domingo, 12 de julho de 2009

STELLA

Para Stella (Léora Barbara), viver com os pais, e viver sozinha não faz muita diferença. A vida da menina é a própria solidão, mas Stella não percebe suas carências. Com apenas 11 anos, a garota não consegue racionalizar a situação.

O ambiente em casa é péssimo. Os pais são proprietários de um bar, onde tudo acontece. Bêbados, arruaceiros andam por aqui e por ali. Os acontecimentos são vistos através dos olhos de Stella que tem dificuldades em perceber seu fracasso na escola. Seu silêncio e aparente indiferença irritam adultos e professores.

Muitas crianças são como Stella. Ficam mudas, em silêncio. E passa batido, não é percebido, os adultos não veem. Os pais não entendem, e precisa vir Stella para nos abrir os olhos. Pena que para muitos seja tarde demais.

A mãe é uma mulher jovem e bonita, mas com algo de vulgar e descuidado. Trabalha junto com o marido, no bar. Participa das noitadas de farra, muita bebida e maus modos sem o menor constrangimento. Eles são assim mesmo. Com certeza a mãe não vê a filha e não tem condições de educá-la. Nem pai, nem mãe tem a menor condição de orientar e educar a filha para o mundo. A mãe por sua vez achava que o pai era um fraco, um bon vivant.

Stella vive solta, como um cordeirinho no meio dos lobos. Vive e circula naquele mundo de adultos que perambulam por sua casa e podem entrar até em seu quarto, no pavimento superior. O público e o privado estão misturados. Parece uma família do século XVIII ou XIX, que não separava moradia e trabalho. Nesse ambiente a menina vê tudo e sabe de tudo. Seu único companheiro é Wolfie, o rottweiler ciumento que só tem olhos para sua dona. O recanto de Stella é seu quarto cheio de recortes e fotos de Alain Delon e Roger Moore. Achei diferente, uma adolescente, dos anos 2000, curtir atores dos anos 60, 70.

Stella procura entender as razões de seu mau desempenho na escola. Pensa e pensa e conclui que em compensação sabe tudo de sexo, sabe de onde vêm os bebês e sabe jogar fliperama. A garota tem dificuldades em fazer amizades na escola. Senta ao lado de uma menina tão loura, que para ela é a menina da série Os Pioneiros.

O professor tem a sensibilidade de um elefante. Noto esse comportamento em muitos professores. Falo com conhecimento de causa, sou professora. Agem perante os alunos como se fossem deuses. Intimidam jovens e crianças, depois se queixam que os alunos não os respeitam. Pensam que, saber um pouquinho mais que aqueles a quem estão ensinando lhes dá o direito de tripudiar. O professor de Stella era dessa cepa.

Alain Bernard (Guillaume Depardieu) é o moço loiro e lindo, por quem Stella se apaixona em seus sonhos de menina, em sua paixão platônica. Provavelmente ele sabe dos efeitos que causa na garota - de 11 - e nas espectadoras - dos 15 aos 65. Mas mantém a classe, e até a protege. O mais triste da história é que o ator Guillaume Depardieu, filho de Gerard Depardieu e Élisabeth Depardieu faleceu em 2008, vítima de uma pneumonia que contraiu enquanto filmava na Romênia L'enfance d'Icare.

A vida de Stella transcorre naquele ambiente permissivo. O espectador cansa um pouco, as cenas de baderna e barulho se repetem. A música é muito alta e angustiante. Nos alerta para o perigo. Causa mal estar. Preocupamo-nos com Stella. Ficamos com o coração na mão diante daqueles pais permissivos. Aquilo não vai dar certo. Alguém poderá “oferecer balas” para a menina. Quando criança eu dizia para minha irmã: “Vamos embora maninha, ele pode querer nos oferecer balas, e saía correndo”. Fiz bem seguindo os conselhos de minha mãe. Nunca aceite balas de um estranho, nunca fale com um estranho.

Bem, finalmente o inevitável um dia aconteceu. Bubu (Jeannick Gravelines), o lobo que babava e andava por ali à solta mostra as garras. Mas todos sabiam que o tal Bubu não era de confiança. Parece que eram cegos. O garçom alerta Stella, quase tardiamente, para que não fique muito tempo perto dele. Bubu oferece um livro para a menina, insinua o aperto e o abraço pecaminoso. Sylvie Verheyde não mostra além. Concluímos um pouco aliviados que a menina conseguiu escapar do pedófilo.

Stella sabe que a mãe trai o pai dentro da própria casa. Sabe e fica calada. Até que interrompe a descaração e aponta uma arma para os dois.

A salvação da adolescente foi sua nova amiga da escola, Gladys (Mélissa Rodriguez). A colega é uma imigrante, de família judaica, que vai morar na França. O pai é psiquiatra e a família é mais estruturada. Stella ganha uma nova vida. Sonhava em ter uma amiga, em ter alguém com quem conversar. Apesar dos pais ausentes e de alguns maus professores ela reconhece que a presença de Gladys é fundamental para sua evolução. Consegue amadurecer o suficiente para perceber que a escola que freqüenta é uma chance única para sua educação, e que essa oportunidade não pode ser perdida. Ainda não tem confiança em si mesma. Tenta melhorar o visual. Compra roupas com a ajuda da mãe. A sorte é lançada no Conselho de Classe. Os professores discutem seu caso. Uns criticam sua apatia, outros percebem que quando a menina queria, conseguia alcançar um bom desempenho. Gladys é representante dos alunos no Conselho de Classe e não esconde seu desejo que tudo dê certo para a amiga.

Não deixe de acompanhar o crescimento de Stella e veja só! A garota amadureceu o suficiente para se transformar no ombro amigo, onde a mãe ausente, um dia se aninhou para chorar e desabafar sua triste vida.

Um comentário:

  1. Nem sempre as crianças que passam por esse tipo de formação, viram ombros amigos. Nem sempre escapam dos pedófilos. A única coisa que a vida real reproduz com perfeição, é o silêncio das crianças. Esse, sim, é muito fácil de ser encontrado, desde as mais dissolutas até as mais agregadas famílias. E o silêncio não foi feito para ser ouvido, infelizmente.

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