quinta-feira, 13 de agosto de 2009

HORAS DE VERÃO

“Ó nostalgia dos lugares que não foram
Bastante amados na hora passageira.
Quem me dera devolver-lhes de longe
O gesto esquecido, a ação suplementar.”

Esses versos dizem muito sobre a vida de cada um de nós. São do poeta Rainer Maria Rilke. Amo Rilke. Em minha opinião, por si próprios, os versos dizem sobre a sensibilidade do grande poeta.

A casa de Helène, deixada como herança para seus filhos é o tema do filme Horas de Verão, dirigido por Olivier Assayas, que foi crítico da revista Cahiers du Cinema. Quando pais, avós ou outros familiares morrem, as pessoas lembram os momentos de felicidade, que tiveram juntos. Como pano de fundo das lembranças está presente a casa, suas temperaturas e seus cheiros, o aconchego, o mobiliário, os doces, os almoços em família, os jardins e o perfume das flores, os bons e os maus momentos. Por isso a relação com Rilke. Na hora passageira os lugares não são bastante amados, embora, em nosso imaginário essas lembranças possam durar uma vida inteira. Poderíamos passear de olhos fechados por dentro desses espaços, que agora pertencem somente às nossas lembranças. Não temos consciência dos efêmeros momentos de felicidade.

Assim, em Horas de Verão, Olivier Assayas faz referência às férias de verão da família e traz um pouco do pensamento de Rilke. Mas o filme não agrada. Não aprofunda conflitos, diferenças e divergências entre os personagens. Embora a temática possua um grande potencial.

A vida da mãe Helène não teve eco junto ao espectador, embora a atriz, Edith Scob seja uma mulher interessante. Helène dedicou sua vida a preservar a memória e a obra de Paul Berthier, um pintor famoso, com quem teve um relacionamento amoroso. O caso precisou ser escondido da família. A casa era do tio, e a mãe sempre manteve a idéia fixa de conservá-la.

Frédéric (Charles Berling), o filho mais velho é o único que conhecia Berthier. Os outros dois, Adrienne (Juliete Binoche) e Jérémie (Jérémie Renier), não o conheceram e não sentiam a menor vontade de preservar a casa. Em conversa entre irmãos, um deles confessa, que sentia muito pelo sofrimento do pai, um serralheiro (ou ferreiro?), que era tratado como inferior, e sentia-se como tal. Mas era o pai quem pagava todas as contas.

Quando a mãe morre deixa como espólio toda a propriedade para os três filhos. A narrativa mostra as divergências e conflitos que surgem, mas não conta toda a história, nem as razões dos problemas familiares anteriores.

Adrienne e Jérémie pertencem a uma nova geração francesa, que não possui nenhum sentimento ou gosto pela tradição. A burguesia francesa historicamente tem cultivado os valores e a força da tradição. Na França, persiste o gosto pela tradição. Ao contrário, os franceses não apreciam a sociedade de consumo norte-americana. A geração de Adrienne e Jérémie coloca por terra os dois mitos. Adrienne é designer e mora em Nova York, pretende casar, comprar apartamento e continuar vivendo nos Estados Unidos.

Jérémie trabalha em Pequim, onde vive com a mulher e três filhos. Pretende que seu filho estude em São Francisco. Nenhum dos dois reconhece a força da tradição familiar, e não pretendem voltar à casa grande no verão. A tradição da família, os quadros de Corot, os móveis desejados pelo Museu D’Orsay, nada disso lhes interessa. O melhor é vender tudo.

Assim o conflito entre os filhos pela herança e pela tradição, que daria um drama rasgado em um filme latino americano, na França é blasé. Frédéric como única voz destoante é voto vencido e se conforma rápido demais. É o único personagem que tem a nossa simpatia. Juliette Binoche não fica bem com a cabeleira loura, e faz uma criatura insensível, que não tem muito a dizer. Também desaparece antes do final.

Frédéric no máximo faz menção à alienação de objetos expostos em galerias ou museus, que se tornam esvaziados de seu valor verdadeiro e de seu contexto, transformando-se em simples mercadorias. Frédéric acha que as obras de arte estão aprisionadas, quando as encontra em exposição. Sofre com isso. Sofre quando vê os objetos de seu cotidiano aprisionados em exposições. Supervalorizados em leilões de arte, como o vaso de bolhas, justamente o que sua mãe não gostava, igual ao que tinha presenteado a empregada, a criatura mais pura e humilde da narrativa.

Frédéric gostaria de rever sua posição. Mas é ele que está aprisionado pela imobilidade, e não as obras de arte. Falta ação e vontade ao pobre Frédéric.

Resta o olhar de tristeza da neta, impotente, diante da casa e do jardim onde foi feliz, no convívio com a avó.


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