Jane Campion se envolve com a história da Inglaterra, com a história do cotidiano, expectativas de casamento, orgulho e preconceito. É uma mulher sensível. Relata histórias de famílias e amores no século XIX. Jane faz reviver John Keats, interpretado por Ken Whisaw, hoje considerado o maior poeta do século XIX. Como Van Gogh, ele não teve seu valor reconhecido em vida. Keats não acredita em si mesmo. Morre aos 25 anos, sem ter a menor noção do valor de sua obra. Jane Campion fala não somente da vida de Keats, mas de seu país, que nos assombra pelo atraso, mesmo passados 100 anos.
Se a Inglaterra é um país rico às custas da exploração de colônias pobres e do estabelecimento de relações comerciais dominadoras com países como Portugal e Brasil, apesar da Revolução Industrial -paradoxalmente- assombra pelo atraso e preconceito. Ao tomarmos contato com esse mundo romântico e obscuro, elevamos nossas preces e damos graças a Deus por estarmos vivendo aqui e agora. A vida no Brasil não era melhor, sabemos disso.
O atraso na Medicina é o grande flagelo da Inglaterra e da humanidade. Outros atrasos ficam por conta de relações familiares. O homem, como na Roma Antiga é a figura patriarcal. Toda a família submete-se a ele. O pai de família é o homem provedor. Homem e mulher terão sua união aceita pela sociedade se legitimada pelo casamento. Não existe casamento sem dote. O homem precisa provar que é capaz de sustentar uma família. Jane Campion analisa esses problemas familiares, evidencia desejos, anseios e desenganos. Desvela o romance de Keats com a mulher de sua vida. Jovem, franzino e frágil, ele tem certeza que não possui a menor condição para sustentar uma família.
O fantasma da tuberculose ronda a vida do poeta. As pessoas morrem de doenças infecto-contagiosas no século XIX. Morrem às pencas de tuberculose e tifo. Por isso também dou graças por viver aqui e agora! Saudamos a vacina! Pobre Keats, deve ter contraído a doença quando cuidava do irmão. Depois de instalado, o bacilo de Koch mina a resistência do doente, que enfraquece lentamente. No cinema, nossos heróis cuspem sangue. Sabemos que seu destino está traçado, quando a cena aparece na telona. Os amigos reúnem uma quantia em dinheiro para Keats viajar à Nápoles, onde a temperatura é amena. Sabemos que é inútil.
Keats, o filme, trata de um amor que não se realiza. A heroína é uma jovem graciosa. Foi escolhida a dedo. Se comparada ao jovem Keats, esbanja viço e saúde. Possui um rosto escultural, corpo forte e braços roliços. Parece saída de um romance de Eça de Queirós. O destino coloca-se contra o amor de Keats e Fanny Brawne (Abbie Cornish). Tudo é adverso. Estranho mesmo é o poeta permitir as intervenções de Charles Brown (Paul Schneider). Qual seria o papel de Brown na vida Keats? Existe uma relação de dominação entre os dois. Eram homossexuais? Os dois moram juntos... Brown faz de tudo para desqualificar a jovem Fanny.
O mundo do século XIX pertence aos homens. Até as tentativas de Fanny, para entender a poesia de Keats, são mal interpretadas. Às mulheres cabia bordar e preparar-se para o casamento. Não importa se de conveniência - na opinião das famílias. Casamento, amor, filhinha e boneca. Michele Perrot não cansa de afirmar que a trindade feminina da doçura açucarada das rosas e lírios é um tema obsessivo na pintura do século XIX, e como vimos, da vida de Fanny Brawne. Com a diferença, que mesmo vivendo a mulher trágica e romântica, para Fanny, não sobrou nem casamento, nem filhinha, nem boneca. Ela não realiza o sonho de casar com seu príncipe encantado, não transa, não faz amor e não tem filhos com Keats. O amor entre os dois é trágico e dolorosamente casto.
Keats é tão frágil , que não consegue impor sua vontade junto ao grosseiro Charles Brown. Muito menos ousa aspirar à mão da moça. Apesar da fragilidade da figura feminina, Fanny é a personagem forte, que vive um amor frustrado pelo grande poeta. Após a morte do amado, ela usa o anel presenteado por ele pelo resto da vida. Em seu amor romântico, a paixão de Fanny é eterna.
Vale assistir ao filme de Jane Campion pelos cenários românticos, bucólicos e idílicos. A belíssima fotografia é de Greig Fraser.
Se para Fanny não estou opção senão cuidar dos irmãos, as crianças, por sua vez, preocupavam-se em cuidar da irmã mais velha, como podiam. Essa relação de amor fraternal é emocionante.
Keats pergunta à irmã menor, que tinha bochechas muito, muito cor de rosa:
- "Quantas rosas você comeu hoje"?
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