quinta-feira, 30 de julho de 2009

O GUERREIRO GENGHIS KHAN

Não despreze um filhote fraco ele pode se tornar um tigre violento. Temudjin ( Genghis Khan) nunca foi um filhote fraco, mas era uma criança indefesa quando teve que ficar por sua própria conta como ele mesmo fala, ao narrar sua epopéia. O Guerreiro Genghis Khan (Mongol) de Sergei Bodrov é uma obra prima do cinema épico. O filme se passa na Mongólia, mas Sergei Vladimirovich Bodrov o diretor nasceu em Khabarosvsk, na União Soviética, atual Rússia, em 1948.

Diretores russos como Serguei Eisenstein e Dziga Vertoy inovaram a linguagem, a teoria e a estética cinematográfica. Influenciaram o mundo inteiro, e muito possivelmente Sergei Bodrov. O cinema de Bodrov tem pontos em comum com Encouraçado Potemkin, na montagem, sequência de planos e beleza da fotografia. Ambos exaltam a força e o heroísmo. Potemkin celebra o heroísmo do operário. Mongol sublima o mito do herói, do homem extraordinário elevado ao status de semideus por seus feitos guerreiros e magnânimos. É possível ver o filme de Sergei Bodrov pelo seu viés ideológico. Encouraçado Potemkin era uma propaganda política, patrocinada pelo governo russo, após 1917. Na atualidade o mito do grande herói que unificou seu povo, na Mongólia, poderia de alguma forma ter eco no seio do povo russo e funcionar como propaganda, para o ressurgimento da Rússia como nação poderosa e influente no mundo atual? É uma pergunta de difícil resposta. Confesso, não saberia responder. Entretanto é possível ver a obra de Bodrov através desse filtro ideológico, em que os feitos de Genghis Khan servem de modelo ao povo russo na atualidade.

Como cinema o filme é belíssimo. Concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2008. A história se passa a partir de 1192, ano do rato negro. Após uma vida de sofrimento e luta o guerreiro Genghis Khan (Tadanobu Asano) vence, consegue unificar seu povo e transformar a Mongólia em um Império. O guerreiro quer que seu povo evolua de uma organização primitiva baseada nos clãs para uma organização social moderna, com base nas leis e no direito. Deseja tirar seu povo da barbárie. Cria uma legislação simples, enunciada por ele mesmo: Não matar mulheres e crianças, pagar as dívidas, combater os inimigos e não trair o Khan. Genghis Khan quer colocar lei e ordem num mundo sem lei e sem ordem, onde ele sofreu desde a infância em virtude de costumes bárbaros. Quando seu pai, o Khan (Ba Sen), morre, sua casa e aldeia são saqueadas e destruídas por Targutai (Amadu Mamadakov). Temudjin, o jovem Genghis Khan (Odnvam Odsuren) era o filho primogênito, por isso é perseguido por Targutai, somente não é morto porque é criança, e seu algoz não deseja contrariar os costumes. O menino anda com uma canga no pescoço, Targutai marca sua altura com uma espada em uma roda. Espera ele crescer, e que nem a bruxa de Joãozinho e Maria reclama que o menino não está crescendo rápido. Temudjin foge e é salvo por Jamukha (Amarbold Tuvshinbayar), os dois meninos se tornam grandes amigos e irmãos de sangue.

Genghis Khan possui uma narrativa visual que em alguns momentos dispensa legendas. A paisagem da Mongólia é mágica, como se não fosse preciso fazer muito para mostrar um lugar tão vigoroso e espetacular. Mesmo assim, a fotografia de Tuomas Kantelinen é um dos pontos fortes do filme e destaca a beleza de Borte (Khulan Chuluun), a mulher de Temudjin.

