Entre nós, o nome do filme não poderia ser mais jocoso. Me faz rir, pois para mim teta é de vaca. E chamar mulher de vaca, é meio grotesco, embora algumas mereçam. E aí muitas vezes não encontro a palavra adequada para as mamas? (é da área médica), seio? busto? Tetuda ainda é um adjetivo aceitável. Para mim teta é que não é aceitável! He, he, he.
Gostei de La Teta Asustada, porque ele fala da América Latina, pobre e explorada. Fala de uma América, de língua espanhola que é muito pouco conhecida e valorizada no Brasil. O Peru é um país belíssimo. Sempre me identifiquei com a literatura fantástica peruana, em minha busca por minhas raízes indígenas.
Vejam o filme e observem a beleza da atriz que faz Fausta (Magaly Solier). A cor da pele é linda, as feições têm traços incaicos, o cabelo é quase azul, um azul ruano, liso, não precisa chapinha. É quase uma Pocahontas, de tão bonita.
E mostra também a paisagem suburbana de Lima, uma cidade onde não chove. Por isso as casas não precisam de telhado de telhas francesas, por exemplo. As coberturas são retas, mas não possuem a acepção de Le Corbusier, com seu terraço jardim. Acho que poderíamos falar em uma estética da pobreza muito semelhante à estética da fome de Glauber Rocha. Eu diria que é uma estética do kitsch, mas esse kitsch retrata tão bem as pessoas e o lugar, que é o mais atraente.
La Teta Asustada é um filme de Claudia Llosa, sobrinha de Mário Vargas Lhosa, a qual ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2009. No Festival de Gramado de 2009 ganhou o Prêmio de Melhor Longa Estrangeiro, enquanto Claudia Lhosa ganhou o Prêmio de Melhor Direção.
La Teta Asustada é uma crença popular de que as mulheres que foram estupradas no Peru transmitem às filhas através do leite, o medo, a angústia e o pavor que sofreram. Quando o filme inicia, a velha mãe índia canta - num dialeto muito estranho - seus males e suas tristezas para a filha. A mãe estava grávida de Fausta quando foi violentada e estuprada por terroristas. O filme fala do medo, dos problemas do Peru, agravados pela ditadura e pelo terrorismo.
Assim, a filha Fausta tem pavor ao sexo. O filme não mostra cenas de sexo, não mostra cenas de violência e estupro, mas fala de sexo o tempo todo.
Fausta mora com o tio e assiste ao casamento da prima sem o menor interesse. A cena é cativante, mostra o casario sobre um morro sem vegetação, cor cinza-ocre. Os casebres se organizam, em torno de um pátio onde a noiva experimenta, e suja de poeira o vestido branco. A cena lembra o neorealismo italiano de Pasolini, em Gaviões e Passarinhos. Ao fundo, presa na fachada da casa há uma grande ilustração alusiva ao casamento, tudo é brega e kitsch e por isso mesmo tem seu encanto.
O filme fala da vida e da morte. Enquanto a família e as primas estão preocupadas com a vida, Fausta sofre da Síndrome da Teta Assustada. A mãe morre enquanto cantava sua dor. E a filha passa a cultivar a mãe morta de quem não consegue se separar. Psicologicamente, Fausta identifica-se com a mãe, assume seus medos e sua dor. Não fala com ninguém, não se interessa por homens, não possui amigas. Não consegue realizar-se como mulher.
Mesmo morta a mãe não liberta a filha. O culto aos mortos é característico dos povos latinos. Alguns quadros do filme são verdadeiras obras de arte. Em uma das cenas o corpo da mãe é lavado e envolvido em panos numa espécie de mumificação. O cadáver está coberto por um lençol e as mulheres ajoelhadas o limpam, uma delas levanta o lençol, para lavar a “teta” da defunta. Essa visão o espectador não tem, imagina somente...
Claudia Llhosa usa a câmera parada. Daí a beleza de muitos enquadramentos, como a cena do sofá, que aparece ao fundo, em cores fortes e características da arte latino-americana. Fausta passa de um lado a outro da tela. Outra cena belíssima surge quando as pérolas do colar da patroa caem ao chão. Fausta e a senhora as recolhem. As mãos delicadas das duas mulheres surgem ao mesmo tempo, com movimentos lentos, de lados opostos da tela, recolhendo as pérolas uma por uma. A fotografia é belíssima, preste atenção.
