Se você lembra quando precisava ir a Montevideo para assistir "Estado de Sítio", de Costa Gravas, acredite, só o fato de "Tropa de Elite 2" não ter sido censurado já é algum progresso. Os créditos adiantam, apesar de existir a possibilidade de alguém ou algum político identificar-se com os personagens, este filme é uma obra de ficção. "Tropa de Elite 2" é um grande filme e Padilha é simplesmente o máximo.
Ouve-se no final a letra da música de Herbert Viana, "O Calibre", quando sobem os créditos. Diz tudo sobre o pensamento e a crítica de Padilha:
" Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)
Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
A que horas você nunca sai?
Há quanto tempo você sente medo?
Quantos amigos você já perdeu?
Entrincheirado, vivendo em segredo
E ainda diz que não é problema seu
E a vida já não é mais vida
No caos ninguém é cidadão
As promessas foram esquecidas
Não há estado, não há mais nação
Perdido em números de guerra
Rezando por dias de paz
Não vê que a sua vida aqui se encerra
Com uma nota curta nos jornais
Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)"
Prestaram atenção? Viram como é genial e como fala de cada um de nós?
Desta vez, Roberto Nascimento é o Cel. Nascimento, policial há vinte um anos. Por força das circunstâncias é obrigado a desenvolver atividades burocráticas junto à Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Nascimento relata sua luta contra o sistema. De início, como policial, acreditava que a polícia poderia ajudar a combater o crime e o tráfico. Dentro da Secretaria de Segurança consegue equipar o BOPE para combater o crime. Mas, como não está na rua e no enfrentamento diário com o crime, custa a descobrir que a situação é muito mais complicada do que poderia imaginar.
O personagem de Padilha transformou-se no novo herói brasileiro. Estamos carentes de heróis. Lembro quando Airton Senna levantando a bandeira brasileira transformou-se no herói do Brasil. Mas Senna levava uma luta individual, cujos louros tentou dividir com os brasileiros. Nascimento é o personagem que precisa enfrentar muitas lutas para conscientizar-se. É o personagem que sofre muito, mas que jamais desiste de tentar acertar. Acho que isso faz com que nos identifiquemos com ele.
Assim Nascimento precisa esquecer suas frustrações e unir-se ao homem que casou com sua ex-mulher e que, ainda por cima tenta tirar-lhe o amor do filho. Esse homem é o professor de história, um intelectual de esquerda - apesar de estar do lado certo -, com certeza emprega todos os seus argumentos para eleger-se deputado. Ele é Fraga, muito bem interpretado por Irandhir Santos. Mas, melhor ainda é Wagner Moura. Este sim, emociona qualquer espectador com seu carisma. Está lindo o jovem Wagner Moura, com cabelos levemente grisalhos, para fazer o Cel. Nascimento. Não é de hoje essa admiração por Wagner Moura. Adorei o personagem dele em " Saneamento Básico", com o cabelo todo amarrotado, cara de quem recém levantou. Arrancava muitas risadas da platéia.
"Tropa de elite, osso duro de roer, pega um pega geral, também vai pegar você", esse é o lema, cantado e apresentado com toda a truculência, no primeiro filme. "Tropa de Elite 2" é mais contido. Não vemos Nascimento em ação, nosso herói se vê às voltas com as milícias, a máfia da polícia, que elimina traficantes e os substitui no crime, cobrando taxas da população para proteção, compra de gás e TV a cabo, clandestina é claro! Rocha (Sandro Rocha) e o Cap. Fábio (Milhem Cortaz) se alternam como se disputassem o troféu de maior bandido.
Nascimento descobre que o buraco é mais embaixo - em suas palavras - descobre que a máfia da polícia está intimamente ligada a políticos, ao Secretário de Segurança e ao próprio governador. A muito custo consegue descobrir quem está por trás do covarde assassinato de seu companheiro André Matias (Andrté Ramiro). Descobre também que polícia confraterniza com bandidos em almoços comunitários. Não é de hoje que políticos são fotografados ao lado de marginais. Assim Padilha mostra o lado podre do poder.
Para deleite da platéia - ou pelo menos, para muitos espectadores- o Cel. Nascimento volta à ação em duas sequências, a primeira é no tiroteio, no atentado em que defende a própria vida. A segunda é na blitz que ordena contra o Secretário de Segurança. Sofram junto, se emocionem, chorem, mas lavem a alma! Vale a pena! O Cel. Nascimento dá - por nós- um montão de porradas no Secretário corrupto.
E depois, resolve empregar outros meios para combater um sistema corrompido. Embora não tenha ilusões, como afirma: "O sistema corta uma mão para salvar o braço. O sistema não tem cara, se reorganiza sempre". Nascimento se transforma na principal testemunha na CPI criada para investigar a corrupção das milícias. Responde ao deputado que tinha um programa de televisão (André Mattos): "O senhor, deputado, é um dos que estão sendo investigados e o senhor é responsável por muitos crimes. Aqui nesta Assembléia existem 6 ou 7 com ficha limpa". Alguma semelhança com a realidade? Quando sabemos que até hoje estão enrolando na votação da Ficha Limpa. Aliás, é um primor a interpretação de André Mattos. O deputado tinha uma boa receptividade junto ao povão devido a um sorriso de dente da frente quebrado!
Padilha capta o cinismo do sistema. O político corrupto alegando que foi eleito legitimamente, posa na frente do crucifixo e do letreiro "COMITÊ DE ÉTICA". Não perca, você poderá aprender lições que poderão ser úteis para o resto da vida. Como por exemplo, entender bem o que era a esquerda festiva. Ou ainda aprender a respeitar direitos autorais e parar de querer fazer cópias piratas de tudo o que vê, e continuar se achando uma pessoa íntegra. O Cel. Nascimento nos alerta a respeito desse comportamento ambíguo.
E vejam só o paradoxo, Nascimento é um policial, tudo aquilo que segundo as regras sempre foi considerado "o vilão da história". Por isso a palavra pré-conceito, ou seja, não devemos conceituar por antecipação. Chega de preconceito, então!
E finalmente, deveríamos parar para pensar:
"Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
há quanto tempo você sente medo?"
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