. Finalmente surge a chance de Marcos dizer o que pensa, na belíssima improvisação durante a encenação da peça. E Susana surpreende. Temíamos que viesse para envergonhar o irmão. Eis finalmente o tão desejado reconhecimento. E finalmente Marcos fala, diz o que pensa. Todos precisam saber o que pensamos.
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