segunda-feira, 24 de agosto de 2009

BEM-VINDO

Em menos de um ano, assim rápido, sem pensar muito lembro três filmes sobre os problemas dos imigrantes na atualidade: Território Restrito, Rio Congelado, Jean Charles e agora Bem-vindo. O título do filme é uma alusão irônica ao tratamento que é dado aos imigrantes ilegais no mundo inteiro. A questão da imigração é um problema mundial, que precisa ser tratado, estudado e deve excluir a xenofobia.

Nos filmes citados, que estrearam nos cinemas de Porto Alegre, em menos de seis meses temos o sofrimento de Mireya Sanchez (Alice Braga), em Território Restrito, de Ray Eddy (Melissa Leo) e Lilá (Misty Uphan), em Rio Congelado, do brasileiro Jean Charles (Selton Mello) e de Bilal (Firat Ayverdi) em Bem-vindo.

Se filmes como Em Tempos de Paz mostram os grandes problemas do Brasil, vemos com espanto, que a França não possui problemas menores. A intolerância em relação ao imigrante ilegal atinge níveis alarmantes no mundo inteiro.

Bem-vindo é uma denúncia contundente contra o pensamento e o comportamento xenófobo da sociedade francesa. O diretor é Philippe Lioret.

O filme acompanha a trajetória de Bilal, o jovem curdo que sai do Afeganistão e leva três meses para chegar à França. Seu objetivo é chegar à Inglaterra onde vive sua namorada, Mina (Derya Ayverdi). Na vida real Derya e Firat são irmãos e fazem o par apaixonado. Firat foi indicado pela irmã, quando ela foi escolhida por Lioret para fazer a personagem Mina.

Os imigrantes ilegais em qualquer lugar do mundo vivem a pior das vidas. O momento da partida, o abandono da pátria marca suas existências, como o ponto inicial de uma viagem sem volta. Será tudo ou nada. Poucos pensam em voltar. Os imigrantes pobres são os mais desprotegidos. Em geral são vítimas de intermediários inescrupulosos, desonestos, quando não, criminosos. O sentimento dos jovens imigrantes é de estranhamento perante um mundo novo e diferente.

Coragem, não sabemos onde eles a encontram para seguir adiante! A experiência dos imigrantes é limite. Com Bilal não foi diferente.

Você já passou por um caminhão cheio de animais para o abate quando viaja de carro? Galinhas, porcos, gado? Até cavalos? Sentiu-se mal? Sempre sinto muita tristeza pelo sofrimento dos animais, que dependem de nós, seres humanos. A situação de Bilal é semelhante. É pior ainda. Escondidos em caminhões, os imigrantes ilegais tentam atravessar a fronteira da França. Devem ficar encapuzados com sacos plásticos, para evitar que o gás carbônico expelido pela respiração seja detectado. A polícia faz a revista, auxiliada por cães farejadores. Bilal não suporta a situação, entra em pânico. Os imigrantes são descobertos, presos e julgados. Muitos são repatriados. Bilal consegue permanecer na França.

A narrativa não fala da experiência de Bilal, pela boca do personagem. O filme é quase um documentário. Bilal não narra seu sofrimento. A dor do abandono em um lugar estranho, do ser caçado como um animal, da fome e do frio são experiências inenarráveis. Bilal vive esses tempos difíceis e tenta levar seus planos adiante.

Simon (Vincent Lindon) o ex-atleta, professor e medalhista de natação vive uma situação diversa, mas também de dor e desespero. Simon está separado da mulher Marion (Audrey Dana), por quem continua perdidamente apaixonado. Os dois trabalham em um grupo que dá apoio aos imigrantes ilegais. Simon em uma belíssima cena de amor acaricia a ex-mulher, que naquele momento, pelo menos se rende ao sexo e a um amor desejado por ela também.

O professor ensina Bilal a nadar, para transformá-lo em campeão de natação. Mas, percebe que o desejo do jovem é outro. Assume o risco de treiná-lo. Bilal se transforma no filho do coração, no filho adotivo de Simon, que revê sua vida e seus valores através deste novo papel de pai. Em seus sonhos de menino de 17 anos, Bilal persiste na idéia fixa de encontrar a namorada. Determinado, não pensa em outra coisa. A teimosia é a característica do personagem, que persegue seu alvo à exaustão, nada o demove. A jovem afegã é submissa aos desejos do pai, que já lhe escolheu outro noivo.