Afundada em suas crenças Fausta vive em pânico. Nenhum homem pode passar por perto, que ela pensa que vai ser violentada. Dorme com a mãe morta. Tenta comprar um caixão, mas este custa 800 soles, demais para suas posses. Anda com o corpo da mãe para cima e para baixo. Outra cena belíssima é a da escadaria enorme que corta o morro onde moram. Fausta quase vive no céu, mora em cima do morro. A subida do morro carregando o corpo da mãe é antológica.
O corpo morto permanece em baixo da cama, enquanto em cima da mesma cama o vestido de noiva celebra a vida. Fausta puxa o corpo da mãe e visualmente, a morta parece que veste o vestido de noiva. Enquanto Fausta não deixar de celebrar a morte não terá saída. O filme lembra o culto aos mortos, cultivado pelos mexicanos. E lembra também o realismo fantástico de Mário Vargas Lhosa e Manuel Scorza.
Para evitar todo e qualquer perigo de estupro, Fausta tem uma batata na vagina. Num primeiro momento pensei que era um tumor a que o médico chamou de “papa” na vagina. O médico alerta que a batata crescia e tinha muitas bactérias. Periodicamente, Fausta corta os ramos da batata que crescem dentro dela, e saem de seu corpo, como se ela fosse uma árvore! Dá-lhe realismo fantástico. Mas a diretora Claudia afirma que a doença e o ato - que tanto espanto causou - são comuns em seu país...
Enquanto Fausta não assumir seu lado feminino, enquanto simbolicamente não matar a mãe, irá literalmente transformar-se em vegetal. Não poderá ter um homem, nem viver a sua feminilidade.
Começa a trabalhar na casa de uma pianista. Enquanto canta seus males espanta. A pianista em crise encontra inspiração nos versos da empregada e lhe promete pérolas. Fausta sofre a traição e o abandono da patroa, que a deixa sozinha na rua, o que mais temia.
Mas ainda restam as pérolas, Fausta as ama e deseja. Emerge o lado feminino da personagem. O desejo de ser mulher é mais forte. Nessa busca, Fausta sofre e se perde nas ruas da cidade. Noé (Efraín Solís) é a presença masculina que a traz de volta e provoca a reviravolta.
O apelo pela vida faz com que corte o cordão umbilical, mate a identificação com a mãe e com a morte... Agarra-se às pérolas, aperta-as na mão e não as solta, enquanto não lhe for restituída a sua porção mulher.
Gostei de La Teta Asustada, porque ele fala da América Latina, pobre e explorada. Fala de uma América, de língua espanhola que é muito pouco conhecida e valorizada no Brasil. O Peru é um país belíssimo. Sempre me identifiquei com a literatura fantástica peruana, em minha busca por minhas raízes indígenas.
Vejam o filme e observem a beleza da atriz que faz Fausta (Magaly Solier). A cor da pele é linda, as feições têm traços incaicos, o cabelo é quase azul, um azul ruano, liso, não precisa chapinha. É quase uma Pocahontas, de tão bonita.
E mostra também a paisagem suburbana de Lima, uma cidade onde não chove. Por isso as casas não precisam de telhado de telhas francesas, por exemplo. As coberturas são retas, mas não possuem a acepção de Le Corbusier, com seu terraço jardim. Acho que poderíamos falar em uma estética da pobreza muito semelhante à estética da fome de Glauber Rocha. Eu diria que é uma estética do kitsch, mas esse kitsch retrata tão bem as pessoas e o lugar, que é o mais atraente.
La Teta Asustada é um filme de Claudia Llosa, sobrinha de Mário Vargas Lhosa, a qual ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2009. No Festival de Gramado de 2009 ganhou o Prêmio de Melhor Longa Estrangeiro, enquanto Claudia Lhosa ganhou o Prêmio de Melhor Direção.
La Teta Asustada é uma crença popular de que as mulheres que foram estupradas no Peru transmitem às filhas através do leite, o medo, a angústia e o pavor que sofreram. Quando o filme inicia, a velha mãe índia canta - num dialeto muito estranho - seus males e suas tristezas para a filha. A mãe estava grávida de Fausta quando foi violentada e estuprada por terroristas. O filme fala do medo, dos problemas do Peru, agravados pela ditadura e pelo terrorismo.
Assim, a filha Fausta tem pavor ao sexo. O filme não mostra cenas de sexo, não mostra cenas de violência e estupro, mas fala de sexo o tempo todo.
