segunda-feira, 13 de julho de 2009

HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO

Sábado à noite, sala do Arteplex cheia, lugares esgotados. Senhoras e senhores de todas as idades. Idosos corajosos, de bengala compareceram ao filme de Philippe Claudel. A mim parecia uma classe média alta. Engraçado que perfume enjoativo tem a classe média alta. Aquele cheiro de pó de arroz (é assim que se falava) flutuava no ar. Quando criança, senti esse cheiro em minha tia Totóca. Eu gostava dela só que não sabia. Descobri isso muito tempo depois. Prefiro as salas de cinema com menos público.Kristin Scoot Thomas é uma excelente atriz, de quem gosto muito. Participou de filmes como Delírios de consumo de Becky Bloom (Confessions of a shopaholic), Assassinato em Gosford Park (Gosford Park), Destinos cruzados (Random Hearts), Doce Vingança ( Reverngers’ comedies, The), O encantador de cavalos (Horse whisperer, The), Souvenir e O paciente inglês ( English patient, The). Esses, pelo menos, são os filmes que lembro. Recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, por O Paciente Inglês (1996) e duas por Il ya long temp que je t’aime. A trilha sonora do filme é bellíssima e deu origem ao título.Il ya long temp que je t’aime traduzido para Há tanto tempo que te amo trata de um tema que muitas vezes parece impossível de acontecer, a relação solidária e fraternal entre duas irmãs. As irmãs nascem na mesma família, vivem juntas, a infância e a adolescência - nem todas é claro -, e depois se separam. As mágoas e os ressentimentos às vezes parecem insuperáveis. Não para a personagem de Léa (Elza Zylberstein), a irmã de Juliette Fontaine (Kristin Scott Thomas).

Juliette cometeu um crime. Foi julgada e condenada, permaneceu no cárcere por 15 anos. O filme mostra sua vida após a saída da prisão.

A aparência de Juliette revela seu interior. Seu crime transformou-a em um ser estranho ao mundo. Todos a negam. Os que sabem do crime não a aceitam. Os que a conheceram depois que saiu da prisão não a entendem, calada, não ri e não fala com ninguém. Juliette tem um olhar extremamente triste, o cabelo liso e caído. Seu brilho sumiu. Kristin está soberba no papel.

Léa é a personagem positiva que não desiste da irmã, teimosa em seu desejo de acertar. Quando Juliette sai da prisão, Léa a espera e a leva para casa. Os primeiros sinais de rejeição vêm por conta do marido Luc, (Serge Hazanavicius) que não aceita a presença de uma “assassina” dentro de casa, onde o casal abriga o sogro de Léa. Vítima de um AVC, ele perdeu a fala e passa o dia inteiro lendo.

Elza Zylberstein (Léa), na aparência não se compara à Kristin Scott Thomas ( Juliette). Mas, é ela que guarda o diário de adolescente, onde marcava diariamente o número de dias que estava afastada da irmã. É Léa que é capaz de amar o sogro doente e calado. É Léa que é capaz de adotar crianças e amá-las. Para Léa, P’tit Lys e Émelie, são as suas verdadeiras filhas do coração e não da barriga. É Léa que se dedica com amor às filhas adotivas. É Léa que faz das tripas coração para ajudar a irmã a sobreviver no mesmo mundo que a condenou à prisão e ao esquecimento. É Léa que se dedica à docência doando-se também aos alunos. É Léa que ajuda os colegas ditando as notas dos alunos para preenchimento do Caderno de Notas. E também é Léa que em muitos momentos se sente frágil e insegura diante dos problemas.

A dor de Juliette é fechada e encerrada dentro de si mesma. Não há como compartilhar seu sofrimento com o mundo que a condenou. Philipe Claudel nos mostra como essa tristeza é tão grande e irremediável, que pode ser comparada ao quadro do artista Emile Friant, “A Dor”. O tema da dor se materializa na rejeição de Juliette pela família, após o crime. Para os pais a filha morreu. Entretanto o destino também pode reservar dor e sofrimento para os intolerantes. Na velhice a mãe fica com Mal de Alhzheimer. É esquecida numa clínica e paradoxalmente quando recebe a visita das filhas - a louca do Al que não reconhecia ninguém -, reconhece Juliette, sua filha dileta e tenta abraçá-la. A cena é dolorosa, a filha não retribui, dá-lhe asco tocar na mãe. Em sua demência, a velha senhora volta a seu estado anterior e é abandonada novamente. Para as filhas, não é tão importante, interessa a dor de Juliette, não a de sua mãe.

O filme revela o preconceito de uma sociedade que condena, e sem o menor sentimento de moral, dificulta ao máximo a reabilitação dos condenados. O caso de Juliette é particular. A condenação é dupla. Primeiro por seu crime, bárbaro, segundo, por permanecer condenada, mesmo após ter pagado por ele. Quando o grupo de amigos quer saber quem é Juliette, a silenciosa Juliette, ela responde: fui condenada à prisão por matar meu filho de 6 anos. Todos riem e dizem ao colega indagador. Viste? Desta vez ela te ganhou. Não entendem, porque absolutamente não lhes passa pela cabeça que uma pessoa que conviva com eles possa ter cometido tal delito.

Os dias se passam e vemos Léa tentando por todas as formas abrigar e compreender a irmã. A tarefa é árdua, até o dia em que descobre as razões do crime, os motivos que levaram a irmã a matar. Juliette esquece perto da cama os indícios que revelariam suas razões. No fundo ela queria que a irmã soubesse a verdade. Afinal somente com Léa poderia dividir sua dor e abrir-se para uma nova vida.

As cenas de catarse, sofrimento, gritos e explicações são de rasgar a alma. Claro o fulcro do filme é o sofrimento de Juliette e sua redenção através da irmã. Lembra a cena, em Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman, em que uma das irmãs abraça Agnes, que está à morte. Enfim, essa capacidade de amar ao infinito é belíssima, somos tão primários que custamos a entender.

2 comentários:

  1. Há um quê de estranho na dor alheia. Compartilhá-la, quase sempre, é um difícil mister. Nunca queremos ver as profundezas das almas, estamos acostumados à superfície e só ela nos basta para que, coletivamente, sejamos cruéis, implacáveis e injustos. Anacronicamente, o que condenamos individualmente, o fazemos coletivamente. Vai longe a possibilidade de compreensão e junto dela, viaja a possibilidade de perdão, mesmo daquilo que já foi pago e resgatado. As nossas mentes cuidam de reviver aquilo que o tempo teima em deixar para trás, principalmente quando não é nosso. O lado sombrio da vida, o lado obscuro das pessoas, quase sempre aparecem quando a caneta é a câmera e o caderno é a tela. Vou assistir.

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  2. Um filme que flerta com a perfeição... Uma trilha sonora que flerta com a perfeição... Dois desempenhos que flertam com a perfeição. A magnífica Kristin Scott Thomas, não precisa nem merece elogios, pois seriam tímidos, diante da atriz espetacular que ela é. A anglo-francesa é tão fenomenal que nunca lhe deram um OSCAR. Devem ter medo de uma atriz européia, em todos os sentidos. Por ela, passei a achar que o "OSCAR" não passa de um engodo... Já a Elza está simplesmente divina no papel de LÉA. Uma obra imprescindível, para quem tem sensibilidade e ama à arte da interpretação.

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