Bilal ama Simon como pai. Mas o preconceito e a xenofobia vêem de forma diferente. Para vizinhos, para a França que enxota seus imigrantes, a relação entre os dois é homossexual. Os que não se enquadram nos papéis pré-determinados por uma sociedade preconceituosa são classificados como pertencentes às minorias e não são aceitos. Simon passa a ter sérios problemas com a polícia. Vê sua casa invadida por policiais. Precisa apresentar-se diariamente às autoridades. É tratado como criminoso. É classificado como homossexual, no sentido de diminuí-lo através da intolerância. Simon tenta uma reconciliação com Marion, mas os dois precisam mudar para pensarem na possibilidade de se reencontrar.

Bilal deve abrir mão do seu amor ao pai para atingir a sua experiência extrema como imigrante. Deve buscar o próprio caminho, já delineado em sua mente para concretizar seu sonho. Para crescer, Bilal deve abdicar do amor ao pai.

Nessa busca encontra no esporte, uma forma de superar obstáculos e elevar a autoestima. No caso, é uma luta e uma competição consigo mesmo. Ao treinar, prepara-se para superar seus próprios limites e bater seu próprio recorde. A natação transforma-se em uma experiência libertadora, em todos os sentidos, que poderá resultar na possibilidade de reiniciar uma nova vida.

Em meio a esse emaranhado de acontecimentos e sentimentos, Bilal joga-se ao mar, e busca o seu limite... Volta ao meio líquido em uma experiência decisiva, para viver ou morrer.

Bilal transforma muitas vidas, em sua fragilidade de imigrante ilegal. Simon reconstrói sua vida através dele. Dedica-se a treinar jovens imigrantes na natação, para que um dia, quem sabe eles consigam alcançar seus objetivos.

Philippe Lioret denuncia a política de imigração patrocinada pelo governo francês, que dificulta e penaliza os próprios franceses, que perdem o direto de ir e vir, o direito à privacidade, o direto inalienável à liberdade e à fraternidade. Ou seja, o direito à compaixão pelo próximo, no sentido pregado por Dalai Lama. As cores da bandeira francesa simbolizam três palavras mágicas: Liberdade (Liberté), Igualdade (Égalité) e Fraternidade (Fraternité). Palavras que foram cunhadas na Revolução Francesa e viraram símbolo do país. Entretanto os franceses apoiaram leis de imigração xenófobas, que pisam no significado das três palavras. Pisaram na própria bandeira, é como se tivessem rasgado o lema do país que foi o berço da cultura e da civilização. Na França a solidariedade é enquadrada juridicamente como crime, o “crime de solidariedade”.

A Lei de Imigração que foi aprovada, na França em 2007, foi apoiada pelo então, Primeiro Ministro Nicolas Sarkozy. A Lei endurece com os imigrantes ilegais e exige exames de DNA para comprovar a filiação daqueles que possuem parentes residindo na França. Por outro lado, na França, os imigrantes são considerados desiguais e recebem tratamento desigual. A lei fomenta a imigração qualificada, o Visto de Residência, Capacidades e Talento é incentivado, e os casamentos mistos são dificultados. O pleno direito dos clandestinos com mais de dez anos no país é revogado e é substituído por uma regularização caso a caso. A exigência de provas regulares de domínio do idioma francês é recente.

Nem todos os franceses pensam assim e Phillippe Lioret é a prova cabal desta afirmativa. O filme de Phillip Lioret causou tanta polêmica, na França, que o Partido Socialista encaminhou um projeto de lei com o nome do filme, Bem-vindo, justamente para tentar revogar o que na França é considerado crime. Ou seja, o delito de ser solidário! O código de Entrada e Estadia de Estrangeiros penaliza com a prisão de cinco anos e multa de 30.000 euros, o francês que ajudar a melhorar a vida dos imigrantes ilegais. São os artigos L622-1 e L622-4 desse Código.

Não perca o filme de Philippe Lioret que é verdadeira prova de que o cinema pode mudar o mundo.


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