Caramelo é a calda de açúcar usada para depilar, e que funciona como uma espécie de poção mágica para atrair a clientela do Salão Si Bella. As cabeleireiras chegam a provar sensualmente o doce veneno que queima muitas pernas. Caramelo é um filme de mulheres, sobre mulheres. Nadine Labaki, a diretora, vê o mundo através de um filtro feminino. Tudo trata do feminino. Nadine também é atriz, é a Layala do filme, e tem uma equipe formada quase que exclusivamente por mulheres. Os homens ficam fora de foco e fora de cena. Os tipos masculinos estão ausentes. Até aquela espécie de homem, que toda mulher conhece, o machista, o explorador, o safado, o desonesto, o covarde que bate em mulheres está ausente. O mais cretino deles buzina, apenas, mas não aparece.
O foco de interesse de Nadine é o Salão de Beleza Si Bella, com o B de cabeça para baixo. Se é que letra tem cabeça. Como que simbolizando a vida bagunçada das cinco cabeleireiras que trabalham ali. Nadine foca a câmera em cada uma delas.
Layala é uma mulher linda, lembra um pouquinho Teri Hatcher, de Desperate Housewives. Teri encarnou Lois Lane, a namorada do superman, na série Lois e Clark: As novas aventuras do Superman (The New Adventures of Superman). Mas Layala é uma mulher mais jovem e bela, com olhos escuros enormes, sombreados por espessa maquiagem.
Aparecem somente três homens no filme - Youssef (Adel Karam), o policial bonzinho, o sr. idoso e o noivo - todos são coadjuvantes.Youssef, o policial bonzinho - como se isso fosse possível - é apaixonado por Layala, que só tem olhos para o homem casado que a procura quando quer. Passa em frente ao Salão e buzina. Layala sai correndo. O filme analisa a condição feminina em um país machista, onde as mulheres ainda lutam muito para conquistar um mínimo de igualdade em relação aos homens. Beirute é uma bela cidade, com pessoas semelhantes a nós, brasileiros, com ruas parecidas com as nossas.
Layala faz de tudo para viver seu amor de frustração. Tenta se hospedar em um hotel para comemorar o aniversário do amante cretino, que tinha mulher e filha. Não consegue. Faz uma peregrinação por diversos lugares. No Líbano, uma mulher precisa de certidão de casamento para ficar em um hotel acompanhada.Imagine só, no Brasil, a cada passo é oferecido num motel, com cama redonda, champagne, cascata e o diabo a quatro. Layala consegue um lugarzinho de quinta categoria e se esfalfa limpando para ficar sozinha esperando.
Cada mulher é muito bem caracterizada. A relação das cabeleireiras com o celular é como no Brasil. Os toques são os mais hilários!Jamale (Gisèle Aouad), uma mulher de meia idade preocupa-se muito com a aparência. Passou dos quarenta, possui dois filhos e é uma das mais engraçadas. Faz testes de propaganda para cremes de beleza, que supostamente deixam a pele jovem e macia. Ela insiste em colocar duas fitas adesivas nas têmporas para levantar o semblante.
Somente uma visão feminina pensaria em um personagem como Jamale, que precisa mostrar ao mundo que ainda é jovem, e que, portanto menstrua! Ela chama a atenção para as manchas vermelhas no vestido branco. Pinga mercúrio para parecer sangue! Veja se pode! É muito divertido!
O comportamento de Jamale revela o que todas nós mulheres desejamos – ou quase todas – parar o tempo: ter uma pele de menina de dezoito.Não deixa de ser uma imposição cultural, como também é cultural a questão da virgindade. Nisrine (Yasmine Elmasri) acha imprescindível fazer uma pequena intervenção cirúrgica, antes do casamento, para retomar sua condição de virgem. É outra das cenas mais engraçadas.E assim a cada passo a platéia ri e se diverte. Como na caracterização da família de Layala. A mãe acalorada segura um ventilador portátil. O pai está de pijamas. O irmão pequeno fica entre os dois. Sentados no sofá, os três estão hipnotizados pela TV.
Youssef, apaixonado por Layala nem sequer a multa, por não usar cinto de segurança. Fica enrubecido e tonto na presença da estonteante cabeleireira. Layla passa na direção de seu velho carro, o provoca e mostra a língua. Imagine se eu fizesse isso para o guardinha da EPTC, que me flagrou falando ao celular! He... he... he...A relação da tia Rose (Sihame Haddad) com a irmã Lili (Aziza Semaan) é um drama visto pelo seu lado engraçado. Lili, a velhinha tem um caso com o Al (zheimer). Como minha amiga, uma velhinha, que fazia muito tempo que não se olhava no espelho. Um dia quando viu sua imagem refletida perguntou quem era aquela velha ali? Lili recolhia todas as multas aplicadas por Youssef em um saco de plástico. Pensava que eram cartas de amor. As duas dormiam juntas, de camisola comprida, com toucas de crochê. E rezavam o terço. A caracterização é ótima. Ame-e-ei o filme. Nadine reflete sobre muitos tipos de mulheres, as jovens que procuram seu homem, um amor, um companheiro. As avozinhas que saíram do mundo real. As mulheres mais velhas, que não se permitem uma segunda ou última chance, como tia Rose, uma mulher encantadora, com um sorriso cativante.
Rose é costureira e quase se envolve com um senhor idoso. Ela mesma conclui que ele era que mais um louquinho em sua vida. O senhor insistia para que a costureira fizesse uma bainha muito curta em suas calças, ao que Rose desabafa: “Era o que me faltava, mais um louco”! Se, era um amor possível, porque Rose não se permite? Pelo preconceito? Ou pela bainha? Envolvente e simpático mesmo era Youssef. As cabeleireiras gratas por sua proteção o convidam para um banho de boutique. Temeroso ele aceita. As mulheres se divertem e fazem gato e sapato com o policial, que sai do Salão parecendo um príncipe. Mesmo em um país machista elas dominam.
Nadine mostra o homossexualismo feminino de forma delicada. Chega ao Salão uma mulher morena, belíssima, de longos cabelos negros, que se entrega ao prazer sensual nas mãos de fada de Rima (Joanna Moukarzel), que lava seus cabelos. O caso entre as duas promete. A fala da mãe de Nisrine às vésperas do casamento - o espectador sabe da cirurgia - parece boba e passada. Mas não é menos comovente e triste. A mãe conclui afirmando “ a vida é como um bolo, é preciso abrir para ver se está bom.”Não deixe de observar a fotografia, é belíssima e as cores são lindas. E não deixe de assistir a Caramelo, pois Nadine Labaki está falando de cada uma de nós.
quarta-feira, 8 de julho de 2009
CARAMELO
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