Se vocês assistiram ao filme “Camelos também choram” de Byambasuren Davaa e Luigi Falomi concordarão comigo. É um documentário dos mais emocionantes, se passa no Deserto de Gobi, sul da Mongólia. Nele se destacam a beleza das mulheres e crianças, o colorido das roupas e as yurtas. Hah! As yurtas ou tendas são outra coisa que gosto nos filmes sobre a Mongólia. São geniais e ecológicas, em absoluta harmonia com a natureza, poucas habitações são tão bonitas. Exemplificam a sustentabilidade sem maiores custos. A yurta possui uma forma circular, formada por faixas finas de madeira, cruzadas em diagonal, formando quadrados inclinados. Nos dias menos frios, a estrutura - como um muxarabi -, deixa entrar o ar fresco. É coberta por grossas peles. Da estrutura cilíndrica se estendem barras até o anel de compressão da extremidade superior, criando a forma cônica, que faz às vezes de cobertura. Essa abertura circular central permite o escape da fumaça, fica exatamente sobre o lar, onde se faz o fogo. No interior da yurta a vida transcorre em um ambiente aconchegante, coberto por tapetes coloridos, móveis, arcas, altares e enfeites, onde são enfatizados os verdes e os vermelhos. Observe quando Jamukha (Honglei Sun) está no interior da yurta.

Além de acompanhar a trajetória heróica de Genghis Khan, o espectador poderá observar as sequências belíssimas do filme, com planos que poderiam ser comparados aos de “No tempo das Diligências” (“Stagecoach”), de John Ford. Observe quando o menino Temudjin foge sozinho pela neve, os pés - em close - afundam na neve. Observe a sequência em que Temudjin e Borte são perseguidos pelo bando de Targutai: Os cascos dos cavalos aparecem em close, o cavalo de Temudjin galopa em destaque, subitamente, a flecha é lançada, voa sozinha no espaço e o baque! Sabemos que o herói foi atingido, a câmera lenta aumenta a dramaticidade. A mulher é caçada e laçada como um animal. Aí nos revoltamos e sentimos o horror do tratamento que era reservado às mulheres, na época. A grandeza da personagem aparece em diversas situações. Borte se sacrifica mais de uma vez por Genghis Khan. Ele retribui a dedicação da amada, aceitando-a incondicionalmente, independente dos favores sexuais que ela tenha sido obrigada a fazer, independente de seus filhos serem ou não de outro homem. Genghis Khan valoriza as mulheres e é alertado por Jamukha, “que ninguém saiba que eles estavam fazendo uma guerra por mulheres”, pois na Mongólia não se fazia guerras por mulheres.

A relação entre os irmãos de sangue é outro ponto interessante do filme. Jamukha quer que Genghis Khan seja seu comandante. Borte diz que não é possível cozinhar dois carneiros na mesma panela. Temudjin parte, a rivalidade entre os dois irmãos acentua-se. Os dois se transformam em inimigos ferrenhos. Genghis, o herói, vence a batalha e não festeja sem antes libertar Jamukha. Ao partir, o vencido resmunga que ao libertá-lo está libertando o inimigo. Genghis Khan responde: “Estou libertando o meu irmão”. A grandeza e magnanimidade do herói se manifestam em diversas situações e nos deixam felizes, também precisamos de heróis. Quando Genghis Khan destrói seus inimigos deixa intacto o convento, atendendo ao pedido do monge que o protegera. Ele também protege o bruxo que o alimentara quando estava amarrado à canga. Após a vitória, o herói ordena que lhe deem uma grande parte do saque e coloquem a tenda do bruxo ao lado da sua.

Enfim, Genghis Khan é mostrado como um grande herói, que colocou ordem em um mundo bárbaro. Não importa se a lenda de Genghis Khan tenha outras versões, onde ele é brutal e sanguinário. A versão de Bodrov é a que está no Artplex, em Porto Alegre.

A música é gutural, cria tensões e compõe a obra de arte. As cenas de batalha estão muito próximas da perfeição. E Bodrov mostra alguns raros momentos de felicidade, quando o casal corre na estepe verde, com os dois filhos. O guerreiro persegue o filho mais velho, e é observado pela filha menor, com um vestidinho longo parece uma boneca. A felicidade termina e Genghis Khan parte para cumprir seu destino de conquistas, a mulher e os dois filhos se transformam em três figuras pequenas contra a grande paisagem vazia da estepe.

Preste atenção à música, no final, quando aparecem os créditos e as pessoas todas se levantam, quando deveriam ficar quietas em seus lugares. É moderna, é intensa, é belíssima.




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