Fausta mora com o tio e assiste ao casamento da prima sem o menor interesse. A cena é cativante, mostra o casario sobre um morro sem vegetação, cor cinza-ocre. Os casebres se organizam, em torno de um pátio onde a noiva experimenta, e suja de poeira o vestido branco. A cena lembra o neorealismo italiano de Pasolini, em Gaviões e Passarinhos. Ao fundo, presa na fachada da casa há uma grande ilustração alusiva ao casamento, tudo é brega e kitsch e por isso mesmo tem seu encanto.
O filme fala da vida e da morte. Enquanto a família e as primas estão preocupadas com a vida, Fausta sofre da Síndrome da Teta Assustada. A mãe morre enquanto cantava sua dor. E a filha passa a cultivar a mãe morta de quem não consegue se separar. Psicologicamente, Fausta identifica-se com a mãe, assume seus medos e sua dor. Não fala com ninguém, não se interessa por homens, não possui amigas. Não consegue realizar-se como mulher.
Mesmo morta a mãe não liberta a filha. O culto aos mortos é característico dos povos latinos. Alguns quadros do filme são verdadeiras obras de arte. Em uma das cenas o corpo da mãe é lavado e envolvido em panos numa espécie de mumificação. O cadáver está coberto por um lençol e as mulheres ajoelhadas o limpam, uma delas levanta o lençol, para lavar a “teta” da defunta. Essa visão o espectador não tem, imagina somente...
Claudia Llhosa usa a câmera parada. Daí a beleza de muitos enquadramentos, como a cena do sofá, que aparece ao fundo, em cores fortes e características da arte latino-americana. Fausta passa de um lado a outro da tela. Outra cena belíssima surge quando as pérolas do colar da patroa caem ao chão. Fausta e a senhora as recolhem. As mãos delicadas das duas mulheres surgem ao mesmo tempo, com movimentos lentos, de lados opostos da tela, recolhendo as pérolas uma por uma. A fotografia é belíssima, preste atenção.
Afundada em suas crenças Fausta vive em pânico. Nenhum homem pode passar por perto, que ela pensa que vai ser violentada. Dorme com a mãe morta. Tenta comprar um caixão, mas este custa 800 soles, demais para suas posses. Anda com o corpo da mãe para cima e para baixo. Outra cena belíssima é a da escadaria enorme que corta o morro onde moram. Fausta quase vive no céu, mora em cima do morro. A subida do morro carregando o corpo da mãe é antológica.
O corpo morto permanece em baixo da cama, enquanto em cima da mesma cama o vestido de noiva celebra a vida. Fausta puxa o corpo da mãe e visualmente, a morta parece que veste o vestido de noiva. Enquanto Fausta não deixar de celebrar a morte não terá saída. O filme lembra o culto aos mortos, cultivado pelos mexicanos. E lembra também o realismo fantástico de Mário Vargas Lhosa e Manuel Scorza.
Para evitar todo e qualquer perigo de estupro, Fausta tem uma batata na vagina. Num primeiro momento pensei que era um tumor a que o médico chamou de “papa” na vagina. O médico alerta que a batata crescia e tinha muitas bactérias. Periodicamente, Fausta corta os ramos da batata que crescem dentro dela, e saem de seu corpo, como se ela fosse uma árvore! Dá-lhe realismo fantástico. Mas a diretora Claudia afirma que a doença e o ato - que tanto espanto causou - são comuns em seu país...
Enquanto Fausta não assumir seu lado feminino, enquanto simbolicamente não matar a mãe, irá literalmente transformar-se em vegetal. Não poderá ter um homem, nem viver a sua feminilidade.
Começa a trabalhar na casa de uma pianista. Enquanto canta seus males espanta. A pianista em crise encontra inspiração nos versos da empregada e lhe promete pérolas. Fausta sofre a traição e o abandono da patroa, que a deixa sozinha na rua, o que mais temia.
Mas ainda restam as pérolas, Fausta as ama e deseja. Emerge o lado feminino da personagem. O desejo de ser mulher é mais forte. Nessa busca, Fausta sofre e se perde nas ruas da cidade. Noé (Efraín Solís) é a presença masculina que a traz de volta e provoca a reviravolta.
O apelo pela vida faz com que corte o cordão umbilical, mate a identificação com a mãe e com a morte... Agarra-se às pérolas, aperta-as na mão e não as solta, enquanto não lhe for restituída a sua porção mulher.
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